Guerras Táuricas: A Resistência

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Fënrir
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Guerras Táuricas: A Resistência

Mensagem por Fënrir » 16 Dez 2013, 10:00

Parte 1: O Manto e o Machado

Ylena amaldiçoava a si mesma enquanto corria. Depois de anos trabalhando como espiã, depois de ter escapado de tropas da Aliança Negra e de ter ajudado a derrotar Mestre Arsenal, estava prestes a ser presa por um bando de minotauros!

Ela estava em Malpetrim, aonde fizera contatos para a Imperatriz Shivara. Sua saída da cidade se daria por um complexo de túneis que os piratas usavam para transportar mercadorias ilegais, e que agora servem para trazer mantimentos para a cidade. Um grupo de leais aventureiros contratados para escoltá-la até Valkaria já estava a postos do lado de fora da cidade. Como sempre, ela variava a rota para não ser pega, mas desta vez tudo deu errado!

Os Minotauros surgiram como se tivessem saído de dentro da terra, dezenas deles. Alguém a havia vendido para o inimigo. Não tinha como voltar à cidade, e eles já estavam fora do alcance da artilharia de Malpetrim. Não haveria ajuda da cidade. Os aventureiros resistiram o suficiente para que ela pudesse fugir a cavalo, mas um Minotauro ainda conseguiu arremessar uma lança no lombo do animal. Por sorte ela não se feriu muito na queda, e como já estava a uma boa distância dos Legionários conseguiu entrar numa pequena mata. Agora ela corria no meio das árvores, desnorteada, enquanto os minotauros a farejavam.

“Droga!”, ela pensou, “Como eu pude ser tão descuidada a ponto de cair numa armadilha! Agora tenho que manter a calma e tentar voltar para Malpetrim com o que restou de minha auto-estima. Se eles me pegarem...”.

Isso não podia acontecer. Ela sabia que se tornaria uma escrava e seria obrigada a manter relações com um daqueles monstros com chifres de boi. Além disso, a frágil relação entre o Reinado e o Império de Tauron estaria em risco. Os minotauros sabiam que ela era uma agente de Deheon ajudando rebeldes. Eles não podiam provar, mas se colocassem as patas nela...

Ylena se camuflou nas sombras, era uma das melhores espiãs do Reinado, agora que eles a perderam de vista ela não seria pega, pelo menos foi o que ela pensou. Ylena caminhou silenciosamente, usando a perícia que acumulou durante os anos. Parou quando viu um grupo de Minotauros que adentrara a mata. “Mil vezes droga!”, ela pensou. Eles carregavam consigo uma espécie de cão com antenas. As tropas do Reinado o utilizavam para encontrar fugitivos, pois ele podia captar pessoas pelos seus pensamentos. Ninguém podia fugir daquilo. Ao que parece os Minotauros também descobriram a utilidade do bicho.

Ylena precisava se afastar antes que fosse tarde, mas quando este pensamento passou por sua mente as antenas da criatura se levantaram, e os minotauros começaram a correr em sua direção. Ela compreendeu que o momento de ser discreta havia passado. Ela precisava correr!

O suor corria em bicas de sua fronte, quando ela saiu novamente da mata e entrou numa grande clareira. Ela podia sentir os tremores que as patas dos Legionários de Tapista causavam quando tocavam o chão.

De repente, um vento forte quase a derrubou, mas ela continuou a correr até entrar novamente nas árvores mais à frente. Ela ouviu o barulho de metal sendo amassados e gritos táuricos, mas continuou a correr até que um clarão enorme iluminou a noite. Foi quando a curiosidade a fez parar e olhar para trás.

Ela olhou para a clareira e viu um horrendo dragão de escamas azuis devorar um minotauro, enquanto corpos carbonizados de outros, ainda em formação de combate, jaziam à frente do monstro. Ylena ainda estava impressionada com a cena, quando sentiu uma mão forte segurar seu braço e erguê-la como se fosse uma pluma. Uma voz rouca feriu seus ouvidos com a palavra que ela mais temia naquele momento:

- PEGUEI!

O bafo quente e fedorento do minotauro chegou até o rosto delicado da espiã, pouco antes de um grande espirro de sangue.

- Lamento, Legionário, mas essa gracinha é minha!

O monstro urrou de dor, mas a lâmina do machado que havia lhe decepado o braço não cessou até atingir-lhe o pescoço, silenciando-o para sempre. Antes de finalmente sucumbir, o Legionário ainda ouviu:

- Você não foi um adversário digno. É um fraco. Tauron deve ter vergonha de você...

Ylena ainda estava atordoada com a rápida sucessão de eventos. Ela respirou fundo e fixou os olhos na mulher que estava parada à sua frente, portando o machado que salvou-lhe de uma vida de escravidão. Alguns segundos se passaram antes que ela pudesse reconhecer Kelandra Elmhearth, Clériga de Keenn, ex-Conselheira de Guerra de Deheon, ex-braço direito de Mestre Arsenal.

- Oi, Ylena. Há quanto tempo? Você continua bela.

Ylena se levantou, a adrenalina fazia suas pernas tremerem. Atrás de Kelandra, na clareira, o dragão ainda dava combate ao resto da unidade de minotauros. A bela Clériga da Guerra dirigiu à espiã uma expressão zombeteira. Seus cabelos vastos e ruivos lhe davam um ar selvagem, assim como o corpo forte e sensual, coberto por cicatrizes e tatuagens tribais de um azul do mesmo tom que as escamas de seu dragão. Os olhos azuis denotavam falsa tranqüilidade.

- Oi, Kelandra. – Ylena lembrou-se de quando conheceu Kelandra. À época ambas serviam a corte de Deheon. Ainda estava incerta se não era melhor ser prisioneira dos minotauros... – Eu poderia ter cuidado deles sozinha.

- Hahaha! É claro, mas estava na hora do lanche de Rhaokanarllion. Ele adora carne de boi. Como nós somos conhecidas de velhos tempos, espero que você não se importe de me acompanhar para um chá. Temos que colocar as fofocas em dia.

Um frio percorreu a espinha de Ylena, mas ela ainda manteve a calma.

- No meu castelo ou no seu? – a espiã tentava esconder o nervosismo com o mesmo cinismo da clériga.

- Que tal no meu dragão?

Kelandra retirou um pedaço de pano das próprias vestes e se aproximou de Ylena. Apenas alguns míseros centímetros separavam os dois belos corpos femininos. Ambas eram ruivas, mas bem diferentes. Ylena tinha cabelos lisos e curtos, cortados de forma prática. A roupa era de fino acabamento, preta, discreta e bem colada ao corpo esguio para não atrapalhar os movimentos. A única vaidade feminina era o generoso decote, que lhe servia como “argumento” em muitas negociações. Apesar de ser uma aventureira experiente, ainda mantinha a pele sedosa e a elegância de menina da corte.

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Kelandra, por outro lado, tinha o corpo coberto por músculos bem definidos, embora indiscutivelmente femininos. Os cabelos vermelhos eram cacheados e formavam uma juba revolta. Um manto de pele de urso cobria seu ombro, placas e cotas de malha protegiam lugares estratégicos. Nada nela era discreto, nem a atitude, de mulher guerreira que cresceu entre bárbaros saqueadores.

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A Clériga da Guerra usou o trapo para limpar o sangue de minotauro no rosto delicado da espiã, que não ousou se mover. Desceu a mão pelo pescoço, seguindo os rastros dos respingos, e suspirou quando chegou aos seios volumosos de Ylena.

- Sabe, Ylena, os povos bárbaros das Montanhas Sanguinárias apreciam muito as ruivas, como nós. – Kelandra se aproximou ainda mais, encostando os seios no corpo de Ylena, pressionando-a contra um tronco de árvore – Eles dizem que nós fomos abençoadas no nascimento pelo deus da guerra, criadas para parir guerreiros poderosos. Certa vez um Rei Bárbaro me ofereceu 20 rubis para que eu me deitasse com ele e lhe desse um filho. Imagine o que ele pagaria por duas de nós... Nós não tivemos filhos, mas ainda assim Keenn está orgulhoso nós, pois nós o servimos muito bem.

Ylena não sabia o que pensar das intenções de Kelandra. Se ela quisesse vingança pela derrota de Arsenal, teria apenas a enfrentado em um combate. É o modo dos soldados de Keenn. Fugir não seria difícil, afinal de contas ela era uma espiã, mas Shivara certamente gostaria de saber dos planos da mais poderosa e famosa Clériga de Keenn, agora que Arsenal estava morto.

- Kelandra, eu não sirvo Keenn. Eu o desprezo.

Kelandra não se importou com o comentário. Parecia entretida em limpar os seios de Ylena, embora já não houvesse uma gota de sangue na pele branca.

- Serve sim, Ylena. – disse Kelandra, fria. – Keenn tem muitos caminhos. A Guerra não é apenas o momento da batalha, ainda que a maioria dos clérigos preguem isso. Como dizia Mestre Arsenal, “A política é uma continuação da Guerra por outros meios”. A espionagem, as redes de informações, a economia, também são instrumentos para a Guerra. Podem ser armas mais poderosas que qualquer espada. Este é seu campo de batalha, Ylena, e você é uma das melhores no ramo. É por isso que eu estou aqui.

Ylena ainda não entendia aonde a Clériga queria chegar.

- Seja direta, Kelandra. Nós somos inimigas. O que você quer de mim?

- Ora, ora. Porque a pressa? – as mãos de Kelandra se moveram dos seios para a cintura de Ylena – É uma noite tão agradável, você já viu a lua? Tenebra deve estar inspirada hoje...

Os lábios cerrados de Ylena eram como um castelo de portões fechados, repleto de riquezas aguardando para serem saqueadas. Como se esperaria de uma Clériga de Keenn, Kelandra resolveu tomá-lo. Colou seus lábios aos de Ylena, que resistiu, mas, como um poderoso aríete se chocando contra um portão frágil, a língua de Kelandra penetrou a boca da espiã. As duas mulheres se beijaram de forma ardente. Ylena abraçou a cintura de Kelandra com o braço esquerdo, e puxou o corpo de encontro ao seu. Elas agora estavam intimamente abraçadas, e a Clériga de Keenn sentiu o calor da espiã aquecer seu corpo, até que a ponta fria da adaga que Ylena havia furtivamente retirado de um compartimento secreto de sua roupa encostou-se à pele macia de suas costas.

- Desculpe se eu não estou romântica hoje, querida, mas agora sou eu quem dá as ordens. – os olhos de Ylena procuraram os de Kelandra, tentando denotar coragem – Me diga o que você quer, ou eu enfiarei vinte centímetros de aço nas suas entranhas! Eu conheço os pontos fracos do ser humano, te garanto que você nunca mais vai andar!

- Uh!! 20 centímetros?! Uma vez eu conheci um bárbaro...

- CHEGA KELANDRA! ME DIGA AGORA O QUE VOCÊ QUER!

Os olhos das duas mulheres se cruzaram. Duas imensidões azuis, e ambas repletas de fúria. Kelandra parou de acariciar o quadril de Ylena, e em um movimento rápido desarmou a espiã. Seu ar zombeteiro deu lugar a uma expressão séria, e ela deu as costas a Ylena.

- Muito bem, vamos aos negócios. Nós duas já fomos inimigas, Ylena, não somos mais. Arsenal está morto, derrotado, é passado. Eu sou uma Clériga de Keenn, meu coração bate pela Guerra. O seu também, embora você não admita. Eu busco as maiores batalhas, e o maior inimigo agora é o Império de Tauron. Além disso, antes de ser clériga eu sou uma mulher, e não quero ser concubina de homem nenhum, que dirá de um que tenha chifres! Estou organizando um movimento de resistência contra Tapista. Pouco me importa se seu Rei Thormy tenha dado o oeste do Reinado e a esposa para os minotauros! Eu vou lutar, e você também! Ou eu estou errada?

Kelandra se voltou novamente na direção de Ylena, e ambas se encararam por alguns instantes. Talvez pela primeira vez, a espiã leu sinceridade pura e honesta na face da clériga.

- Certo. Então você quer se tornar uma rebelde e quer minha ajuda?

- Não! Eu não sou uma guerrilheira, sou uma guerreira, mas vivi muito tempo com um bando de saqueadores fugindo das autoridades em Deheon. Sei como é viver sob as garras de um poder quase onipresente. O que eu quero é derrubar o Império de Tauron a golpes de machado e para isso eu preciso organizar um exército debaixo dos chifres desses malditos. Transformarei os escravos de Tauron em soldados de Keenn. – a clériga se aproximou novamente de Ylena. – Quero que você leve uma mensagem à sua bela e loira Imperatriz: me dê apoio, e eu lhes devolverei tudo que Tapista tomou.

- E o que seria “apoio”, Kelandra? – questionou a espiã, os olhos fixos na face da clériga, tentando sentir suas motivações.

- Quero que vocês me dêem passe livre para transitar no Reinado. Revoguem o mandado de prisão contra mim. Preciso comprar armas em Zhakarov, cavalos em Namalkah, comida em Sambúrdia.

Ylena riu, sua face expressava incredulidade diante da proposta absurda de Kelandra.

- Você se aliou ao maior inimigo do Reinado, traiu a confiança do Imperador, marchou com um exército de monstros e um colosso de ferro pelos reinos, destruindo tudo em seu caminho, e quer perdão?

Os músculos da face de Kelandra se contraíram numa expressão demoníaca ante a menção da palavra “perdão”, e ela vociferou:

- EU NÃO QUERO PERDÃO! FARIA TUDO O QUE FIZ NOVAMENTE! – a Clériga fez uma pausa para retomar o autocontrole – Só que, como eu disse, isso é passado. Agora nós temos um inimigo em comum. Além do mais, minha traição não foi maior do que a de Thormy, que fugiu à luta quando era necessário.

- ELE SE SACRIFICOU E SALVOU METADE DO REINADO! – agora foi a espiã que se enfureceu.

- Bobagem, Ylena! Nem você acredita nisso! – os olhos de Kelandra duelaram com os de Ylena, até que esta recuou – Leve minha mensagem. – Kelandra se aproximou da espiã, segurou delicadamente sua mão e lhe devolveu a adaga – Há um grupo de soldados de Keenn na estrada noroeste, eles a levarão a salvo até o Reinado. Eu estarei em Vectora dentro de 3 semanas, me encontre lá e leve a resposta de sua Imperatriz.

Ylena se afastou rumo à estrada, sob os olhares cobiçosos de Kelandra. A clériga observou até que a espiã sumiu entre as árvores, e caminhou até o dragão que a aguardava na clareira. Ao se aproximar, uma silhueta feminina saiu do meio das sombras e indagou:

- E então, o que ela disse? Izzy ficará furiosa se não der certo...

Kelandra observou a mulher antes de responder:

- Calma, Rhana. Tudo em seu tempo. Shivara nos apoiará, e você terá papai e mamãe de volta. Se continuar se comportando, pode até ser minha princesa quando eu reinar sobre Arton...

- Ela vai acreditar que você usará seu passe livre apenas para comprar mantimentos para a rebelião?

- Talvez não. Mas ela vai pagar para ver.

Kelandra acariciou Rhaokanarllion, que se curvou submisso para lhe servir de montaria.

- Vamos, Rhana, você primeiro.

As duas improváveis aliadas alçaram vôo no dorso do dragão, rumo a um futuro incerto.
Editado pela última vez por Fënrir em 16 Dez 2013, 10:07, em um total de 1 vez.
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Re: Guerras Táuricas: A Resistência

Mensagem por Fënrir » 16 Dez 2013, 10:00

Resistência – Parte 2: A Lua e a Estrela

Azgher a pouco terminara a primeira parte de seu trajeto diário sobre os céus de Valkaria, a cidade sob a Deusa. Naquela hora daquela estação seu brilho só não era tão intenso quanto o calor que emanava. Apenas o vento noroeste, vindo das gélidas Montanhas Uivantes, tornava suportável a tarefa da mulher que vestia um manto cinza e se misturava à multidão agitada que lotava a imensa Arena Imperial. As crianças ricas, filhas da nobreza ou da alta burguesia, riam enquanto se lambuzavam com gorad, para desespero dos pais. Os pobres filhos da plebe, por sua vez, se divertiam muito mais, pois corriam livres dos luxuosos trajes nobres e da etiqueta palaciana, brincando com espadas de madeira e sonhando em se tornarem grandes aventureiros. Casais jovens e apaixonados buscavam os cantos discretos, mais interessados nos prazeres das primeiras paixões do que nos combates. No extremo oposto estavam aqueles que sucumbiram ao vício das apostas, e que procuravam as bancas de jogos clandestinos com olhos desconfiados, evitando a Milícia. A tudo isso se somavam os bêbados, atraídos pelo simples barulho da cidade, como zumbis que tivessem sentido cheiro de carne viva. A visão de tamanho caos talvez não fosse tão impressionante se todos aqueles indivíduos pertencessem à mesma raça. No entanto, aquela era a Arena Imperial de Valkaria, havia membros das mais variadas raças: elfos, anões, minotauros, goblins e humanos, além das diversas combinações entre estes, e mais.

Apesar de toda balbúrdia, e de não ter visitado a cidade nos últimos anos, a mulher de manto cinza ainda temia ser reconhecida. A vida de fugitiva a tornara habilidosa em se esgueirar desapercebida, mas, naquele momento, certo nervosismo que a fazia puxar involuntariamente o capuz para ocultar o rosto a teria denunciado, se todos os presentes não tivessem sua atenção voltada para a Estrela.

Loriane, a meio-elfa mais famosa da cidade, acabara de adentrar a Arena, que agora parecia uma antiga cidade élfica, graças às altas e belas torres, mescladas às árvores projetadas por magia de ilusão. Como se a beleza da Estrela não fosse suficientemente impressionante, realçada pela armadura forjada em ouro e jóias, ela cavalgava um mítico unicórnio. A criatura lendária só se permitia ser tocada por uma fêmea donzela, o que atestava a pureza de Loriane, e elevava a excitação da platéia a índices épicos.

Depois que a bela meio-elfa circundou a Arena, cumprimentando a torcida eufórica que lhe jogava flores e promessas de amor e riquezas, o portão se abriu novamente. Cinco meio-orc’s, maquiados para parecerem seus parentes mais selvagens, cruzaram o pórtico e avançaram em carga na direção da Estrela. Aquela era uma encenação da Queda de Lenórien, com a diferença que ali Lenórien não cairia.

O primeiro orc atacou com seu mangual as patas do unicórnio, que saltou graciosamente, se desviando. O segundo usava duas manoplas-espada e saltou furiosamente sobre a meio-elfa, que usou o tridente para desviar a trajetória do ofensor, fazendo-o cair longe de seu alvo, coberto de sangue falso. Obedecendo a um comando da dona o unicórnio se afastou dos outros três orc’s, e passou a circundá-los, diminuindo o raio da trajetória a cada volta, como se estivesse tangendo gado. Os três orc’s espremeram as costas umas contra as outras, numa manobra ensaiada para evitarem serem flanqueados. Neste momento Loriane atirou a rede de forma certeira, deixando os três oponentes no chão, imobilizados.

A multidão gritou em júbilo, e logo vieram outros gladiadores, mas todos sabiam que o verdadeiro espetáculo havia acabado.

A mulher de manto deixara escapar uma lágrima sob o capuz, relembrando os tempos em que assistia tais espetáculos acompanhada dos pais.

x—x—x—x

Horas antes...

Longe da Arena, na parte velha de Valkaria, uma mulher altiva caminhava decidida por entre os casebres. Embora sua missão fosse sigilosa, ela não se preocupava em não ser notada, pois seus passos eram largos e fortes. O machado às suas costas lhe dava toda segurança que ela eventualmente precisasse. De suas casas e às portas de tavernas, os humildes moradores a observavam de soslaio, às vezes comentando sobre a bela mulher, outra vezes se calando, temerosos. A mulher continuou resoluta rumo a seu objetivo, e adentrou uma ruela, que seria igual às outras, não fosse o silêncio pesado e a ausência dos curiosos habitantes. Por um momento ela parou e observou, indecisa, até que se dirigiu, novamente resoluta, à sólida e pequena porta de madeira de um dos casebres. Um sopro de vento matreiro levantou as folhas espalhadas pelo chão de terra batida, um átimo de segundo antes que a mulher tocasse a pequena aldrava. O barulho de metal rompeu o silêncio, apenas para torná-lo ainda mais incômodo no instante seguinte. A mulher aguardou, então tocou a aldrava pela segunda vez, novamente sem obter resposta. Deu dois passos para trás e ameaçou:

- ABRA IMEDIATAMENTE ESTA MALDITA PORTA OU EU VOU DERRUBÁ-LA A GOLPES DE MACHADO!

A porta não pareceu se intimidar, e o silêncio permaneceu. A mulher movia a mão em direção ao cabo do machado, quando ouviu o som metálico de um mecanismo de tranca, depois um segundo, um terceiro e finalmente um quarto clik, até que a porta se abriu, lentamente. A mulher observou o interior escuro e vazio da casa antes de adentrá-la, sem demonstrar qualquer receio.

A porta se fechou assim que a mulher cruzou a soleira, e a escuridão preencheu o ambiente por alguns instantes, até que a luz de vários candelabros iluminou o salão, revelando o interior amplo e luxuoso que não condizia com a fachada discreta do casebre no bairro pobre de Valkaria. A mulher comentou, entediada:

- Vocês magos são todos iguais... – ela circulou pela sala, como se a inspecionasse, e continuou – Você não virá me receber? Esperava mais hospitalidade da famosa Raven Blackmoon.

Ante à menção do nome, um vento forte percorreu o cômodo sem janelas, e a mulher sentiu sua pele ser tocada por milhares de pequenas agulhas, que não lhe feriram. Em seguida ela ouviu o som agudo de saltos femininos tocando o chão de madeira, e voltou seus olhos para o alto da escadaria que havia no fundo do salão. Raven Blackmoon descia as escadas, um vestido longo e negro cobria seu corpo, e eventualmente revelava a pele branca e delicada das pernas longas, através de uma enorme fenda lateral. Ela caminhou lentamente na direção da intrusa, os olhos faiscando como o brilho das jóias que usava, e disse:

- Muito prazer, Kelandra Elmhearth. O que a traz à minha modesta residência?

x—x—x—x

Loriane chegava à sua luxuosa residência na vila élfica de Valkaria, depois de mais uma apresentação de sucesso. Ela sempre se sentia triste e vazia depois que os aplausos cessavam, ansiosa por ter novamente algo que se tornou para ela tão importante quando o ar, a água e o alimento.

O sobrado, erguido nos moldes da arquitetura élfica, estava repleto de relíquias de Lenórien, destino principal das vastas somas de dinheiro que ela acumulara depois de anos sendo “A Estrela” de Valkaria. Era outro vício, ela se tornara uma contumaz compradora de obra de arte élfica, especialmente itens mágicos. Embora nunca tivesse visto Lenórien, às vezes sonhava com a cidade élfica, e acordava desejando ter crescido ali e não entre estrume malcheiroso e soldados que valiam menos que os dejetos de seus cavalos.

No entanto, naquele momento ela só desejava descansar em silêncio, e, portanto, dispensou seus diversos criados, pensando em repousar numa banheira de espuma. Sentou-se na cama macia de seu quarto e apreciou a vista do bosque, reduto dos devotos de Alihana na capital do Reinado, enquanto se despia. Já havia tirado as botas quando ouviu uma voz:

- Adorei o espetáculo de hoje, Loriane.

A Estrela se levantou assustada e pegou o gládio que guardava sob a cama, apontando para a mulher de manto cinza, que só agora notara, sentada em um imenso baú no canto mais escuro de seu quarto.

- Quem é você? – disse, ameaçadora.

A mulher não pareceu se abalar, e respondeu calmamente.

- Eu sou... uma antiga fã. Espero não tê-la assustado, realmente não foi minha intenção. Eu só quero conversar com você.

Loriane não pareceu convencida, o gládio ameaçador apontava em direção à mulher:

- Poderia ter batido à porta, mas, uma vez que você já entrou, lamento lhe informar que não costumo receber fãs em meu quarto. – Loriane girou a lâmina em sua mão, denotando sua destreza – Saia agora, antes que eu lhe mostre que este gládio é mais afiado que aqueles da Arena.

A mulher de manto permaneceu impassível:

- Eu tenho uma proposta para você.

- Saia já daqui. – respondeu Loriane, decidida.

- Uma proposta que pode fazer você ser amada e admirada por todos os cidadãos livres de Arton.

- Saia já daqui! – a meio-elfa deu um passo ameaçador em direção à mulher.

- Uma proposta que pode elevar a moral dos elfos.

- SA-IA-JÁ-DA-QUI! – a face da Estrela se contorcia numa expressão de raiva, mas permanecia bela.

- Uma proposta que pode tirar da escravidão metade do continente.

- SAIA JÁ DAQUI!!! – Loriane estava a um passou de saltar sobre a mulher.

- Uma proposta que pode ajudar a reerguer Lenórien.

Silêncio.

Os olhos de Loriane expressavam dúvida. Sua mão já não segurava o gládio com a mesma firmeza de um instante antes. Um conflito se travou na mente dela, e a curiosidade venceu:

- Do que você está falando? – a voz ainda expressava receio.

A mulher de manto se permitiu um leve sorriso sob a proteção do capuz, antes de continuar.

- Eu represento a Resistência à opressão, à escravidão, ao medo. Minha voz é agora a Voz da Resistência ao Império Táurico, que mantém humanos e elfos escravizados e humilhados, que invadiu e saqueou a cidade que você ama. A cidade que lhe deu tudo que você tem. Eu sou a Voz da Resistência à crença em um deus que prega a submissão dos outros a ele, o Deus que mantém Glórien cativa.

Loriane, sem perceber, abaixou o braço que carregava o gládio.

- Com mil diabos, quem é você?

A mulher se levantou e caminhou em direção a varanda do quarto, sem ousar retirar o capuz. Ela observou um pássaro que cantarolava feliz enquanto saltava de um galho a outro.

- Eu sou uma das Líderes do movimento de resistência ao Império de Tauron. No entanto, quem eu sou não importa. – a mulher se voltou para Loriane, uma vez mais, mas o vento do destino a surpreendeu, revelando parte de seu rosto. Ela foi rápida em cobri-lo novamente, mas já era tarde.

Loriane ergueu o gládio novamente.

- Eu quero ver seu rosto! Retire o capuz para que eu possa vê-la.

A mulher tentou argumentar:

- Loriane, minha identidade é irrelevante...

- É uma ordem! Levante o capuz ou eu não ouvirei mais suas palavras.

- Tudo bem. – lentamente, a mulher retirou o capuz.

Loriane contemplou a bela face da mulher com expressão boquiaberta. Os olhos eram negros, assim como o cabelo liso. Ela ainda se lembrava daquela garota arrogante nas festas do Palácio Imperial, mas mesmo que não lembrasse não havia como se enganar. Tirando o nariz arrebitado com certo ar orgulhoso era a cópia da mãe, a Rainha Rhavana.

- Você?! É a Princesa Rhana...

x—x—x—x

Num casebre na parte velha de Valkaria...

Os olhos de Kelandra percorreram cobiçosos o corpo da maga, cujo vestido servia apenas para torná-la mais atraente. Ela então parou, como uma estrategista analisando um movimento das tropas inimigas, e lembrou que sedução e encantamento era o terreno da bruxa. Enveredar por ele poderia não terminar bem.

- Muito prazer, querida Raven. – Kelandra mal era capaz de esconder o próprio cinismo – Espero que você me perdoe por ter sido tão rude há pouco.

- Não se preocupe Kelandra. Os servos de Keenn não são conhecidos pela educação refinada. – um meio sorriso misterioso ocupava o rosto da elfa. – Espero que você saiba apreciar um chá... – disse, indicando educadamente uma pequena mesa redonda que não estava ali antes dela mostrar.

Kelandra cheirou o ar para sentir o aroma doce que emanava do bule.

- Uhm... O chá tamuriano é meu preferido... Infelizmente não tenho um paladar muito apurado, nem sempre é possível dispor dessas iguarias no meio do campo de batalha...

Raven dirigiu um sorriso compreensivo à Clériga.

- Compreendo... As artes Tamurianas exigem certa dedicação. Tomo chá todas as manhãs, mas devo dizer que sinto falta de companhia. – Raven se moveu e puxou a cadeira – Por favor, sente-se.

Kelandra sentou-se, enquanto a anfitriã lhe servia o chá, para logo em seguida se acomodar na outra cadeira. As duas observaram as cores do chá no interior da xícara, então sorveram o líquido e fecharam os olhos para melhor apreciar o sabor e aroma.

- Está ótimo – elogiou Kelandra.

- Sim... está ótimo – concordou Raven, sem falsa modéstia. – Agora podemos falar de negócios... O que você deseja de mim, serva de Keenn.

Kelandra repousou a xícara na mesa, e fitou corajosa os olhos enigmáticos da maga.

- Eu desejo algo que é seu, Maga. Faça seu preço, e eu pagarei.

Raven inclinou ligeiramente a cabeça, enquanto sua face transparecia falsa ingenuidade.

- Como você disse, Clériga, eu sou uma maga. Não sou uma mercadora. Nada do que eu possuo está à venda.

Kelandra devolveu o sorriso, trocando ingenuidade por cinismo escachado.

- Eu quero Loriane, a Estrela da Arena Imperial. Faça seu preço.

A maga mudou sua expressão para falsa curiosidade.

- Ora, o que a faz pensar que eu sou dona de uma gladiadora? Talvez você devesse procurar o empresário dela...

- Não me desrespeite subestimando meus conhecimentos, Maga, e eu não desrespeitarei você.

- Esta é minha casa, serva de Keenn. Vocês são desprovidos de etiqueta, não de sabedoria. Não me ameace.

Os olhos de Kelandra se tornaram vermelhos e ela levantou-se abruptamente da cadeira. Sua mão buscou o machado às costas e o sacou ao mesmo tempo em que desferia um golpe que partiria em duas a frágil maga, se não tivesse parado repentinamente a apenas alguns milímetros do alvo. Os olhos vermelhos de Kelandra observavam a estranha cena, sem compreender o que ocorria. Ela tentou se mover, mas uma força invisível a impediu, e depois a arremessou com força em direção à parede. O machado foi ao chão e ela sentiu novamente as agulhas lhe tocarem, desde vez causando grande dor.

- Que pena, Kelandra. Apreciaria sua companhia para um chá. Talvez até lhe convidasse para conhecer outros aposentos da casa... – Raven sorveu mais um gole do chá, e observou as cores que dançavam em sua xícara. – Loriane é mesmo minha. No entanto, ainda não estou disposta a vendê-la. – a Maga dirigiu um sorriso a Kelandra – Você estaria interessada em um aluguel?

A Maga se levantou e caminhou calmamente em direção à parede aonde Kelandra se contorcia.

- Chega Slinn.

Kelandra caiu, os olhos já eram humanos novamente. Ajoelhada aos pés da maga, ofegante, ela não tinha outra opção.

- Qual seu preço?

Raven tomou mais um gole do chá antes de responder.

- Quando tudo terminar, eu quero a Princesa. E Loriane deve permanecer pura. Nenhum homem deve tocá-la.

Kelandra reuniu o que restava de seu orgulho e dignidade e se levantou:

- Como você sabe sobre Rhana?

- Ora, eu sou uma Maga, com bola de cristal e tudo mais. Não devia me subestimar... – Raven não conseguiu conter um sorriso sarcástico.

Kelandra já não tinha mais o ar orgulhoso de minutos atrás.

- Preciso de Loriane em Tapista. Como farei para que ela não seja violentada por um minotauro?

- Não se preocupe. Há muito eu coloquei um encantamento sobre ela. Os homens a desejarão, mas não serão capazes de possuí-la. E se tentarem, desejarão mais ainda, até sucumbirem à loucura.

Kelandra respondeu, contrariada.

- Eu aceito. – a vitória tinha um sabor amargo para a serva de Keenn, naquele momento.

A Maga fez um gesto arcano com a mão e um pergaminho com uma pena surgiu no ar.

- Espero que você não se importe em assinar este pergaminho. Não duvido de sua palavra, afinal de contas somos duas damas, mas certas formalidades são necessárias...

x—x—x—x

Na casa de Loriane...

Os olhos da Estrela estavam fixos no rosto de Rhana.

- É mesmo você? Onde você esteve todos estes anos?

Rhana estava visivelmente constrangida.

- É uma longa história. Só posso dizer que não sou mais a garotinha que você conheceu no Palácio Imperial. Vivi uma vida dura nos últimos anos, e aprendi a ser humilde. Tudo que eu quero é tirar meus pais das mãos dos minotauros. E você pode ajudar. Pode ajudar todos aqueles que sofrem sob o julgo táurico.

- Eu? – Loriane pareceu confusa – Eu não tenho qualquer relação com o Império ou com uma Resistência a ele. Valkaria faz parte do Reinado, minha vida é aqui e o Império não me interessa. Eu sou apenas uma gladiadora.

Rhana lembrou-se da missão importante que realizava naquele momento, e recompôs-se. Voltou a caminhar pelo amplo quarto, e parou para admirar uma escultura de Glórien no alto de uma bancada.

- Não, Loriane, você não é apenas uma gladiadora. Você é uma Estrela. Simples gladiadores não vivem cercados de luxo. Hoje você é um instrumento para que os chefes da Guilda dos Gladiadores ganhem dinheiro. Hoje, você não é mais que uma prostituta exibindo sua beleza para uma multidão e lutando lutas compradas, como a desta tarde.

- É MENTIRA! – reagiu Loriane – Eu sou uma Guerreira de verdade. As lutas não são compradas, eu sempre exijo lutas reais.

Apesar da reação, a Estrela sabia que as palavras da Princesa eram verdadeiras. Ela se tornara dependente da adrenalina dos combates e do reconhecimento da torcida, mas com os anos a dose oferecida ali estava se tornando insuficiente. Ele lutara contra os combates comprados, mas sabia que fora derrotada.

- E você acha que os chefes corruptos da Guilda dos Gladiadores se importam com sua opinião? Eles precisam que você vença para atrair o público para que eles lucrem com as apostas. Até suas derrotas são falsas, criadas para atrair os inocentes espectadores para uma revanche, onde você certamente se superará. Você não é burra, e certamente não acredita nas mentiras que criam em torno de você.

Os olhos de Loriane eram fúria novamente.

- Eu deveria enviar esta lâmina em seu pescoço, talvez assim você se convença de que eu sou uma Guerreira.

- Ah! Eu nunca disse que você não era uma Guerreira. Se não fosse, você não teria qualquer utilidade para a Resistência.

Loriane fez um esforço para se acalmar, e pareceu finalmente entender aonde Rhana queria chegar:

- Então você quer que eu lute ao lado da Resistência? Lamento, mas não tenho experiência em guerras, e não sei o que um soldado a mais poderia fazer frente ao poderio Táurico.

Rhana deu um sorriso debochado.

- Não, minha querida. Não queremos que você seja mais uma espada nas fileiras da Resistência.

- Então vá direto ao ponto.

- Os minotauros tem força, Loriane. No entanto, a real força deles não está nos músculos, mas em sua força interna, na crença fortemente enraizada de que eles são os mais fortes. Nós temos um enorme contingente de soldados, mas a força deles está latente, subjugada pela força dos Minotauros. Centenas de milhares de homens e mulheres escravizados e aprisionados, aguardando serem despertos para a luta. Nós precisamos provar para eles que é possível lutar. Nós precisamos de um exemplo. Nós precisamos de você.

Loriane estava pensativa.

- E o que vocês querem que eu faça?

- Nós queremos que você seja o que é: uma Estrela. Os minotauros são viciados em combates de gladiadores. Muitos apreciam mais as arenas do que seus haréns. Nós queremos que você lute na Arena de Tiberus, e derrote todos os gladiadores. Uma bela e aparentemente frágil elfa, virgem, que vai despertar o desejo daqueles malditos chifrudos, derrotando todos eles, um por um, humilhantemente, a vista de todos, escravos e cidadãos do Império. – o braço de Rhana levantou-se acompanhando sua empolgação, até que seu punho se fechou, de forma significativa – Você terá o desafio de sua vida, poderá se imortalizar como a maior gladiadora de todos os tempos e de toda Arton, lutará lutas verdadeiras, contra adversários reais. Poderá provar que é uma guerreira. Você não será apenas a estrela da arena. Será a Estrela da Esperança. A esperança de todos os milhões de artonianos ameaçados pela escravidão Táurica!

A mente de Loriane devaneava, ela seria capaz de tudo aquilo? Se ela pudesse...

- Você falou em reerguer Lenórien?

- Falei. O caminho para derrotar o Império de Tauron e reconstruir uma nação élfica é o mesmo: acender a luz da esperança. Se alguém relembrar aos elfos sua antiga força, talvez eles realmente a readquiram. Você pode fazer isso, Loriane.

- As coisas não são tão simples assim. Não basta eu querer. Meu empresário, Al...

- Este não é mais um problema... Infelizmente seu empresário foi preso há alguns minutos pela milícia da cidade. Parece que ele estava envolvido com o comércio de achbuld de Ahlen... Como nós imaginávamos que algo assim poderia acontecer – disse Rhana, sem tentar esconder a falsidade das palavras – Nós contratamos um Empresário em Tiberus, é um sátiro fiel à Resistência.

Loriane ficou estupefata com a revelação:

- Não é só isso... - a Estrela tentou continuar.

- A Lua não pode ofuscar uma Estrela para sempre, Loriane. Nós cuidamos deste problema também. O unicórnio é seu.

- Eu não sei...

- Talvez você queira dar uma olhada no conteúdo do baú. Ele vai ajudar os elfos a relembrarem seu poder.

Loriane não tinha palavras. Ela se aproximou do baú aonde a Princesa do Reinado estivera sentada. Um olhar de dúvida em direção a Rhana, que retribuiu com toda convicção que a Estrela precisava. Loriane abriu o baú.

- São relíquias de Lenórien, Loriane. – explicou Rhana – Segundo nossas informações, pertenceram a Lórien, Princesa Guerreira de Lenórien. - Rhana contemplou a expressão de incredulidade nos olhos de Loriane - Você já deve ter ouvido falar dela. É considerada a maior heroína da raça. Ouvi falar que é sua inspiração... A Resistência encontrou os itens em um esconderijo de Mestre Arsenal, depois de sua queda. São confeccionados em mitril: o bracelete de armadura, a cota de malha, as botas de vôo e velocidade, a tiara do carisma, o amuleto e os anéis dos reis élficos. O tridente foi encomendado por nós a um mago ferreiro de Zhakarov, e tem um encantamento especial contra minotauros. Nós estaremos com você quando enfrentá-los na Arena. Toda a Resistência, todos os escravos que sonham com Liberdade.

Não havia sequer um resquício de dúvida nos olhos de Loriane.

- Eu vou lutar! Eu vou vencer! Eu serei a ESTRELA DA ESPERANÇA!
Editado pela última vez por Fënrir em 16 Dez 2013, 10:11, em um total de 2 vezes.
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Re: Guerras Táuricas: A Resistência

Mensagem por Fënrir » 16 Dez 2013, 10:01

Resistência - Parte 3: a Princesa e a Pirata

Badsim emitia sonoras gargalhadas entre um gole e outro da imensa caneca repleta de grog. Estava completamente embriagado, mas não apenas pelo efeito do rum. Em sua perna estava sentada a rapariga mais bonita e gostosa que já pisou nas Ilhas Piratas, e ela era sua namorada! Ele mal podia acreditar em sua sorte! Como ele conseguiu encontrar aquela garota antes que ela caísse nas mãos de James K., seu maior ídolo, ou outro galanteador de Quelina?

Ele cantava em altos brados uma canção de pirata, junto com boa parte de sua tripulação, que se divertia na Estalagem Paixão de Orontes. Entre “Yo, yo, ho!”’s, e várias garrafas de rum, ele acariciava o bumbum arrebitado da moça e olhava seu rosto perfeito.

Os cabelos lisos e negros escorriam pelos ombros, os olhos faceiros eram de uma escuridão indecifrável. A pele era delicada, outrora branca, mas agora ligeiramente bronzeada pelo sol tropical da Cidade Pirata. A boca era carnuda e vermelha. O nariz! Ah, aquele nariz! Era delicado e empinado, dava a ela um ar de nobreza, superioridade arrogante, que a deixava ainda mais charmosa. Nenhuma mulher da Nereida se equiparava a ela, e Badsim havia conhecido todas desde que adentrara o seleto grupo de Conselheiros de Quelina, posto conseguido graças à ajuda de seu ídolo e amigo Jim K.. Julia, era esse o nome de sua namorada, parecia uma princesa. Badsim tinha certeza que nem a lendária beleza da filha do antigo Imperador-Rei de Deheon se equiparava à de sua amada.

O Capitão Pirata devaneava nesses pensamentos quando ouviu a voz de sereia de sua amada.

- Badsim... meu Amor? – Julia fitou com seus olhos misteriosos seu namorado

Badsim respondeu solícito, o hálito etílico ofendendo o nariz arrebitado de sua amada:

- Sim, minha Sereia? Diga o que, ric, você deseja e será seu! – Badsim não era capaz de conter os soluços de tão bêbado.

Julia agradeceu com um beijo apaixonado a oferta de Badsim, e disse:

- Meu querido, eu apenas preciso ir ao banheiro. Fique aqui e não vá embora sem mim. O tio Cornelius vai ficar bravo se você não me levar para casa. Você sabe que Quelina pode ser perigosa...

O pedido de Julia era totalmente desnecessário. Havia semanas que a tripulação de Badsim aguardava para zarpar, mas ele não parecia capaz de deixar para trás a mulher, que em poucas semanas se tornara a coisa mais importante de sua vida.

- Claro, minha Sereia... Você quer, ric, que eu vá com você? ric

A Sereia, quer dizer, Júlia, riu ante a proposta:

- Não precisa, meu docinho. Eu vou ficar bem. Aqui é a estalagem de Orontes, você esqueceu? Ninguém mexeria com a namorada do maior Capitão Pirata de Quelina dentro da casa de outro grande Capitão Pirata de Quelina, certo?

Badsim concordou, embora mal tivesse ouvido as palavras entre o som alto da música cantada por seus oficiais ali reunidos. Entendeu apenas que ele era o maior Capitão Pirata de Quelina e que ela era sua namorada.

Depois das palavras, Júlia se levantou e caminhou em direção ao banheiro. Fez uma pequena volta em seu trajeto para passar próxima à mesa aonde se sentavam quatro minotauros, oficiais de Malthus, outro membro do conselho de Quelina.

O maior dos minotauros era Nereu, primo e Imediato de Malthus. Tinha pelagem marrom escura e chifres negros, cor bastante incomum entre sua raça, e que era motivo de grande orgulho para o já orgulhoso minotauro. Havia semanas que Nereu observava a namorada de Badsim. Ela era simplesmente linda, e sempre lançava olhares lascivos para o Imediato quando ninguém podia vê-los. Desta vez não foi diferente, quando Júlia passou em frente ao minotauro, seu olhar se cruzou com os olhos bovinos, e desceu até entre as pernas do Imediato. Em seguida ela mordeu o canto inferior dos lábios carnudos e passou as mãos no cabelo. O Imediato entendeu perfeitamente o recado: só um jumento cego não entenderia! Nereu observou Badsim na mesa, escornado, completamente bêbado, e pensou “Este verme humano não merece essa mulher...”. Era a oportunidade que o minotauro esperava.

O Imediato virou o resto de rum que havia em seu copo, enquanto observou com o rabo do olho a namorada de Badsim entrar no banheiro. Certificou-se que ninguém no salão havia percebido as insinuações da moça, afinal de contas ele não queria confusão com um membro do conselho. Malthus cortaria seus bagos se soubesse do caso, mas a moça valia a pena. Ele então se levantou o mais discretamente possível e adentrou o banheiro.


A baba de Badsim, que dormitava em cima da mesa, começava a escorrer pelo canto da boca quando ele acordou sobressaltado.

- BADSIM!! SOCORRO!!! – os instintos de Pirata do Capitão o levantaram, pronto para o combate. Não havia dúvidas, era a voz de sua amada sereia clamando por socorro.

O Capitão atravessou as mesas cheias de bucaneiros com rapidez e agilidade improvável para seu estado de embriaguez, guiado por um sexto sentido em direção ao banheiro, onde ele vagamente lembrava que sua namorada dizia ter ido.

A tripulação do Alicorne tentou em vão acompanhar o ritmo de seu capitão, mas foi este quem, com um chute, derrubou a porta de madeira maciça do banheiro do Paixão de Orontes.

Quando viu sua amada com a roupa rasgada entre os braços fortes do minotauro, que tentava inutilmente tapar a boca da garota, Badsim teve um acesso de fúria. Embora não fosse mais necessário, a boca delicada de sua mulher ainda emitiu mais um grito de súplica:

- Amor! Socorro! Ele tentou me violentar! – os olhos da garota transpareciam terror diante da mera possibilidade.

Nereu tentou largar a garota e se defender, mas já era tarde. A espada de Badsim lhe atingiu a jugular com uma velocidade sobrenatural, depois seu joelho e ainda decepou a mão do minotauro. A fiel tripulação de Badsim se impressionou com a ferocidade de seu capitão, que não costumava ser cruel.

Os outros três minotauros, ao verem o corpo ensangüentado do Imediato em seu estertor de morte e os homens de Badsim em maior número, fugiram da morte certa. Badsim ergueu sua voz para ordenar a perseguição, mas a voz de Aniset, esposa do Capitão Orontes se fez presente:

- CHEGA! PAREM IMEDIATAMENTE OU VOCÊS SERÃO TODOS ENFORCADOS QUANDO ORONTES CHEGAR! – a ameaça intimidou a todos, que cessaram as hostilidades.

Aniset correu em direção à bela namorada de Badsim, que chorava encolhida no canto do banheiro. Com o instinto maternal que lhe era peculiar, ela tentou acalmar Júlia.

- Calma, querida, ninguém vai te machucar. Está tudo bem...

As palavras parecem ter tido efeito também sob o Capitão, que acordou do frenesi em que se encontrava, e tentou se explicar:

- Aniset... Ele tentou ferir Júlia. Tenho certeza que Orontes faria o mesmo se fosse com você. – a voz, a pouco poderosa, agora se assemelhava a de um garoto que confessara uma traquinagem para a mãe.

- Badsim, você é jovem demais... Vocês dois são... – respondeu Aniset, compreensiva. – Eu cuidarei da garota, mas vá embora daqui junto com seus homens. Eu não quero mais brigas. Malthus virá buscar o cadáver de seu Imediato, e é melhor você não esteja aqui.

Aniset mandou que os homens de Badsim se fossem. A mulher de Orontes era meiga e delicada, com ar maternal, mas o mesmo não podia ser dito do velho Orontes, um dos mais antigos Capitães de Quelina. O Anão era conhecido por ser especialmente cruel, até que, anos atrás, Aniset, uma ex-prostituta da Nereida Lasciva, conseguiu acalmar sua fúria. Apesar disso, seu passado era suficiente para suscitar medo e respeito nos corações covardes dos bucaneiros. Na sombra de seu marido, Aniset era uma das mais respeitadas personalidades de Quelina.


Apesar de tudo, o esforço de Aniset só foi capaz de mudar o palco da batalha. “Notícias ruins viajam em grifos”, e Malthus foi avisado da morte de seu Imediato pelos minotauros fujões. Como estes não sabiam de toda história, e como estavam ansiosos por se vingar da morte do amigo, não contaram a Malthus o motivo que levou Badsim a assassinar Nereu cruelmente. O Capitão Minotauro só sabia que precisava impor seu respeito na única linguagem que aqueles bucaneiros conheciam: a força.

Malthus reuniu rapidamente alguns dos seus e rumou para a estalagem “Paixão de Orontes”, onde esperava encontrar Badsim. No entanto os dois acabaram se encontrando antes...


A rua parecia pequena para tantos bucaneiros de Badsim e os enormes minotauros de Malthus.

- Ora, ora... Se não é o afilhado de James K. Não quer chamá-lo para te defender, mocinha?

Badsim, apesar de ser um corsário experiente, estava intimidado com o Capitão Minotauro, embora não deixasse transparecer.

- Eu sei me defender muito bem, Malthus. Vou enfiar esses seus chifres aonde o sol não bate! – Badsim cuspiu no chão após a bravata.

- Pode tentar, mas pelo que eu sei você só é capaz de apunhalar minotauros pelas costas! Não precisamos desses paspalhos, Badsim. Só eu e você vamos decidir este problema, sem armas... Se você tiver mesmo colhões... Hahaha! – o minotauro deu uma gargalhada. Sabia que Badsim não era páreo para ele e que não podia recusar o desafio na frente de seus homens.

- Pois que seja agora! – era o tolo falando.

Os homens fizeram um círculo e Badsim avançou sobre Malthus. O minotauro acertou-lhe um soco que o jogou ao chão, e avançou para terminar o combate, mas o humano virou-se e, ainda caído, acertou um chute no joelho do minotauro. Malthus se afastou, e Badsim teve tempo de levantar e golpeou o Capitão minotauro meia dúzia de vezes, mas mal arranhou a carcaça dura do outro bucaneiro. Malthus riu, e jogou o humano no chão uma vez mais com uma seqüência de socos. O Capitão Minotauro segurou Badsim pelo colarinho e desferiu uma série de potentes golpes com a mão direita. O Humano teria encontrado ali seu fim, se o som de uma bala que passou a milímetros do focinho do minotauro não tivesse calado a todos. Malthus olhou assustado para o lado, e viu James K. jogar no chão a pistola e desembainhar um sabre.

- Largue ele, Malthus. Já chega.

O minotauro soltou o colarinho de Badsim, que, desacordado, caiu com a delicadeza de um saco de batatas. Malthus se ergueu à frente do Capitão do Bravado.

- Ora, então você veio mesmo socorrer o garoto. – zombou o humanóide.

- O seu Imediato atacou a garota dele, Malthus. Foi uma morte justa. Aniset viu tudo.

A expressão de Malthus mudou drasticamente.

- Ah... Aniset. Então Nereu foi morto por mexer com uma prostituta? A Nereida está cheia delas, não é justificativa para matarem meu imediato!

Uma voz empolada interrompeu os dois.

- Permita-me corrigi-lo, Lord Malthus. A noiva de Lord Badsim é ninguém menos que minha digníssima sobrinha, Milady Julia Cornelius, descendente de uma distinta família de Tyrondir. – após fazer uma breve reflexão, continuou – Não que as garotas que Madame Moria não mereçam todo nosso respeito, assim como todas as prostitutas que exercem tão nobre profissão e que fazem nossa vida mais agradável e confortável...

Era J.B. Cornelius, um nobre de Tyrondir que viera parar em Quelina não se sabe como. A figura arredondada tinha uma pistola metida na cintura, que não seria sacada, uma vez que ele tinha uma garrafa de rum em cada mão. O “nobre” vestia-se com roupas luxuosas, que um dia foram consideradas elegantes.

Malthus se preparou para dizer algum impropério, mas James K. o interrompeu novamente:

- Seu Imediato ofendeu Badsim, e morreu. Se Badsim ofendeu você, a surra que tomou lavou sua honra. – Jim ergueu a espada e completou – Se você matar meu amigo, a minha honra deverá ser lavada também.

- Hahaha! – gargalhou Malthus – Nós somos amigos, James, não vamos brigar por tão pouco. – dirigiu-se então para seus bucaneiros – Seus patifes de merda, de volta para o Mirmillo! A diversão acabou!

James não parecia feliz, mas o final foi satisfatório para todos. Uma confusão envolvendo vários membros do Conselho de Quelina não era do interesse de ninguém...

x—x—x—x

Quando Orontes finalmente retornou a Quelina, não ficou nada satisfeito ao ouvir sobre a confusão em sua casa. Uma cidade pirata não era um lugar onde se esperava haver ordem, por isso mesmo o velho anão sabia que o dia em que deixassem de respeitá-lo e temê-lo seria o dia em que veria sua casa destruída, seus tesouros saqueados e sua mulher violentada. A mera possibilidade de qualquer desses acontecimentos era suficiente para eriçar todos os pelos de sua barba, portanto ele precisava tomar alguma atitude. Após ouvir de sua querida Aniset o relato dos acontecimentos, de como o minotauro atacou a namorada de Badsim, ele partiu rumo ao Castillo de Zabel, aonde encontraria o Capitão do Alicorne.


O Capitão humano estava acomodado na ampla cadeira de seu escritório, quando a chegada de Orontes foi anunciada. O Conselho de piratas que governava Quelina supostamente não tinha distinções entre os integrantes, mas a reputação de Orontes, James K. e Jade os colocavam acima de qualquer outro. Badsim sabia que devia respeito ao anão, e sabia que um confronto direto com ele terminaria na morte de seus homens.

- Seja bem vindo, Capitão Orontes. A que devo a honra de sua visita? – Badsim levantou-se solícito e puxou uma cadeira para o anão.

- Deixe de frescuras, Capitão. Você sabe muito bem por que eu estou aqui. Você matou o Imediato de Malthus dentro de minha casa. – Orontes notou o olho roxo e o dente quebrado de Badsim.

O jovem Capitão não conteve o nervosismo, e gaguejou enquanto respondia:

- Capitão, capitão, não foi minha intenção. O senhor sabe que eu sempre freqüento sua estalagem e nunca causei confusão.

O Anão se acomodou na cadeira e indicou a outra para que o humano fizesse o mesmo, como se fosse ele o visitante. O gaguejar de Badsim fê-lo pensar que aquele homem não teria matado outro em sua casa a não ser em uma situação extrema.

- Você nunca tinha causado problemas, eu bem sei. – Orontes cofiou a barba – mas era para continuar assim, Capitão.

- Capitão Orontes, o senhor ama sua mulher, a Senhora Aniset. Então me diga se não mataria um maldito que tentasse fazer mal a ela?

- Ora, bem... – Badsim não tinha experiência no duelo com palavras, mas foi capaz de transmitir ao outro Capitão seus sentimentos – eu arrancaria os bagos do maldito e faria com que ele os engolisse, antes de começar a torturá-lo... – Orontes interrompeu os próprios devaneios – Mas não era uma menina da Nereida? Não se mata um homem por causa de uma prostituta...

A comparação de sua amada a uma das meninas da Nereida encheu o humano de coragem.

- Capitão, minha noiva é sobrinha do senhor Cornelius, uma nobre da corte de Tyrondir. Mataria até o último homem de Quelina por ela!

Orontes viu o amor sincero e coragem tola nos olhos do rapaz, e reconheceu que era o mesmo sentimento que o ligava a Aniset. Deu por encerrada a conversa.

- Muito bem, garoto. Vejo que você não teve culpa pelo que ocorreu. Também aprendi uma lição: estou velho demais e preciso me aposentar para cuidar de minha Aniset. Esses malditos bucaneiros não respeitam nem a mulher de um capitão...


Orontes saiu do Castillo de Badsim e atravessou o curto espaço que o separava da Vila de Malthus. Os dois guardas o conduziram até a presença do Capitão do Mirmillo, que era servido por algumas elfas semi-nuas.

- Antes que comecemos a discutir pelo que houve em sua casa, Lord Orontes, antecipo meu pedido de desculpas. Infelizmente não tenho como controlar todos os meus homens. Com sua experiência com bucaneiros, o senhor vai me compreender. Por favor, sente-se – disse, indicando uma grande cadeira.

Orontes olhou para a enorme poltrona, provavelmente criada para minotauros, e imaginou o quão ridículo ficaria sentado nela. Preferiu ficar de pé.

- Bom dia, Malthus. – a voz do anão demonstrou que o pedido de desculpas não foi suficiente – Seu imediato provocou uma briga dentro de minha casa, e tudo que você tem a dizer é que lamenta? Nós somos piratas, mas nossa convivência aqui pressupõe respeito mútuo. Seu Imediato tentou violentar a mulher de um Capitão, de baixo das barbas dele. Imagino se não tentaria o mesmo com a minha mulher, estando eu no mar...

Os olhos do Capitão do Mirmillo se arregalaram:

- Isso nunca aconteceria, Orontes. Badsim é só um borra botas que vive à sombra de James K.. Ele não tem o mesmo respeito que você, nós dois bem sabemos...

Orontes mal esperou o minotauro terminar sua fala.

- Se Badsim vive sob a proteção de Jim, então foram dois os Capitães ofendidos. Comigo, são três.

O semblante de Malthus se fechou. Ele não esperava que aquela briga tomasse aquelas proporções.

- Lord Orontes – o minotauro fitou o anão. Mesmo em pé ele não alcançava a altura de Malthus sentado – Nereus estava embriagado, talvez ele nem soubesse que a rapariga era namorada de Badsim.

- Então você admite que seu Imediato errou? – retorquiu o anão, ligeiro.

- É claro, Lord Orontes! Ele provocou uma briga em sua casa.

- Então porque, ao invés de se desculpar com Badsim, você o espancou em frente à sua tripulação? Seus bucaneiros tiveram a impressão que podem mexer com as mulheres de um capitão, dentro da casa de outro, e que ainda assim você os defenderia.

Malthus começava a ficar preocupado com o rumo da conversa.

- Orontes, eu não sabia de toda a história quando encontrei Badsim, ou teria mandado chicotear o cadáver de Nereu! Como disse antes, não há como controlar esses malditos bucaneiros!

Orontes olhou sério o minotauro. Depois de cofiar a barba cheia de pequenas tranças, sentenciou.

- O senhor é um bom homem, Capitão. Vejo que você cometeu um erro de julgamento, e está arrependido. Nós, Conselheiros de Quelina, temos que permanecer unidos. Portanto, na próxima reunião do Conselho o senhor se desculpará com Badsim, e os dois farão as pazes – Malthus tentou interromper, mas o olhar de Orontes o fez manter-se calado – Como o senhor disse que não tem como controlar seus homens, de agora em diante minotauros estão proibidos de entrar no Paixão de Orontes, pois o lugar para baderneiros é o Roger Festivo. É lógico, o senhor é exceção, será sempre bem vindo em minha casa.

Orontes girou nos calcanhares, deixando para trás um Malthus bastante preocupado.

x—x—x—x

Semanas depois...

O escudo de Lena dominava os céus de Tenebra, mas na terra apenas um pequeno pedaço do surrado manto cinza podia ser visto, se deslocando entre as estatuas no pátio da vila de Malthus. A figura parou próxima a dois bucaneiros minotauros que estavam de guarda, e desapareceu completamente após tocar um belo anel que estava em sua mão esquerda. Dessa forma passou completamente insuspeita pelos guardas, e adentrou o local. Aqui e ali encontrou minotauros dormindo ou se divertindo com as fêmeas, ou com jogos de dados e cartas, desocupações mais comuns em Quelina.

Depois de atravessar os alojamentos dos tripulantes, ela estava na grande casa de Malthus, repleta dos mais diversos tesouros saqueados em todo mar negro. Seria a maior felicidade para qualquer ladino comum, mas Rhana estava em busca de outros objetivos. Andou pelos amplos salões até encontrar o quarto do minotauro, que estava totalmente adormecido entre os corpos nús de cinco belas garotas elfas, embalado pelo conteúdo de várias garrafas de rum espalhadas aqui e ali. A Princesa suspirou, tensa. A parte mais fácil de sua jornada acabara. Ela desativou o poder do anel e caminhou até uma das garotas, e a sacudiu, ao mesmo tempo firme e discretamente. A elfa arregalou os olhos azuis, mas Rhana já tinha tampado sua boca com a mão. No idioma élfico, ela disse:

- Vamos fugir, eu vou tirar você daqui...

A garota, tomada pelo medo da punição pela fuga, relutou em sair, mas Rhana foi firme e ela se convenceu de que seria salva. Havia muito tempo que não ouvia sequer uma palavra no idioma de sua raça, quase esquecera de que era tão belo, especialmente o som da palavra “liberdade”.

Rhana acordou outras duas garotas, mas achou sábio desistir das duas que estavam entre os braços do Capitão Minotauro. As quatro se moveram discretamente entre as salões da casa, e Rhana explicou que havia um navio no porto esperando por elas “Se algo de ruim acontecer, corram em direção aos mastros no cais”. As três meninas tentaram conseguir roupas, mas a humana explicou que não havia tempo para “detalhes”.

Quando chegaram próximo aos bucaneiros do Mirmillo, Rhana tirou uma varinha das vestes e explicou que a magia as tornaria invisíveis. As garotas sorriram satisfeitas ao perceberem que seriam mesmo salvas. Elas se deram as mãos, e Rhana atravessou os salões novamente, desta vez fazendo um caminho mais curto e evitando as salas com minotauros. A natural sutileza das elfas fez o restante do trabalho.

Quando elas já estavam fora da vila de Malthus, apenas no campo de visão dos últimos dois guardas, Rhana soltou a mão das três, e gritou:

- CORRAM! PARA LÁ! NA DIREÇÃO DOS MASTROS!

A Princesa então cancelou o efeito da magia da varinha sobre as garotas, e os dois guardas de Malthus puderam enfim ver as três elfas nuas correndo em direção ao porto. “Desculpem, garotas, mas é por um bem maior...”, pensou a Princesa.

Enquanto o primeiro guarda soava o alarme, o outro partiu em disparada atrás das elfas. Outros guardas se juntaram à corrida, ainda confusos.

A cena era inusitada: três elfas nuas sendo perseguidas por um barulhento rebanho de minotauros. J.B. Cornelius foi o primeiro a ouvir o barulho, e assistiu tudo da sacada de sua casa. Ele viu a tropa passar em frente ao Castillo de Zabel, que agora pertencia a Badsim. Por sorte o Capitão Humano, aconselhado por James K., finalmente havia partido para o mar, esperando que a situação com Malthus se esfriasse. Portanto, nem ele nem seus homens estavam ali, ou os guardas de Malthus teriam encontrado seu fim.

Rhana correu para a casa de seu “tio”, antes que ele percebesse sua ausência, ainda protegida pelo efeito da magia do anel.

As garotas ainda conseguiram correr até a porta da Nereida Lasciva, que àquela hora funcionava a pleno vapor. Os piratas que deixavam ali seu soldo de todo mês pareciam não acreditar quando viram as três jovens beldades correrem nuas em sua direção. Diante da balbúrdia que se formou à porta de seu estabelecimento, Madame Moria, acompanhada de suas filhas, Caríbdis e Scilla, veio ver o que se passava.

Era notória a desavença entre a cafetina e Malthus, embora eles negociassem freqüentemente. Ao ver os minotauros em disparada atrás da elfas, a velha prostituta percebeu o que ocorria, pelo menos o mais óbvio. Nunca perderia uma oportunidade de afrontar seu desafeto.

Vestida em seus “castos” e luxuosos trajes, Madame Moria caminhou, com a elegância que a vida e a profissão lhe ensinaram, até as três elfas, que a este momento estavam caídas no chão, exaustas pela corrida e desesperadas, pois sabiam que Malthus não perdoava tentativas de fuga. Ela abriu um sorriso maternal e se ajoelhou junto às garotas:

- Oi, minhas queridinhas! – o sorriso sedutor tomou a face maquiada da velha – Vocês são tão lindinhas! Cute, cute – ela apertou a bochecha de uma das garotas – Não se preocupem, a Mamãe Moria vai cuidar de vocês, vocês serão as mais novas atrações da Nereida... Aquele monstro chifrudo nunca mais vai tocar em vocês.

As garotas observaram a venerável senhora com admiração e dúvida, e se agarraram aos pés dela quando finalmente os guardas de Malthus chegaram. Aquele que parecia ser o líder deles agarrou a perna de uma das elfas, e levou um golpe certeiro do leque de Caríbdis no focinho. A experiente jovem falou ao minotauro, com ar de intimidade, enquanto enrolava um dos cachos de seu cabelo loiro:

- Rufus, meu queridinho, quantas vezes preciso te dizer que não é assim que se trata uma garota? – o minotauro se afastou por um instante, e, após considerar a observação com certo constrangimento diante da platéia, retrucou.

- Não estamos de brincadeira, Caríbdis. Essas são as garotas do Capitão. É melhor vocês não criarem problemas.

Foi Scilla quem respondeu à ameaça:

- Acho melhor você não criar problemas, garotão. A não ser que você queira ter a mesma lição que seu amigo que estapeou uma de nossas garotas... – a filha morena de Madame Moria não conteve o riso sarcástico – Soube que ele viajou até Wynnla para procurar um mago que o faça funcionar novamente, é verdade?

A cara bovina de Rufus chegou o mais próximo possível de uma feição de preocupação. Ele ainda maquinava uma resposta, considerando seriamente ficar calado, quando ouviu a voz potente de Malthus:

- Afastem-se, seus pulguentos malditos! Onde estão as fujonas?

Todos se voltaram para o Capitão, que abria caminho com seu corpo massivo por entre a multidão que se formara. Quando finalmente chegou ao centro do problema e viu Madame Moria, suas narinas pareceram soltar fumaça.

- O que você está fazendo com minhas garotas, sua velha safada?

Madame Moria balançou os enormes seios diante da provocação, e se abanou com o leque, sem se abalar:

- Suas garotas, Malthus? Onde você as adquiriu? Não estamos em Tapista...

O minotauro percebeu que a velha o havia colocado numa situação delicada. Quelina não admitia escravidão, qualquer escravo que colocasse os pés na cidade Pirata estava imediatamente liberto. Ele mesmo tentou reverter essa situação inúmeras vezes perante o conselho, mas não teve o apoio de nenhum outro capitão. Se ela demonstrasse que as garotas eram escravas ele teria que desistir delas. Diante daquela multidão, ele não poderia simplesmente usar a força. No entanto, havia uma saída. Malthus não era um novato naquele jogo de intrigas.

- As garotas são minhas prisioneiras, não escravas. A família delas em Valkaria vai me pagar uma recompensa tão gorda quanto esses seus peitos postiços!

Madame Moria sabia tão bem quanto Malthus que prisioneiros eram admitidos em Quelina. Muitos Capitães tinham o seqüestro como fonte de renda.

- Não é o que parece, seu porco de chifres. Ouvi muito bem quando Rufus disse que elas eram suas garotas. Suas concubinas seria o mais correto, não?

- Isso não é da sua conta! Devolva minhas prisioneiras ou o Conselho te expulsará da ilha por desrespeitar a autoridade de um de seus membros!

Madame Moria chegara aonde queria:

- Então, Malthus, vamos deixar que o Conselho decida isso.

O Capitão do Mirmillo não queria se desgastar perante o Conselho. Sabia que mesmo que provasse que as garotas eram prisioneiras reforçaria a posição contrária à escravidão em Quelina.

- Chega, sua bruxa. Não tenho que tolerar suas opiniões – respondeu Malthus. Virou-se então para seus guardas – Seus pulhas! Arrastem essas três vagabundas para minha vila. Agora!

Rufus, o chefe dos guardas preferiu permanecer onde estava. Era melhor ser açoitado pelo Capitão do que ser vítima da vingança das prostitutas. Os outros, no entanto, avançaram, mas Caríbdis e Scilla se colocaram à frente das elfas. Com a voz melosa, como aprenderam com a mãe, as duas falaram à multidão de piratas que assistia ao épico embate entre o Capitão e a Cafetina:

- Será que não há nenhum bucaneiro honesto capaz de defender a honra das pobres donzelas? – era Scilla.

- Tenho certeza que este bucaneiro honesto teria a eterna gratidão lasciva das meninas lascivas da Nereida. – completou Caríbdis.

Quando ouviram o som dos sabres serem desembainhados e de armas saindo de coldres, os minotauros pararam, como se esperassem por uma nova ordem de Malthus.

Apesar da ameaça, o Capitão Minotauro não estava disposto a ceder suas escravas. No entanto, antes dele manobrar o leme de sua embarcação que fazia água, uma voz se destacou na multidão.

- O que está acontecendo aqui? – era ninguém menos que Jade, a meio-elfa que liderou o motim contra os filhos do falecido Capitão Ahab, fundador de Quelina, e que criou o Conselho que governava a cidade desde então.

Todos abriram espaço para a passagem da respeitada Capitã, e Madame Moria se curvou, submissa, antes de destilar seu veneno:

- Milady Jade, que honra recebê-la em...

- Cale-se, Cafetina. Aprenda qual é o seu lugar, os Capitães falam primeiro. O que está havendo, Malthus? – os profundos olhos verdes se fixaram no enorme Capitão.

Malthus se curvou em reverência, e relaxou sua cara bovina antes de falar.

- Jade, essas três prisioneiras fugiram de minha vila esta noite. Apenas as quero de volta.

Jade não moveu um músculo de sua face fria enquanto analisava o minotauro. Após ouvi-lo, dirigiu-se à Cafetina, que começou a suar frio quando percebeu o olhar da pequena Tamuriana que acompanhava a Capitã Jade.

- Por que você se opõe ao desejo do Capitão Malthus, Cafetina? – Madame Moria não pôde deixar de notar o desdém na voz da capitã.

- Minha Senhora, com todo respeito, jamais me oporia se as garotas fossem de fato prisioneiras. No entanto, elas têm vivido como escravas de Malthus. Todos ouviram quando Rufus disse que elas eram “as garotas do Capitão”. – nesse momento, Malthus olhou de soslaio para Rufus – Diga-me, como três elfas nuas teriam escapado do cárcere em uma vila repleta de guardas minotauros? Como escravas, depois de conhecerem o lugar por morarem ali há meses, isso seria mais compreensível...

Jade entendeu o raciocínio de Madame Moria, e se dirigiu a Malthus.

- Você pode explicar isso, Capitão?

- Eu não sei, mas isso não importa...

- Se você não pode explicar, - interrompeu Jade - então deixaremos a decisão para a reunião mensal do Conselho. Até lá, as elfas ficam com Madame Moria.

Malthus tentou reverter a decisão da Capitã.

- Jade, as garotas são minhas!

- Não vejo motivo para tanta insistência, Malthus. Madame Moria ficará com as garotas, as alimentará e cuidará para que não fujam novamente. Você pode negociar o resgate, enquanto o Conselho decide o destino delas. Quando você provar seu ponto, terá economizado guardas e cuidados para as três...

Diante do olhar gélido de Jade, e principalmente da Tamuriana que a acompanhava, Malthus achou melhor se calar.


Da varanda da casa de Cornelius, Rhana observava o resultado de sua jogada. O Capitão Minotauro estava cada vez mais enredado na teia de intrigas que ela criara. A Princesa lembrava de como sua mãe desprezava as intrigas da corte, e imaginava se ela aprovaria o que a filha fizera. Desde que chegara em Quelina seus estratagemas fariam inveja aos mais velhos e corruptos membros da Elite da Corte de Deheon. No entanto, nada importava se ela conseguisse libertar seus pais da prisão, e para conseguir isso ela precisaria de uma frota naval. O único lugar onde ela poderia conseguir isso em pouco tempo eram as Ilhas Piratas.

As peças estavam todas em seus lugares no tabuleiro. Só restava esperar a última jogada...

x—x—x—x

Três semanas se passaram desde o incidente entre Madame Moria e o Capitão Malthus. Os Capitães se reuniam na sede do Conselho, de onde podiam ouvir o burburinho da grande feira de Quelina, que só ficava atrás de Vectora em toda Arton. Ali a população se concentrava, alguns em busca de um bom pedaço de toucinho para comer no almoço, outros em busca de pólvora, drogas alucinógenas, itens mágicos ou qualquer outra bugiganga.

Madame Moria e suas filhas aguardavam no pátio em frente à sede do Conselho, cozinhando sob o sol escaldante. As três elfas, agora elegantemente trajadas como todas as meninas da Nereida Lasciva, sentavam-se calmamente aguardando a decisão sobre seu futuro. Embora aparentemente não houvesse muita diferença entre servir um minotauro ou servir a vários homens, todos sabiam que Madame Moria tratava muito bem suas garotas, dava-lhes do bom e do melhor, e às vezes até lhes arrumava casamentos com os bucaneiros mais respeitados da cidade. Fora assim com Aniset, esposa de Orontes.

A Cafetina não se importava que houvesse escravos na cidade, mas há muito tempo adquirira uma rixa com Malthus, e não perderia a oportunidade de tomar-lhe algo de valor. Ninguém sabia o motivo da desavença, mas diziam que ela e Malthus tiveram um romance há muitos anos, mas o minotauro a abandonou para se aventurar pelo mar. Outros diziam que Madame Moria, ainda criança, foi dada de presente a Malthus por seu pai em Calacala. Moria teria conseguido fugir, e acabou parando em Quelina, aonde eles se reencontraram. De qualquer forma, eram apenas boatos.

A autoridade de Malthus perante o Conselho era um empecilho à vitória da Cafetina, mas ela tinha influência perante as lideranças da cidade. Madame Moria procurou Aniset, sua antiga pupila, e pediu que esta intercedesse a favor das elfas junto a Orontes. A Cafetina conhecia como ninguém os instintos maternais de Aniset, então não foi difícil convencê-la de ajudar as pequenas elfas, que mal haviam entrado na puberdade.

Orontes já estava insatisfeito com a confusão que o Imediato de Malthus causara em sua casa enquanto o anão estava no mar, então o pedido de sua esposa foi bem recebido. Aliás, qualquer pedido dela era bem recebido.

Badsim e James já estavam brigados com o Capitão do Mirmillo, embora Jim dificilmente intercederia pela liberdade de três meras escravas de Malthus.

x—x—x—x
Ao mesmo tempo, no salão do Conselho...

Jade, Orontes, James K., Badsim e Malthus sentavam-se na grande mesa retangular, em cuja cabeceira se sentava a Capitã do. De sua cadeira, Orontes iniciou a reunião.

- Nos reunimos hoje para tratar de dois assuntos relacionados ao Capitão Malthus. Primeiro, a ofensa de seu Imediato aos três Capitães do Bravado, do Alicorne e do Garanhão de Khalmyr. Depois, o destino das três elfas que Malthus clama serem suas prisioneiras, fato contestado por Madame Moria, que afirma que elas são escravas.

Jade se levantou e continuou a fala de seu amigo Orontes.

- Quelina é uma cidade livre para todos os contraventores de Arton. No entanto, nós todos bem sabemos, alguma ordem é necessária. As duas questões a serem tratadas hoje são ameaças à existência de Quelina, por que ofendem aquilo que nos mantém unidos: o Conselho. – os olhos verdes de Jade pousaram em Badsim, James K. e Malthus – Os membros do Conselho podem ter suas desavenças, mas brigas em público são inadmissíveis, seja qual for o motivo. Apenas o pátio do Conselho pode ser palco para uma batalha dessas. – a Capitã então encarou Malthus – Lord Malthus, por várias vezes o Conselho rejeitou seus pedidos para admitir a escravidão em Quelina. Se ficar provado que você mantém escravas em sua vila, o senhor será punido. O que você tem a dizer em sua defesa?

O Capitão do Mirmillo levantou-se, formal, trajando sua farda de Capitão:

- Caros Capitães, quero dizer que nunca desrespeitei as leis de Quelina. As elfas foram seqüestradas por mim em Collen. São filhas de uma família abastada de Deheon, de quem pretendo extrair um resgate.

Orontes interrompeu o minotauro:

- Capitão, seriam as mesmas elfas que o serviam quando estive em sua vila? O senhor costuma colocar os prisioneiros para executar trabalhos domésticos?

“Pelos sete infernos”, pensou Malthus, incapaz de conter a preocupação em seu semblante. Como se esquecera de que Orontes viu as elfas em sua Vila? O minotauro analisou rapidamente as reações dos Capitães ante à pergunta de Orontes. A situação não era boa para ele...

No entanto, antes que ele pudesse responder...

x—x—x—x

Madame Moria aguardava o momento em que seria ouvida pelo conselho. Do ponto elevado onde estava, viu quando um veleiro adentrou a enseada de Quelina. Se soubesse alguma coisa de estratégia militar naval, ela teria notado que o barco bloqueou a passagem entre os corais.

- Ora, vejam meninas – A cafetina apontou em direção ao barco, mostrando para suas filhas – Aquele é o Cação Cego V. É o mais novo terror dos mares. James K. que se cuide, ou o Bravado perderá seu posto.

Ela também viu quando o navio lançou a âncora e desceu um bote. Embora fosse corriqueira, a movimentação atraiu a atenção da velha senhora. O bote cortou as águas até a praia da cidade, aonde desapareceu em meio às jangadas e canoas dos pescadores que ali estavam.

Alguns minutos se passaram, até a figura feminina passou por Madame Moria diretamente em direção ao salão do Conselho. A Cafetina leu nos olhos da Capitã Izzy Tarante que ela viera em busca de confusão, e não conseguiu conter a gargalhada. Comentou, enfim, com suas filhas:

- Meninas, essa garota tem fogo entre as pernas! Hoje ela vai incendiar esta cidade!

x—x—x—x

Izzy Tarante empurrou a imensa porta dupla do salão do Conselho com força improvável para alguém de seu tamanho. Assustados diante de tamanha ousadia, os Capitães se levantaram sobressaltados.

- O que significa isso? – era a voz pétrea de Orontes – Quem ousa interromper uma reunião do Conselho?

A Capitã do Cação Cego V adentrou o recinto, e dirigiu um breve olhar a todos os presentes.

- É Izzy Tarante quem interrompe a discussão, Lord Orontes. – a ruiva fez uma leve mesura aos capitães – Cruzei o Mar Negro navegando mares bravios e fugindo de esquadras do Império de Tauron, para conclamá-los à guerra.

- Do que você está falando? Quelina nunca entrou em guerra. – os olhos verdes de Jade varriam a figura de Izzy, momentaneamente confusa.

- Pois é chegada a hora de todos os bucaneiros do Mar Negro se unirem e pegarem em armas se quiserem viver livres, ou simplesmente viver.

James K. observou as formas delicadas da Capitã do Cação Cego V, antes de intervir:

- Seja direta, Garota. Tapista enviou outra esquadra para nós atacar?

Izzy caminhou lentamente até a mesa, observando a todos e se permitindo ser observada.

- Ainda não, Capitão James, mas isso não vai demorar a acontecer. Todos sabem que Tapista já não existe, agora é um auto intitulado Império. Em Fortuna, Lomatubar, Tollon e Hershey eles são soberanos. Apenas Malpetrim resiste. É difícil achar portos seguros para atracar, as cidades que saqueávamos agora estão protegidas por legiões. Venho lutando contra esses bovinos malditos – Izzy olhou para Malthus, numa clara provocação – há anos. Mas um navio apenas não derrotará este Império. Preciso da ajuda de vocês.

- Quelina não se envolve em guerras, garota – Orontes se manifestou.

- Até quando? – reagiu Izzy – Fortuna e Hershey também não se envolviam em guerras. Agora sua população vive para limpar o esterco que esses malditos defecam! – encarando Malthus, a Capitã continuou – Mas vejo que perdi meu tempo, pois achei que Quelina ainda era uma cidade livre, mas há um Quinquirreme da frota de Calacala em seu porto. O inimigo já está entre nós – a humana desembainhou o sabre, e apontou para Malthus. – A luta deve começar agora!

Os quatro capitães se ergueram, desembainhando as armas. Só que as duas pistolas de Badsim apontavam para Malthus.

- CHEGA! – os olhos de Jade faiscavam, sua voz suave ecoou por toda cidade, imperiosa. – Malthus é um antigo membro do Conselho. Você é apenas uma jovem e inexperiente Capitã. Não pode acusá-lo sem provas.

Izzy riu, debochada:

- Inexperiente? Há! – os olhos das duas Capitãs se cruzaram. Jade sentia a força da outra mulher, ninguém costumava ter coragem para encará-la assim – Quem tem lutado contra os minotauros enquanto vocês só fogem, contentando-se em saquear pequenas vilas? Onde ficou a glória da pirataria? Quem é o mais famoso barco do Mar Negro, o Cação Cego ou o seu junco, Capitã Jade?

- Ora sua vagabunda – Jade se moveu na direção de Izzy, mas Badsim a interrompeu.

- Ouça a garota, Jade. Além das bravatas. Ela está certa. – o inexperiente Capitão não sabia de onde tirara tanta coragem.

- Aonde você quer chegar, Badsim? – questionou Jade.

- Eu quero dizer que Tapista tomou Valkaria graças aos minotauros que estavam infiltrados há anos na cidade. Eles enganaram todo mundo. – As duas pistolas permaneciam firmes na direção do minotauro – Malthus mantém escravos em Quelina, todos sabemos. Isso desrespeita você, eu, todo o Conselho. O navio dele é da frota de Tapista. Como podemos confiar em alguém assim? Como Tapista descobriu a localização de Quelina para enviar navios de guerra para nos atacar, como a flotilha que James destruiu, anos atrás?

Os Capitães voltaram olhares interrogativos para Malthus, que ofendeu os ouvidos de todos com a voz poderosa.

- Seus patifes! Vocês armaram para mim! Eu sempre fui leal a Quelina.

- E também sempre disse ser um minotauro leal a Tapista, Malthus... – era Jade.

O Capitão do Mirmillo compreendeu que todos estavam contra ele agora. Empurrou Badsim com um braço e saltou por cima da mesa, depois correu sobre ela em direção a Izzy Tarante enquanto desembainhava o imenso sabre serrilhado.

- Sua vagabunda, vou te levar para o inferno!

Izzy saltou de lado a tempo de desviar por pouco da arma de Malthus, que a teria cortado em duas. O Capitão do Mirmillo saiu do salão e gritou:

- Minotauros! Às armas! Protejam o Capitão! Todos para o Mirmillo!

Os Conselheiros correram em perseguição ao minotauro, mas ele atravessou a multidão que se aglomerava no mercado. Izzy Tarante caminhou calmamente e sacou sua pistola, depois disparou para o alto. A bala subiu aos céus e depois explodiu numa miríade de cores. Era o sinal que o Cação Cego V esperava. O veleiro de velas triangulares disparou seus canhões contra o Mirmillo, que estava estacionado na enseada. Pego de surpresa, a tripulação incompleta, o Mirmillo não teve chance.

Durante o resto daquele dia e pela longa noite, Quelina ardeu em chamas, como profetizou Madame Moria. Os minotauros resistiram na Vila de Malthus, mas as forças dos outros capitães eram infinitamente maiores. Pela espada de uma amargurada Jade ele morreu, e engrossou a fileira de braços no reino de Tauron.

Rhana observou tudo de longe. Sabia que o momento dela havia passado. Agora era a vez da Princesa dar lugar à Pirata. Sentiu as mãos sujas do sangue de todos os inocentes que morreram naquela noite, do sangue do bravo Malthus, de Nereus e de tantos outros. Lembrou-se das palavras de um de seus tutores, quando ainda era uma criança: “todo grande reino tem sob suas fundações os cadáveres dos cidadãos”. Acima de tudo, pensou no jovem Badsim, um pirata de coração puro. Ele nunca mais veria sua amada Julia Cornelius, pois ela seria uma das baixas do conflito, desaparecida em meio ao caos. Ela já não tinha mais utilidade, agora voltaria a ser apenas Rhana.

Não importava. Agora a Resistência dispunha de uma frota de navios, tripulada por bucaneiros experientes. Sentia que estava mais próximo o dia em que poderia abraçar seus pais novamente. Só não sabia se os dois reconheceriam a própria filha...

Fim?
Editado pela última vez por Fënrir em 16 Dez 2013, 10:12, em um total de 2 vezes.
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Re: Guerras Táuricas: A Resistência

Mensagem por Fënrir » 16 Dez 2013, 10:03

Resistência: Parte 4 - A Escrava e o Deus

O corpo delicado da elfa se aconchegava sobre a pelagem vasta e macia do minotauro. O imenso monstro de músculos portentosos e fúria avassaladora estava relaxado, vencido em um território que seu orgulho de macho o fazia presumir dominar. O teto alto do imenso salão era sustentado por colunas de mármore com adornos em ouro e tapeçarias, entre os quais havia fontes que jorravam água e vinho. Outrora ali era a morada do maior harém da existência, formado por beldades provenientes de várias raças, mas agora repousavam apenas os dois amantes.

No plano material, exércitos de deuses digladiavam por poder, pois uma Guerra Santa havia sido deflagrada. Entretanto, a Guerra se desenvolvia por várias frentes, algumas bastante inusitadas. Glórien sentia a respiração ofegante de Tauron, o bafo quente lhe tocava o rosto perfeito, enquanto ela, com a orelha colada no peito largo, ouvia o poderoso coração do deus. Ele sequer imaginava como estava vulnerável, como havia se colocado vulnerável. Os delicados dedos élficos bailavam entre os pêlos macios, um indício da dominação dela sobre ele, pois aquela imensa besta de guerra tinha pelos ásperos e grossos que poderiam escalpelar um mortal, e que agora estavam mais macios que o mais fino tapete da coleção da outrora Deusa dos Elfos, tudo para agradar aquela que lhe dera prazer além da imaginação. Tauron, Deus da Força, Bárbaro Selvagem, Infante Lendário, Guerreiro Implacável, fora domesticado por uma frágil e delicada elfa, e sequer percebera. Agora era ela quem mandava. Não da forma direta e arrogante própria dos machos, mas de forma sutil e delicada, como apenas uma mulher poderia fazer com um homem.

Glórien poderia acabar ali mesmo com a existência do Deus da Força, pois estavam no plano Divino de Tauron, o único lugar onde ele poderia ser definitivamente destruído. Os dedos ágeis da elfa estavam a poucos centímetros do coração do minotauro. Mesmo com o poder diminuído, Glórien vislumbrava uma meia dúzia de armas e encantamentos que poderiam destruir Tauron naquele momento.

No entanto, a morte do Deus dos Minotauros não atendia seus desejos. Ele era apenas um instrumento de sua vingança contra Ragnar e outros deuses do Panteão, e não pereceria antes do momento adequado. Os instrumentos que Glórien escolhera para lutar a Guerra que se iniciava não eram armas, ao menos na acepção estrita da palavra.

As palavras de Sszzas ainda sibilavam em seus ouvidos “O Amor é mais forte que os Deuses, Glórien – os olhos do Deus das Serpentes brilharam quando ele continuou – Veja o que Wynna fez por amor a uma pequena elfa, ou o que Khalmyr fez por sua amada Beluhga – a língua bífida balançou como se tivesse vida própria – eles traíram sua própria essência por amor”. E, daquela vez, o Deus da Mentira não mentia. A prova estava ali, deitada languidamente aos pés de seu mestre, Aspis, a naga que traíra o cruel deus da trapaça e fora perdoada. Até o negro coração do corruptor fora tocado pelo amor.

Súbito, Glórien levantou-se de seu leito de músculos e pêlos divinos. Tauron sentiu-se vazio, furtado de algo essencial. Os pequenos olhos negros de sua imensa cabeça bovina moveram-se acompanhando a elfa, sobressaltados. Tudo que ele via era perfeição. Dentre as milhões de esposas que ele tivera durante sua vasta existência nenhuma se equiparava à perfeição da Deusa dos Elfos. Os pés delicados, as pernas ao mesmo tempo longilíneas e grossas numa perfeita proporção, o bumbum e as costas desnudas, parcialmente cobertas pelo cabelo, que agora era longo e tão dourado quanto o ouro de Azgher. Depois da queda ela ficara ainda mais perfeita em sua fragilidade. Alheio ao que seus olhos viam, a mente de Tauron tentava descobrir porque a amada saíra da proteção de seus braços. Ela necessitava de proteção, mais que qualquer outro ser, pensava Tauron, e ninguém era mais capaz que ele de proporcioná-la. Então, o que a havia afastado dele? Será que algo a incomodava? Um sentimento desagradável tomou Tauron, mas antes que ele fizesse algo a melodiosa voz élfica o interrompeu:

- Estou cansada, preciso me banhar. – Glórien virou-se, permitindo a Tauron vislumbrar seu sexo e os seios eriçados – Envie alguns de seus servos para recolher flores do jardim de Lin Wu para mim, pois estou cansada do cheiro de esterco que vem dos campos, - os olhos da elfa analisaram a reação do Deus, concluindo que estivera certa: o que Tauron amava mais que tudo era a fragilidade, não a força. Com um sorriso de satisfação nos lábios, continuou – e que algumas de suas esposas elfas venham massagear minha pele. E que seja rápido.

Glórien sentia os pensamentos do Deus, e ficou feliz por que seu plano dava certo. Tauron a amava.
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Re: Guerras Táuricas: A Resistência

Mensagem por Greerlan Nerlee » 02 Jan 2014, 13:53

Muito bom o conto, Fenrir. Alguma expectativa de continuação? (Sim, isso é um pedido disfarçado em pergunta!)

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Re: Guerras Táuricas: A Resistência

Mensagem por Fënrir » 11 Jan 2014, 09:24

Cara, os contos são antigos. Eu apenas repostei meu material no fórum novo.

Eu parei de escrever porque esses contos eram parte de uma "Antologia de Contos sobre as Guerras Táuricas", e os meus contos já estavam extensos demais, parei para deixar espaço para os outros escritores. Só que a "Antologia" não foi para frente.

Tenho ideias para continuar, mas agora estou sem tempo para pôr em prática.

Além disso, da forma como está o material pouco altera o cenário, dá para usar mantendo a versão oficial de sua Arton (exceto por coisas menores).
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