De antemão, deixo aqui meu compromisso de dar meu
feedback para todos os textos. Mas, com a permissão de vocês, vou imprimi-los para ler com calma. Funciono melhor com o papel na mão =)
Título do Conto: A Iminente Guerra Interior
Autor: Eduardo Lins
Conto:
– Depois da fronteira, qualquer caminho significa abandono pelo recomeço...
O vento encobriu meu sussurro. Mas, como poucos, desvia educado de mim para fazer seu trabalho. E, diferente de outros, sua erosão destrói para reconstruir.
“Sua vida não vale nada, nem uma história!”
– É, mas talvez o sacrifício dela valha um registro.
Saí de casa há pouco, ainda é cedo, mas os dois sóis já mostram serviço. O mau humor do solo árido à minha frente afasta qualquer possível convivência com sombra ou água fresca. As muralhas oficiais insistem em nos proteger... Infelizmente, não serviram para nada quando a felicidade das trevas deu as caras.
O clima atrás de mim me expulsa – como meus poros, o povo trabalha para manter a tensão sob controle:
– Esse é o melhor lugar do mercado pra montar barraca!
– Bom dia, seu guarda! Como vai a patrulha?
Se não surgir qualquer alívio, essa tensão explodirá de um jeito bem pior... Como há dois mil e quinhentos anos, quando a Guerra de Hiormeninquan devastou Chronishida. Dizem que na época descobriram novas formas de vida: por um estresse que não sei explicar, todos se digladiaram no conflito.
Os sobreviventes adotaram políticas diferentes conforme o local: surgiram repúblicas, quilombos, tribos, condados... Nasci no Reino de Deemácula, onde até agora vivíamos oficialmente tranquilos, mas por isso pagamos com dois milênios e meio de sangue.
Inúmeras dinastias administraram o país. Sobrevivemos a sete guerras civis. Tivemos alguns momentos republicanos, porém não deu certo como em outros lugares: desistimos pela corrupção que se alastrava em cada tentativa. Não estudei, mas ninguém se importa em abrir a boca perto do entregador de barris, especialmente enquanto bebem:
– Você sabia que só falta uma guerra civil pro Reino cair?
– Ah, cala a boca... Isso é lenda, cara. Todo mundo sabe. Que nem os planos de derrubar a família real: só boato.
Fora dos tribunais, as únicas discussões são políticas e artísticas. O exército é mais simbólico, mas nem importo muito com isso: só um assunto tira minha paz.
Aliás, por falar em “paz tirada”, um palhaço terrorista sequestrou a princesa na frente de todo mundo como se tivesse saído para comprar pão. Provou a inutilidade das muralhas. Também alimentou o boato da oitava guerra civil.
– O Exército Imperial permanece à espera das ordens reais... – Vi o discurso oficial do Conselheiro, para os jornalistas, enquanto fazia uma entrega no Palácio.
O trauma por vezes atrasa as respostas, ainda mais quando não há preparo para a situação. E os soldados ficaram tão estarrecidos quanto o povo. Depois o governo mente para manter o poder. Mas quem se ilude pela grandeza ignora os detalhes inúteis, como minha presença:
– Mas com tanto choro, acho difícil. Esse rei não tem pulso, não tem visão! – sussurrava o Conselheiro ao amigo. – Eu daria muito mais estímulo! Talvez tenhamos... uma virada interessante.
Precisam de “estímulo” para agir? Ah, se conhecessem minha vida... Digamos que ninguém facilita para quem vem abaixo do cocô do cachorro, logo em terceiro lugar atrás de nada, que fica depois de porcaria nenhuma. Meu mestre respeita mais ao gato dele do que a mim – normal para os bichanos, mas o Gonnem extrapola:
– Kien, garoto... quando fizer algo grande, será respeitado... Mas você, Kien Rencrow, só faz mer...
O arroto de cerveja o interrompeu. Tudo bem, todos sabem porque me contratou:
– Só entre nós: sabe aquele menino, o Kien? Um dia a mãe dele vai esquecer o cadáver do paspalho...
Meu pai deve ser mais lembrado pelo Gonnem do que por mim. Penso mais na Princesa... E, agora, também no sequestro.
A Princesa Mehrida, que já é um espetáculo, veio cantar no teatro construído na fronteira com o Deserto de Gaunsht. A cidade lotou o prédio, e as memórias de nossa infância me enchiam de esperança. Após os aplausos iniciais, o teto explodiu e aquele bicho semelhante a palhaço pousou da nave no lugar onde planejei entrar de surpresa. O rapto levou junto a promessa que fiz quando criança.
Aqueles covardes podem ficar parados, mas prefiro cuidar do meu “estímulo” a entregar cerveja. O Gonnem que se vire. De quebra, ainda dou alívio à minha mãe: ela é quem diz que minha vida não vale nem uma história.
– Kien, meu filho que trabalha por nada, já cansei de você… Pelo menos o imprestável do seu pai ganhava dinheiro.
“Então por que
você não ganha?”
Já consegui furtar essa armadura. Quando sentir fome ou sede... darei um jeito... sozinho... no Deserto de Gaunsht... Pelo menos sei que a levaram para o sul! Além disso, o Conselheiro pareceu ofender a ordem que defende: duvido que a “virada interessante” comporte o resgate da princesa, e por isto estou quase cruzando a fronteira deemaculana.
– Kien, espera!
Tyxana ofegava quando me alcançou, mas conseguiu dizer que não preciso ir. Como resposta, só levantei uma sobrancelha.
– Você deveria... Digo, poderia ficar aqui...
Franzi a sobrancelha. Percebi os olhos inchados e lacrimejantes. Aquele trabalho ainda iria matá-la.
– … com seu trabalho. Não é o melhor emprego do mundo, mas pelo menos estamos perto... de segurança e tranquilidade. Você sabe.
– Sei... sei sim – confirmei. – Mas não vivo tranquilo aqui.
Desviei o olhar para seus os cachos: separados pela orelha, caíam por cima bolsa.
“Me chama de elfo de novo, Kien, e não serei tão carinhosa assim.”
– Tenho uma promessa, Tyxana, e... estou indo em busca de paz.
– Desde quando se importa com a paz do Reino?
Sorri. Quem ganhar o coração de Tyxana não tem o direito de desperdiçá-lo.
Então meus passos me levaram a cruzar o portal. O que importa é a
minha paz.
E, como aprendi antes, o preço da paz é a guerra.
A guerra custa esperança.
E a esperança exige o sacrifício.
Conte um pouco da experiência que foi participar do concurso C&F vol.2:
Acho que foi legal porque me tirou do lugar comum. Ano passado me inscrevi em três editais de contos e, apesar de não ter sido aprovado em nenhum, ficou a experiência. Entre esses, o segundo volume do Curtos & Fantásticos foi o pontapé. Depois disso, conheci (e adorei) o Destruindo Inícios, e agora tenciono participar das metas de escrita no Diário.
Voltando ao concurso, senti uma certa ansiedade pelos selecionados. E (não sei como explicar) algo me dizia já que o texto não iria passar. Isso é irônico para mim, porque gostei do resultado final, mas sinto que falta algo e não encontro o quê.
Porém, de uma forma ou de outra, tive saldo positivo. Quando me perguntei sobre o que escreveria, desengavetei uma história arquivada há muito tempo, da qual não tinha nada mais do que traços genéricos e o nome do mundo: Chronishida.
Além de me tirar do lugar comum, o concurso ainda me obrigou a exercitar a concisão. Uma história em 1.000 palavras? Eu queria prolongar, e detalhar, e especificar o máximo possível! E as palavras pareciam as cabeças da Hidra: quanto mais cortava, mais nasciam no lugar.
Quando estava chegando o prazo final, quase enlouqueci achando que não conseguiria mandar. Seria mais um prazo perdido na minha vida de procrastinador. Porém deu certo o envio, e isso fez toda a diferença para mim.
Então sou grato pela oportunidade. Depois, se fosse possível, gostaria de entender o que faltou para desenvolver ou aprimorar. Quis contratar uma leitura crítica, mas me faltou o tempo e o dinheiro na ocasião. Também ainda não sei como conseguir leitores beta, além das opiniões informais da minha noiva. Também vejo isto como um próximo passo para aprender.
Obrigado a todos, e um abraço!