[Contos] Califas do Castelo de Areia

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Antonywillians
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[Contos] Califas do Castelo de Areia

Mensagem por Antonywillians » 16 Jan 2020, 21:27

Os Califas do Castelo de Areia

“Em um castelo de areia se deteriorando lentamente
Num sedento tempo de mudanças
O meu acinzentado “eu” está desaparecendo devagar
Preciso morrer…
Reunindo as estrelas
E construindo um castelo de areia aonde eu entôo uma oração suave
Na emboscada daqueles passos se transformando em pó
E fluindo para longe…”



Há muito, em 2009, escrevi dois contos que se pretendiam a um projeto sobre o Deserto da Perdição. Não lembro o que aconteceu com o projeto, mas ainda que eu tenha já mudado bastante meu estilo de escrita, trarei novamente para que possa ser apreciado e criticado (por favor, não hesitem em apontar qualquer crítica).

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CONTO I
A Vida Sagrada dos Mortos


Escuridão profana. Não havia luz alguma. Por pouco a consciência vacilava, fazendo com que a lembrança da existência das energias luminosas fosse extinguida da mente por instantes. Normalmente os infiéis, não adoradores da senhora do breu, tinham primeiro a visão engolida pela negritude profana, em seguida o frio nos blocos de pedra que compunham toda a câmara arrancava toda energia calorosa dos corpos, danificando o tato e o paladar, por fim ficava apenas a audição, mas esta podia ser o carrasco do corpo, pois em meio a um lugar aonde a escuridão é tão profunda que os pontos cardeais somem, e onde não se sente os lábios tocando-se ao falar, de forma que nunca saberia se estava realmente o fazendo ou pensando, levando qualquer um a beira da sanidade. Contudo, o silêncio era a ultima coisa naquela área.

Na câmara de pedras enegrecidas que ajudavam a aumentar o nível de obscurecidade, os fiéis à deusa estavam em pé, numa saudação sagrada, orando com a mão direita apontando para o altar. Trajavam mantos negros com bordas de prata em forma de estrelas, ocultando as faces sob o capuz, ficando em comunhão com as sombras e o frio espectral. Os cultistas oravam em uma linguagem antiga, estranha e profana que causava arrepios naqueles que possuíam calor em seus corpos. Eles convocavam a graça da deusa sobre o altar.

- Oukarianantellanotenebraal-khalinbinduattinkhazan!!! Oukarianantellanotenebraal-khalinbinduattinkhazan!!! – E continuavam repetindo o mantra dos subterrâneos de forma que as vozes ecoavam espectralmente nas colunas de mármore preta.

Loyd sorriu sob seu capuz observando aos ritos com interesse enquanto acompanhava os demais no mantra. Ele e os outros do grupo conseguiam enxergar, graças à magia sagrada lançada pelos adoradores do sol, os dez membros do clero da Senhora da Noite e o altar ao longe, aonde aquele que parecia ser o mestre de cerimônias erguia-se de um trono de crânios, impressionantemente, vivos que rangiam os dentes. Nos nichos das paredes, olhos rubros de corpos decreptos surgiram. Então as orações pararam e a louvação se deu com todos se ajoelhando enquanto os mortos caminhavam em direção ao altar. Eram zumbis. Eles empesteavam a câmara com um odor de putrefação nauseante junto a seus gemidos lamuriantes que pareciam dilacerar a alma dos vivos. Suas peles secas e carnes desfolhadas, aparecendo os ossos, caíam pelo caminho enquanto alguns traziam as entranhas penduradas da barriga. Loyd reparou que eram tão fracos e sem inteligência como os mortos-vivos comuns que enfrentara no Reinado, contudo, no deserto eles eram tratados como santos, reverenciados a nível de alguns chegarem a derramar lagrimas por presenciá-los na cerimônia. A cada quatro mortos, vinham dois trazendo liteiras nas costas, aonde estavam humanóides sentados de pernas cruzadas em almofadas, numa meditação eterna, imóveis. Loyd entreabriu a boca pasmado quando viu que eram múmias, não reanimadas, mas ainda sim múmias. Elas trajavam vestes de sacerdócio sobre as ataduras e traziam os olhos fechados, ressecados e fétidos. Ao todo, quatro múmias foram depositadas em tronos envolta do altar, como lugares para sacerdotes de forte importância.

Os zumbis ajoelharam-se aos pés das múmias não reanimadas, gemendo e louvando-as como que pedindo graças. O mestre de cerimônia realizou uma mesura para cada um oferecendo um cacho de uvas roxas e uma caneca feita de crânios de kobolds, com partes côncavas no topo aonde havia um liquido como suco de cevada. O banquete foi pego pelos mortos que serviram derramando a água na boca das múmias entrando por, o que Loyd só mais tarde descobriria como, canos que levavam os alimentos para dentro do corpo aonde resinas “digeriam” o liquido e a uva que mais tarde vazariam pelos poros que como suando.

Loyd estava fascinado por aquela cultura, queria compor uma musica; Gohbi estava atento, monitorando a proteção de cada membro de seu grupo pelas vibrações sísmicas; Tlacoc estava calada, como sempre, aguardando apenas o sinal; e Judith permanecia observando aquele culto aos pós-mortos achando uma comédia, “Está quase na hora”, pensou consigo mesma.

- Irmãos de fé! – o mestre de cerimônia evocou os demais clérigos que responderam levantando-se – Hoje, nesta noite de lua minguante, estamos a um passo de levar mais um devoto às graças da deusa! – a voz do homem era bela, masculina, mas ainda sim harmônica. Soava musical, mas também fria como a brisa gélida da noite sobre as dunas – Este traz a maldição que os gênios produziram, ele traz o pecado no sangue! Por séculos seu clã busca a libertação, e nós a daremos! A piedosa Tenebra, nossa mãe, louvada seja, Rainha Misericordiosa das Trevas, oferece-lhe uma vida de benção após a morte! Assim envio-lhe para o mundo dos deuses, para que renasça como um santo! Um verdadeiro imortal!

Houve um gemido, e lá estava. Sobre a esquife do altar ornamentado de crânios vivos que batiam os dentes alucinadamente, um corpo amarrado mexeu-se. Ele era de uma menina, uma criança sob trajes de beduíno que derramava horrores de lagrimas. Desesperada, tentava debater-se para se desatar das amarras e devorar o pano que a bloqueava a boca. O mestre de cerimônias ergueu enfim a adaga.

- Vão sacrificá-la! Hunf! – sussurrou Gohbi imbuído por sua tendência protecionista muito comum a sua herança com os gênios da terra – Temos que Pará-los!

- Sacrifício não, meu parceiro, devo salientar que eles consideram tais atos como a maior bondade do mundo, fornecendo imortalidade em troca de apenas devoção à deusa! –disse Loyd sussurrando em resposta - Sem contar que sob um olhar antropol…

- Juro que se não calarem a maldita boca vou oferecer os dois para ficarem na esquife no lugar da criança! – disse Judith com sua belíssima voz que de tão áspera fez mesmo o meio-gênio da terra arrepiar-se – Preparem-se, vamos entrar em ação logo!

- MORRA E RENASÇA NA VIDA APÓS A MORTE!!!!! – bradou o mestre de cerimônias descendo a imensa adaga sobre a criança que fechou os olhos desesperada, não que fosse capaz de ver, mas sentia a dor apenas com as palavras do homem.

Enquanto a lamina zuniu descendo em direção ao quadril da vítima, os clérigos aplaudiam e os mortos gemiam honrados em suas lamurias.

A lamina chiou, e então veio o estalo.

O som de uma explosão aguda atingiu a todos devastadoramente, ensurdecendo-os enquanto uma luz forte e ofuscante se espalhou pela câmara cegando os clérigos e assustando os mortos. A lamina acabou errando o alvo e perfurou a esquife enquanto o mestre de cerimônias pôs as mãos nos olhos pela dor intensa que a repentina luz causara.
Na mesma hora Judith impulsionou os pés e deu um salto sobre-humano descendo em meio aos outros clérigos, fingindo coçar os olhos de dentro do capuz. O mestre de cerimônia, antes de resgatar a visão, tentou de imediato empalar a criança com a adaga, para fazê-la vir dos mortos antes que os intrusos a levassem. Contudo o chão tremeu, areia caiu do teto e logo uma enorme rachadura dividiu o aposento em um breve terremoto que derrubou todos junto com as pilastras que esmagaram alguns clérigos. Gohbi jogara-se no chão para se disfarçar também.
Procurando pelo autor do ataque, o mestre de cerimônias esfregou os olhos e andou de um lado para outro. Contudo nada via. Então veio uma musica, era uma melodia entre o fúnebre e o alegre, não sabia de onde vinha, então apontou para os mortos que protegiam as múmias e estalou os dedos.

- Zumbis, ataquem quem estiver tocando a musica!

Assim os mortos-vivos deram um passo à frente, moribundos e cambaleantes, prontos para obedecer ao mestre. Desceram do altar e então viram, quando os clérigos se ergueram, o homem disfarçado tocando um violino. Um dos olhos de um zumbi despencou enquanto urraram em lamento como um choro dos mortos, antes de começarem a caminhar na direção do ser. Loyd sorriu sob o capuz e aumentou o som da música, além de seu ritmo. Os mortos pararam, as múmias estremeceram, caveiras penduradas nas paredes se debateram, e então os zumbis ergueram os braços, balançaram e começaram a realizar passos dançando com o ritmo da musica alegremente fúnebre.

- É um Mariachi de Cucaracha, um maldito músico dos mortos, maldito! – disse o homem no altar juntando as mãos e sussurrando uma prece – Minha deusa poderosa, rainha de todos os mortos, eu convoco de ti o reconhecimento de minha fé perante àqueles que receberam a graça da vida após a morte!

Uma aura negra foi emanada do fiel cultista de forma que envolveu os mortos na câmara. As múmias pararam, os esqueletos estacaram, e lentamente os zumbis começaram a diminuir o ritmo da dança que os fascinava. Loyd então aumentou o volume de sua musica, em uma velocidade contagiante e melancólica, logo os mortos estremeceram de novo saindo do controle do clérigo, e assim prosseguiu a richa entre os poderes necromânticos.

Os demais clérigos voltaram-se ao bardo dos mortos e começaram a proferir as preces de todos os cantos, clamando pelas coisas mais profanas. Foi então que veio novo tremor derrubando-os e atrapalhando as orações. O teto prometeu ceder a qualquer momento. Deitados, as preces começaram, mas novamente foram interrompidas quando de em meio as sombras surgiu um pequeno globo que emanou uma luz intensa que logo esclareceu todo o aposento do altar expulsando as sombras junto a seu frio, chegando a aquecer o lugar, como um pequeno sol. Cegos pela luz intensa, os clérigos gritaram de dor. Loyd aproveitou e tomou controle dos zumbis, mais algumas dedilhadas em seu violino e os mortos atacaram os clérigos lhes cravando as unhas sujas e velhas na carne e rasgando-a. Os membros do clero urraram e ergueram-se retirando os capuzes enquanto voltavam a orar (sem o capuz seriam capazes de reconhecerem os invasores). Judith foi a única que permaneceu o capuz, contudo, não estava mais a vista. Ela aproveitara a distração para fugir da vista de todos, e agora estava abraçada ao topo de uma coluna que permanecera em pé, local que não seria um dos primeiros a olharem.

Gohbi revelou sua face de formatos rústicos, pele bronzeada e olhar pétreo. Logo perceberam que era invasor.

- Senhora das Trevas, lance sua rede sobre o infiel! – orou um deles desviando de um morto-vivo enquanto de seus dedos saíram fios negros como teias de escuridão que foram envolver o meio-gênio.

Sorrindo, o descendente dos gênios da terra, ergueu o braço e do solo saltou uma muralha de pedra que evitou a teia negra. Depois com um chute na proteção de rochas, fez uma pedra deslocar com tal força que acertou o cultista no abdômen esmagando-o. O mestre de cerimônias então fechou os olhos, realizou uma oração silenciosa e abriu-os abruptamente de forma que retomou o controle dos zumbis no mesmo instante. Loyd tentou aumentar o ritmo da música, contudo um clérigo afastado orou mudamente e quando proferiu suas palavras, sua voz surda cancelou todo som na área, criando um silencio profundo na área. Suas magias de bardo estavam canceladas.

Sem voz, muitos não puderam orar à deusa, então restou o ataque físico. Assim o mestre de cerimônias retirou o capuz revelando uma descendência dos estrangeiros, era de uma face bela, alongada e orelhas pequenas e pontudas, o que os povos do mundo úmido chamam de meio-elfo. Loyd já vira alguns em suas andanças pelo Reinado e achava a raça muito interessante. O cultista então deu um salto de metros descendo em meio ao tumulto de clérigos. Seus olhos arregalaram insanamente, pêlos começaram a brotar de seus poros, as presas afiaram, seu tamanho aumentou, nariz tornou-se focinho, as roupas rasgaram na transmutação e logo era um meio-homem meio-lobo do tamanho de dois homens. Ele uivou surdamente no campo de silencio e atacou com a garra tentando acertar Loyd que desviou com destreza apurada. As garras dilaceraram uma coluna de mármore negra, que logo se desfez em pedaços caindo sobre os clérigos. Judith aproveitou as distrações, e a magia que cancelava o som, para resgatar a menina, descendo com furtividade excepcional do teto, abraçando a garota e voltando para cima da coluna para qual ninguém olhava. Gohbi então moveu rapidamente o braço direito na horizontal como se cortasse o ar, assim todo o pó no chão e nos mantos pareceu se deslocar criando uma cortina de poeira que obscureceu a visão de todos, ainda provocando tosses. Loyd aproveitou e tocou todas as notas de seu violino que emitiu um som tão vibrante que distorceu o ar e cancelou o silencio.

O lobisomem emitiu um uivo poderoso que estremeceu levemente a estrutura. Poeira caiu e parte do teto cedeu desabando. Gohbi girou o corpo como em uma dança e saltou caindo no chão com tamanha força que o solo estremeceu mais e as pedras que caíam do teto, voltaram para cima antes de atingirem os lutadores abaixo. Os clérigos oraram em uníssono:

- Senhora, nossa deusa! Traga nossos anciões de volta a vida! Que os imortais retornem para proteger-nos!

A oração foi atendida. As múmias estremeceram, balançaram jogando poeira para os cantos e emitiram um urro gutural abrindo as bocas horrendas e podres. O fedor era tão forte que a criança resgatada desmaiou enquanto Judith lhe livrava das amarras. As quatro múmias andaram lerdamente unindo-se aos zumbis, emitindo seus gemidos malditos.
Loyd então sorriu maroto retirando o manto e revelando vários bonecos em sua cintura feitos com caveiras humanas pintadas com runas. Jogou três no ar e tocou três notas, elas caíram e criaram vida desembainhando espadas curtas que traziam na cintura. Elas dançaram com a musica em golpes de combate que cortavam as pernas dos clérigos. Em seguida espinhos surgiram no ar e desceram em sua direção. Com um soco na parede, Gohbi fez nascer uma rocha na frente do parceiro protegendo-o.

As múmias atacaram. Primeiro tentaram agarrar Gohbi em um abraço letal. Uma foi bem sucedida prendendo-o os braços. Então abriu a bocarra podre e preparou para enterrar os dentes na cabeça do meio-gênio, mas a força do ser era muito superior e após concentrar suas forças em seus músculos, abriu os braços destroçando os membros da múmia que urrou, e aproveitando ainda deu-lhe um chute no peito enterrando o pé em seu peito podre. A múmia caiu ao chão virando pó, ataduras e ossos.

O Lobisomem girou e atacou Loyd com as garras, mas no ultimo momento seus bonecos-caveira lançaram-se sobre o tornozelo do ser mordendo-o com força, até o licantropo sangrar. O bardo puxou então seu chicote amarrado no lado da calça e estalou-o para os lados atrapalhando os clérigos a orar.

Os zumbis avançaram, as múmias urraram e os clérigos distraiam-se com os dois invasores. Enquanto isso um cultista permanecia em um canto apenas observando.

“Ataque, querida!”, Tlacoc ouviu em sua mente e então deu um passo a frente puxando um bastão de prata de dentro de seu manto. Era a ordem de seu mestre e o pedido de seu amado.

Ela girou o corpo como em uma dança e o bastão cresceu na forma de uma imensa lança prateada que cortou e perfurou dois clérigos a sua frente que caíram ao chão sangrando muito. Ao ver isso, um clérigo puxou uma espada que emanava uma aura negra e tentou acertá-la, contudo penas multi-coloridas desceram do teto surpreendendo-o junto a som de asas, era uma ave colorida e tão bela que o distraiu tempo suficiente para Tlacoc enterrar em seu abdômen a lança e ergue-la destroçando seu corpo.

Tlacoc era calada, direta… o único para qual podia revelar sua voz era seu amado mestre e senhor Allad. Assim que puxou o capuz revelou sua face belíssima de uma Yaucatl, o povo perdido, com pele morena e olhos de ave tropical. Em seus cabelos cada mecha possuía uma cor do arco-íris. Ela chamava bastante a atenção por sua aparência peculiar, foi então que retirou o resto do manto, só não ficando nua pela saia de penas coloridas na cintura. Os seios nus eram belos e bem modelados, nos cotovelos e flancos dos braços trazia penas de várias cores. Os clérigos ficaram meio que sem ação por instantes e então atacaram. A menina exótica desceu o corpo em uma rasteira que atingiu o clero, ergueu-se e abriu os braços. Ela convocava a benção de seu senhor e protetor. Seus íris estreitaram-se verticalmente, das costas saltaram asas coloridas que pareciam emanar uma luz prismática e suas mãos criaram uma espécie de garras como de aves. Ela ergueu vôo na câmara e atingiu em cheio o lobisomem com um encontrão jogando-o contra a parede enquanto seus caninos cresceram afiados como o de uma serpente e mordeu o pescoço do homem logo espirrando sangue. Judith sorriu, de dentro do manto com o semblante escondido, para a menina que acabara de voltar do desmaio. A jovem achou estranho, pois não era capaz de ver uma parte do corpo da moça, até as mãos estavam ocultas em luvas. Sem contar que seu toque não era quente.

Enfim as sombras de cinco clérigos saltaram do chão tomando a forma humanóide de seus donos. Olhos rubros como do inferno surgiram nelas e então voaram sobre as duas. A criança gritou apavorada, o odor de podridão ainda a atingia tão forte quanto antes do breve desmaio. Judith então sumiu detrás dela como se viajasse pelo ar, e reapareceu na frente das sombras acertando-as com um chakram que brilhou ao acertar as sombras. Elas se desfizeram no ar e seus restos voltaram para seus donos recompondo-se e perdendo o auto-controle.

- Droga, esses ratos são muito fortes! – disse Gohbi arfando – Mas eu sou superior em resistência!

Então jogou-se ao chão que se abriu para ele engolindo-o e fechando-se. Confusos, os zumbis procuraram-no para os lados, até tentaram cavar, e então o meio-dao surgiu da terra por trás saindo da pedra como se saltasse de um lago e acertou socos titânicos reforçados por luvas de pedra que partiram os corpos dos mortos.

Loyd então tocou novamente, agora uma salsa. Os mortos estremeceram, tentaram servir Tenebra, reconhecer seus lugares, mas a musica os saudava, animava, sentiam-se como vivos. Então dançaram. Passos, gestos e logo pareciam gente viva dançando no ritmo da salsa. O lobisomem fez um golpe que lançou Tlacoc longe, batendo violentamente contra uma pilastra que se partiu em dois. Em seguida saltou sobre ela para uma mordida. Ela girou, pegou a lança e acertou-lhe o abdômen com a parte sem lamina fazendo-o cuspir sangue, sem contar que a prata lhe queimou a pele de licantropo. Em seguida abriu bem as asas e seus olhos brilharam invocando a luz. Uma luminosidade prismática partiu de suas penas penetrando dolorosamente nos olhos do licantropo que caiu para trás em meio cegueira e uma enxaqueca tão forte que lhe fizera desmaiar. Logo voltava a sua forma original, de um homem meio-elfo nu.

Uma tempestade de areia atingiu os clérigos de forma que entrou em seus olhos irritando-os por um tempo, até que puderam ver Judith, ainda oculta em seu manto. Ela saltou em uma esquiva inacreditável quando adagas vieram em sua direção e girou os braços de forma que o ar entrou em combustão criando um chicote de chamas que acertou os clérigos envolta queimando-os no rosto. Uma flecha feita de escuridão foi disparada por uma senhora de meia idade cultista, e acertou o chão sob Judith. A criança, com os olhos embaçados por lagrimas que jorravam com aquele fedor horrível, logo a buscou em meio ao tumulto querendo saber a situação de sua salvadora. Uma coluna de chamas negras envolveu a mulher, chiando enquanto as vestes crepitavam nas brasas de escuridão, tão espectralmente frias que queimavam mais que fogo. Enfim a escuridão baixou, e por incrível que pareça lá estava ela em pé, contudo, não era como a pequenina imaginava. Pela voz deveria ser uma mulher exuberante de cabelos de deusa, sorriso de odalisca e corpo equivalente aos dos gênios, contudo ela não tinha seios, cabelos, olhos, boca, carne, órgãos ou qualquer outra coisa além de ossos brancos e reluzentes ante a luz dos globos mágicos. Restara-lhe apenas os trajes que usava sob o manto, uma capa longa e vermelha que ocultava sua face sob o nariz descarnado e uma calça de couro rasgada e queimada, cheia de buracos que lhe revelava as pernas de ossos. Judith era um esqueleto vivo.

- Surpresos? – Era muito estranho um esqueleto emitir uma voz tão bela e macia como aquela. Os clérigos arregalaram os olhos e recearam. Os parceiros dela apenas acharam graça na surpresa dos inimigos.

Tlacoc guardou as asas e girou sua lança como um bordão derrubando alguns clérigos.

- Rainha das Trevas, que as sombras se moldem em tentáculos que os destruam! – orou alguém.

Então das sombras de todos surgiram tentáculos feitos de pura escuridão que enrolaram-se na perna dos invasores, causando uma dor por um frio que congelava em câimbras indescritíveis. Menos Judith era capaz de sentir a dor maldita. Ela apenas olhou para o golpe que nada a afetava, pegou uma pequena noz de cacto numa algibeira e lançou no chão, então veio novamente o estalo com a luz ofuscante de forma que os tentáculos se desfizeram por instantes enquanto os clérigos recobravam a consciência.

- É com você Gohbi! – Loyd gritou.

- Pode deixar! UOOOAAAAARRRRR!!!!!!

Com um murro no chão, o solo rachou forte em grande tremor e cedeu. O teto enfim caiu sobre os clérigos derrotando-os enquanto abria um espaço para a saída no teto. Em ágil salto Judith já estava fora da câmara, Lyon saiu levando a menina no colo e carregado por seus bonecos-caveira, Tlacoc usou sua destreza para escalar as pedras e Gohbi criou um pilar de pedra que o elevou até a saída.

...

Assim que os globos de luz mágica apagaram, a escuridão profana retornou, apenas maculada por um fino facho de luz que vinha do buraco aberto pelos invasores. Halldan, o mestre de cerimônias acordava lentamente após aproximadamente meia hora desde que houvera o combate. Não por descanso, mas por que sentia um estranho arrepio na espinha, o qual logo reconheceu e fez arrepiar-se mais. Ao abrir os olhos viu uma densa névoa no local e então vieram os passos. Olhou para um lado, e nada estava lá, ouviu o som de algo e era uma gota caindo. Ergueu o tronco, sentiu que brincavam com ele. Então veio uma dor de cabeça enorme, mesmo de olhos fechados via os corpos dos outros fiéis mortos sob os escombros do templo.

- Quem ousou destruir minha casa?

A voz atingiu-o como uma flecha de prata aquecida por brasas disparada em sua alma. Ela era calma, penetrante, ecoante, bela e fria como estalactites de gelo. Sentado na esquife do altar, como surgido do nada, estava o jovem alto, de cabelos curtos, lisos e brancos como fios de prata, olhos vermelhos-sangue, pele pálida e imaculada, braceletes e cordões de ouro enfeitando-o, além de trajar uma calça de couro leve, sapatos com a ponta erguida e uma blusa aberta que lhe revelava o peitoral atlético. O ser sorria enquanto brincava com seu cálice aonde um liquido rubro dançava dentro do cristal, emitindo um aroma de sangue.

- I-invasores infiéis, senhor! – Halldan gaguejou – Eles levaram a pequena Rajah! Não pudemos oferecer a ela a benção de Tenebra! A coitada não entende…

Em um único e delicado gole o homem tomou todo o liguido rubro, com a elegância de um nobre. No ar ficou um cheiro de sangue fresco.

- Tolo, mas não era motivo para bagunçarem minha casa! – a voz alterou-se pouco, e como que impelido por ela, o ar disparou contra o rosto do homem fazendo um corte em sua bochecha de modo a gotejar sangue – Mestre Matusal contava que teria uma Rajah servindo-o! Agora ele ficará muito bravo!

- Mas nós… - o clérigo lobisomem começou.

O homem interrompeu-o sumindo de sobre a esquive e reaparecendo sobre ele.

- Não está a nível de falar nada, sacerdote! Traiu minha confiança!

O nobre homem agachou-se e então lambeu o sangue que escorria.

- Nem seu sangue mais me presta! Vocês licantropos têm o sangue maculado! Levá-lo-ei a Mestre Matusal quando for a hora, por enquanto eu mesmo irei resgatar a menina! Para o bem nosso é bom que ela entenda as vantagens da imortalidade dos reanimados!

Então o jovem sorriu com as presas caninas longas a mostra pingando sangue. Seus olhos tornaram-se preenchidos por uma negritude profunda como o abismo, em seus braços surgiram tentáculos negros que logo assumiram a forma de penas, e das costas saltaram grandes asas feitas de escuridão. Bateu-as dando um salto e ergueu vôo enquanto sua pele pálida enegrecia até tornar-se negra como as sombras e sumir no breu.

Halldan orou pela alma daquele grupo, esperava que dessem a sorte de terem um corpo para um dia receberem a benção de Tenebra, o que seria muito difícil quando seu superior lutava.


ASS: ANTONYWILLIANS, O MAIOR ESPADACHIM DE ARTON


TÓPICO CENTRAL DOS CONTOS DE ANTONYWILLIANS

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