Através do Éter - Ato I - Correntes

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Sir Nemo
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Através do Éter - Ato I - Correntes

Mensagem por Sir Nemo » 20 Jan 2014, 16:15

Bem, após algum tempo refletindo sobre minha vida até agora após mais uma crise de idade, eu decidi voltar a escrever Através do Éter ao invés de esperar até algum momento milagroso de inspiração para continuar.

Portanto eu vou postar os capítulos feitos até agora para (re)introduzir o pessoal do [Nome do Fórum] á história e também por que eu gosto de atenção.

Vamos nessa.
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    Prelúdio ao Passado
-Ano de 236-

  Aquele astro brilhava intensamente sobre o planeta, aquecendo constantemente toda a sua superfície. Mas Eorataulir não era uma estrela, ele brilhava como uma e tinha o tamanho colossal dos astros luminosos, mas ele era um ser vivo.
   
  Eorataulir era um dos grandes titãs que viviam no universo, um ser gigantesco cujo corpo era composto completamente de calor e fogo intermináveis. Pelo o que toda a humanidade sabia, ele não tinha origem, ele não tinha objetivo nem desejos, ele apenas flutuava eternamente pelo éter aquecendo e iluminando aqueles sob sua presença.
   
Aqueles que pudessem chegar perto e pudessem proteger seus olhos da luz poderiam identificar a forma de Eorataulir, aquela de um grande caranguejo flamejante. Infelizmente, por diversos motivos, poucos seres humanos sabem da existência destes animais, e para todo o resto o titã possuía uma forma alienígena própria.
 
  Mas, em um dos vários desertos de areia naquele planeta, o humano conhecido como Elijah Tanoya não podia ver a forma de Eorataulir, para ele o titã era apenas um ponto brilhante no céu que lhe trazia sofrimento. A exaustão era a única coisa que lhe impedia de alguma forma demonstrar seu ódio pelo astro.

    O garoto andava instavelmente pelo deserto, ameaçando de cair a cada momento. Seu rosto estava marcado pelo sol e as últimas gotas de suor já secavam em sua testa. Ele mal podia sentir o medo e o desespero que o haviam atingido há apenas alguns dias, quando ele e seu avô haviam sido perseguidos por estranhos armados. Ele sequer se lembrava exatamente do que estava fazendo por ali, ele apenas continuava a andar e a procurar pelo seu guardião, mesmo que suas pernas e seus olhos estivessem prestes a falhar.

    Olhando em volta ele podia ver apenas areia e pequenas alucinações de lagos e edifícios de sua terra natal. Ele levantou suas mãos até sua boca e começou a gritar pelo seu avô, não ouvindo nada em resposta. Apesar da dor que isto causava em sua garganta seca, ele continuou gritando por mais algum tempo.

    Não perca tempo, espere até a noite, sua busca será mais fácil.

    Tanoya não queria dar atenção á voz em sua mente. Ele teria de esperar quase 17 horas até o anoitecer, e naquela situação tempo era essencial.
   
Por que você não me ouve? Eu sou mais sábio e experiente.

    “Por que você é apenas uma alucinação causada pelo calor” ele queria ter pensado ou até mesmo dito em resposta, mas ele não queria incentivar sua loucura. Ele continuou andando, procurando por algum sinal de vida além dele naquele local, qualquer uma, mesmo que esta quisesse lhe matar.
    Por que você não me ouve? Se você morrer, nada mais importa O quê planeja fazer quando o encontrar? Resgatá-lo quando você próprio mal sobrevive?
 
    O garoto continuou não respondendo aquela voz, mas ainda sim sua mente continuava a formar explicações para o que ele estava tentando fazer: Talvez ele pudesse chamar por ajuda, talvez seu avô estivesse preso por uma pedra, talvez Elijah achasse alguma forma de ajuda no meio do caminho.
    Pare de mentir. Você não pode fazer nada. Pare.
    E
le continuou andando, na esperança de que alguma coisa acontecesse, qualquer coisa, boa ou ruim. Ele sequer esperava por algo que o ajudasse em sua busca, ele apenas queria algum evento para tirar sua atenção do calor, do cansaço e de sua própria mente.
 
  Então, ele caiu.

    A areia parecia ter desaparecido sob seus pés, ele voou por um breve segundo antes de se colidir com o chão, ele ficou parado por mais um momento e então começou a se levantar, ainda confuso com o que acontecera e com um pouco de sujeira atormentando seus olhos. Então ele continuou caindo.
   
Desta vez ele deslizou violentamente para baixo, como se a areia estive puxando ele por algum tipo de rampa. Ele rolava e era envolvido pelo pó do deserto, ele lutava para não se sufocar e para encontrar chão firme.
   
Então, ele parou de cair.
   
Sem conseguir enxergar, Elijah lutou para poder se levantar da pilha de terra que havia se acumulado por cima dele. Ele finalmente encontrou ar puro, e passou alguns minutos tentando tossir areia para fora de seus pulmões.

    Ele tentou retirar um pouco de sujeira de seus olhos para pelo menos saber onde ele havia caído, mas suas mãos estavam sujas demais para servirem. Ele tentou pensar em alguma forma de resolver este problema, quando ele ouviu um som miraculoso: água.
   
Ele correu em direção ao corpo de água, que ele podia ouvir a apenas alguns metros dele. Tanoya não sabia exatamente onde estava, ele não sabia se haviam animais selvagens ou talvez alguém já morando por ali, ele não sabia se a água estava contaminada com veneno ou se ele apenas estava ficando mais insano. Ele sequer se importava, se ele iria morrer pelo menos ele iria satisfeito.
   
Ele chegou perto do local, mal percebendo que andava em chão sólido, e encostou-se a ele com um dedão, confirmando a existência do corpo líquido. Ele imediatamente se deitou á margem do local e começou a beber o que podia com seus lábios feridos. Era realmente água doce e praticamente pura.

     O então jovem Tanoya não sabia quanto tempo ele passou bebendo, mas quando ele se deu por satisfeito ele aproveitou para lavar suas mãos e então seus olhos. Ele se virou para cima, ele queria continuar a procurar seu avô, ele queria poder continuar a buscar seu avô, mas agora que ele havia finalmente encontrado algum conforto ele simplesmente não conseguia se levantar.

     Durma. Espere. Então continue em frente. Você tem todo o tempo da eternidade.

    A voz teve efeito contrário no jovem Tanoya, ele se levantou imediatamente e continuou andando. Felizmente ele evitou voltar à superfície, apesar de temer qualquer plano que à voz tivesse, ele não queria a luz do sol por longas horas. E talvez ele pudesse encontrar ajuda naquele misterioso túnel.
   
Os túneis estavam iluminados pela luz que vinha de suas paredes. Por não ter prestado atenção o suficiente e por não ter experiência de vida, Elijah Tanoya não pôde perceber as runas estranhas inscritas nas paredes, desconhecidas por quase toda a humanidade; ele não pôde perceber os crânios presos em cada seção da parede, e como eles pareciam se mover ligeiramente quando o pequeno humano passava por perto; E por ultimo, ele não pôde perceber as marcas de pegadas pelo chão, sendo lentamente cobertas pela poeira.
   
O tempo que se passou continuou não sendo percebido por Tanoya. Ele imaginava estar em algum tipo de transporte secreto, um túnel que os habitantes do planeta usavam para evitar o longo dia do planeta e o calor do sol crustáceo. Mas ele imaginava quem poderiam ser os construtores, ele e o seu avô acreditavam que o planeta estava deserto de vida sapiente.
     
Uma porta apareceu á sua vista, possuindo dois metros de altura e parecia ser feita de pedra sólida. Ele começou a se perguntar como exatamente ele poderia abri-la com seus fracos braços, talvez ele pudesse bater nela esperando que alguém do outro lado a abrisse, talvez ele houvesse encontrado um caminho sem saída e teria de voltar. Neste momento ele percebeu que não sabia como retornar á superfície, ele sequer tinha certeza de como havia caído por lá. Seus medos diminuíram um pouco quando ele viu que a porta estava semi-aberta, com uma brecha grande o bastante entre as duas portas para que ele pudesse passar.
   
Estes medos voltaram quando ele pôde ver sangue por debaixo das portas.

    Ele imediatamente parou de andar, tentando observar o local por alguns momentos. O sangue parecia seco e nada parecia se mover, ele começou a andar vagarosamente em direção á porta, um pouco abaixado para ser mais difícil de ver, embora ele estivesse no meio de um corredor bem iluminado.
     
Ele parou na parede ao lado das portas, encostado á ela e tentando olhar para dentro da sala, de onde ele podia ver a luz da tinta luminescente –Que se encontrava em todo o túnel- mas não podia ver nem ouvir a presença de ninguém. De forma nervosa ele tentou abrir a brecha entre elas com o seu pé, esperando ver melhor.
     
Mal se encostando à pedra marrom clara, ele pôde perceber um corpo humano jogado ao chão, um dos homens que atacara á ele e seu avô meras horas atrás.

    O corpo estava vestido com a mesma túnica branca que Tanoya o vira usando naquela ocasião, a mesma armadura de metal fino – Fortalecido por runas inscritas em sua superfície – e a mesma pistola ainda sendo segurada por sua mão. A diferença agora era a grande quantidade de sangue seco e areia sujando todo o cadáver.

    Elijah se abaixou rapidamente para pegar a pistola e entrou subitamente na sala, apontando a arma para frente e tentando ser ameaçador. Ele encontrou apenas mais corpos.

    Ele conseguiu se acalmar e guardar sua arma. Os mortos não o incomodavam, ele estava acostumado com cadáveres e esqueletos, ele os via constantemente quando visitava a oficina de seu avô, apenas aqueles ainda vivos podiam colocar medo no jovem.

    Aquela era uma grande sala circular grande, feita do mesmo material e cujas paredes ainda eram marcadas da mesma forma que todo o resto do túnel: Com runas de um alfabeto secreto e crânios vazios incrustados na pedra. Novamente, o membro mais novo da família dos Tanoya não pôde perceber os estranhos segredos e inovações que haviam por ali. Mas ele percebeu o que havia no centro da sala, um arco de três metros de altura feito de metal e marcado por runas mais comuns nas civilizações humanas, todas preenchidas com jade puro para facilitar a passagem de energias; aquele era um mecanismo para a criação de portais que ligariam dois pontos do universo, desligado, mas em bom estado.

    Os corpos se reuniam em torno do arco, pouco mais de meia dúzia, todos vestidos com as roupas dos atacantes ou algo semelhante, e todos pareciam ter sido atingidos por tiros.

    Elijah se mostrou animado com estes últimos acontecimentos, ele começou a andar entre os corpos procurando por objetos que poderiam ser úteis á ele, já estando acostumado com a idéia de retirar objetos dos mortos que não iam mais precisar deles. Pela primeira vez ele se sentia otimista, os seus atacantes haviam sido mortos, o assassino muito provavelmente longe dali, ele poderia encontrar suprimentos úteis com eles e talvez ele pudesse usar do portal para escapar dali, e trazer ajuda para seu avô – Tanoya ainda era jovem o bastante para não saber os quão complexos e potencialmente mortais portais poderiam ser.

    Então, enquanto tirava um estranho broche com o desenho de um broche de um dos cadáveres, ele percebeu um corpo diferente dos outros, vestido com roupas verdes e limpo de qualquer marca de sangue. Ele se aproximou curioso, e então percebeu que aquele defunto específico não possuía carne, apenas ossos e objetos que ele levava restavam.

    Ele parecia estar encostado no arco, uma metralhadora de madeira negra estava ao seu lado, com balas caídas em volta. O esqueleto estava vestido com um casaco verde escuro, mas era o objeto em seu pescoço que intrigara e então horrorizara Tanoya: um colar feito de ossos e dentes que ele podia reconhecer.

    Ele se aproximou do corpo em pânico, arrancando o colar violentamente. Peças caiam no chão enquanto ele checava algumas peças, apenas confirmando seus medos. Em desespero, ele verificou todos os bolsos do casaco, esperando por alguma espécie de milagre, ele apenas encontrou alguns documentos de identidade, todos em nome de Razi Tanoya.

    Naquele momento, tudo parecia ter perdido significado para o jovem: Seu avô estava morto, ele não sabia por qual motivo, ele estava preso naquele local sem saber exatamente onde, ele sequer sabia por que Razi o trouxe para lá. Ele tentou se alegrar um pouco se lembrando de que seu avô havia morto os seus atacantes antes de morrer, mas isto pouco valia naquele momento.
 
  Eu te avisei. Não há por que correr. Descanse. Você tem toda a eternidade.

    Ele continuou parado em choque por mais alguns minutos, ainda tentando absorver tudo que acontecera, mas então, pela primeira vez, ele decidiu prestar atenção na voz em sua cabeça, era a única companhia que ele tinha no momento. Ele andou até o canto daquela sala circular e, mesmo em meio aos mortos, ele se deitou para dormir, esperando para acordar daquele pesadelo.

    Logo Elijah escaparia daquele planeta esquecido, ele seria levado para o seu planeta natal onde ficaria sob a guarda de seu pai por vários anos. Ele sempre guardou os segredos que ele descobrira naquele planeta, esperando poder entender tudo e organizar todos os fatos em sua mente antes de comentar com alguém. Mas mesmo quando conseguira, ele preferiu continuar em silêncio. Os mistérios do planeta dos cinco desertos só foram revelados em uma prisão, quando Elijah Tanoya acreditava estar próximo da morte.

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    Através daquela mesma região da galáxia, outros planetas, astros e titãs flutuavam por aquela substância conhecida simplesmente como éter. Todo o universo era ocupado por aquela estranha substância transparente.
   
Em uma parte mais específica do mar de Éter, um pequeno grupo de navios flutuava a esmo. Grandes veículos de madeira e metal, movidos por grandes hélices marcadas por runas e manobradas por grandes asas de metal nas laterais do casco. Mas ao contrário de naus do éter normais, estes eram navios de piratas, ostentando longas bandeiras negras presas aos seus mastros, responsáveis pela destruição e saque de dezenas de outros navios.

    Em uma destas embarcações estava o líder de todos aqueles bandidos, estava o lorde pirata Staunen, terror daquela região, espadachim exímio e, segundo sobreviventes de seus ataques, dotado de uma segunda personalidade mortífera.

    O capitão Staunen se encontrava em uma situação incomum naquele momento, sozinho em seus aposentos, calmo e um pouco melancólico, admirando o equipamento mecânico que recentemente substituíra seu braço esquerdo.

    O membro artificial era composto por alguns canos de metal terminados e uma mão feita de peças pequenas e complexas, cujas pontas dos dedos foram afiadas a pedido do pirata. Runas semelhantes a longas raízes de plantas cobriam o metal, respondendo á todos seus comandos mentais.

    Staunen tentou mexer seu braço, alguns segundos depois seu novo punho se fechou e se movimentou em círculos, o movimento era lento e fraco. Segundo o que lhe haviam informado, controlar um braço mecânico de forma prática pode levar meses de treinamento, e ele nunca teria o mesmo controle e força que a de seu braço natural. Ele se sentia realmente irritado pelo fato de seu membro recém perdido também ser a mão que ele usava para escrever, e também aquela com que ele lutava melhor.

    Ele conclui que era aquilo era inevitável, e que ele teria de se acostumar algum dia. Ele colocou ambos seus braços atrás de suas costas, embora um tenha demorado consideravelmente, e começou a admirar o espaço através de sua janela. Ele podia ver a multidão de estrelas brilhando pelo navio enquanto ele refletia sobre recentes eventos.

    Um som brusco surgiu por trás de Staunen, ele já esperava por isto. Ele sabia que a qualquer momento um de seus tripulantes iria tentar aproveitar de sua situação para tentar tomar controle de todos os navios. Mas o lorde já sobrevivera á muitas tentativas de motim, ao contrário de seus inimigos.

    Em um movimento breve ele retirou sua espada da bainha em suas costas e se virou imediatamente para trás, apontando a arma em direção do som. Runas estava inscritas ao longo dela, marcando-a com o nome de um titã de metal, deixando a espada mais afiada e leve. Sua ponta deixava um fino rastro prateado de luz por onde passava.

    Do outro lado daquela sala, na direção em que Staunen apontava sua arma, um homem familiar estava sentado a uma pequena mesa, uma caneca branca em uma mão e um pergaminho de papel em outra.

    -Você precisa tomar aulas de caligrafia. Eu passei os últimos minutos tentando traduzir estes garranchos, e eu nem tenho certeza se eu entendo o que leio. – A figura sentada disse, antes de tomar um gole do que havia na caneca.

    O pirata guardou sua espada e se aproximou – Você não precisava ter se esgueirado até aqui. – Ele então arrancou violentamente a folha das mãos daquele homem – E não precisava ler meus documentos pessoais.

    O homem bebeu mais um longo gole. –Você escreve uma carta contando sobre eventos recentes para sua mulher e está preocupado com o que sua filha pensa de você. Não é algo que a organização usaria contra você, mesmo se quiséssemos.

    -Ainda existem coisas como privacidade. Eu sou tão importante na organização quanto você, eu peço apenas por respeito.

    -Me perdoe então, eu fui treinado para procurar informação em todos os locais possíveis, cartas que você deixa em locais abertos me parecem convidativas. – Mais um gole – Eu posso entregá-la para você, nesta guerra qualquer mensageiro teria pouca chance de chegar vivo ao destino.

    O lorde pirata pensou um pouco, e então deixou a folha de papel em cima da mesa, o homem a dobrou e a guardou em um bolso de seu casaco para logo em seguida retirar um pequeno bloco de papel. Um lápis havia aparecido em sua outra mão, mesmo que ele não houvesse feito nenhum movimento com ela.

    -Vamos ao importante, queremos o seu reporte sobre esta região e o que você tem conseguido.

    Lorde Staunen se virou para trás e andou até a janela de seu navio, refletindo sobre os últimos dois anos que ele havia passado naquele local, a Garganta de Hermes.

    Ele observou a figura de Eorataulir flutuando pelo Éter, mas ele era quase que apenas um ponto brilhante daquela distância. Ele observou outros navios piratas que flutuavam por perto, ainda marcados pelas balas de canhão de uma batalha recente com a União Hominae, a grande organização que governava todos os territórios humanos no universo.

    O pirata então se virou de volta para o misterioso indivíduo, reflexões terminadas, e respondeu:

    -Esta região está apenas á alguns momentos de um desastre. Não por causa de algo simples como esta guerra ou a destruição de alguns planetas, mas um desastre real e irreversível – Ele parou para ter certeza se o homem estava prestando atenção, e então continuou – Eu encontrei corrupção em todos os locais em que eu fui. Em cada planeta que eu visitei havia pelo menos um agente disfarçado, manipulando governos e se infiltrando em cada organização. Em cada dez navios que minha frota destruiu ou saqueou, pelo menos um estava levando tecnologia deles. Quanto mais membros desta organização de bastardos eu consigo assassinar, mais eu descubro escondidos em outro canto do Círculo, já fugindo para cantos que eu não consigo alcançar.

    Ele fechou seu punho esquerdo e o bateu contra a mesa, desta vez ele obedeceu perfeitamente os desejos de seu dono.

    -E quando estes não estão atrapalhando minha vida, a própria humanidade parece estar contra mim. Todas as outras e planetas da Garganta parecem ter me percebido como maior ameaça. Eu já vi navios inimigos parando de lutar entre si para se juntarem contra mim no momento em que percebem minha presença e a dos meus piratas, meus próprios tripulantes estão constantemente tramando contra mim, eu consigo controlá-los, mas ainda é um inconveniente. Até mesmo grupos que eu nem sabia que existiam estão tentando me matar apenas para ver se conseguem. –Staunen então levantou seu membro metálico, mostrando o resultado de uma destas tentativas. – E isto é o que eu tenho a dizer sobre esta região.

    -Teatralidades demais, fatos de menos – Disse o homem calmamente enquanto terminava mais anotações.

    -Todos os meus fatos e detalhes estão anotados em documentos dentro de minha mesa, que eu sei que você já furtou enquanto entrava. Eu apenas lhe dei minha opinião emocional e humana, o que a organização queria ao perguntar pessoalmente.

    -Eu posso ver que você continua astuto, mas ainda foi teatral demais.

    Staunen balançou os ombros – Eu sou um pirata, já estou acostumado.

    O homem então virou uma página de seu bloco de anotações. – E o que você pretende fazer agora? A organização não pode te dar ajuda neste momento.

    Desta vez lorde Staunen não precisou pensar, ele já havia feito um plano há anos. – Eu vou fazer o mesmo que eu estou fazendo agora, eu vou usar piratas para controlar esta região. Frotas inteiras de bandidos semi-anáquicos espalhados pela Garganta de Hermes, sendo controlados por mim e outros membros da organização. Se eu conseguir controlar este caos, eu vou ter um exército corrupto demais para ser subvertido por agentes inimigos, vou criar um grupo que pode agir fora dos limites de qualquer lei e das correntes da política, eu poderei agir fora dos limites de qualquer lei e das correntes da política, eu poderei agir em qualquer local e destruir qualquer inimigo. E quando a corrupção for eliminada, eu vou me retirar e, sem nenhuma liderança o império pirata vai se desfazer.

    -Eu vou ter de pedir por detalhes exatos depois, mas pelo o que eu posso ver, este plano vai envolver a morte de inúmeras pessoas, irá deixar uma grande parte da região sob o controle de bandidos que, pelo o que eu posso prever, irão cometer diversos outros crimes graves mesmo que sob a sua liderança. Eu não digo que este plano dará errado, você já provou merecer a confiança da organização, mas eu teria certeza se este plano não irá danificar sua consciência.

    Staunen ficou em silêncio novamente e, mais uma vez, olhou através da janela. A visão de milhares de estrelas no meio da escuridão lhe era reconfortante, lhe fazendo se sentir em seu lar com sua família. Ele não olhou de volta para trás, ele sabia que o homem já tinha todas as informações necessárias por enquanto e ele já teria desaparecido, seus rastros de névoa já preenchiam a sala – Efeito de uma tecnologia não conhecida pelas civilizações humanas.

    Ele pensou no que vira nos últimos dois anos, na influência crescente do Polvo – Uma organização ainda mais antiga que o Círculo Delta.  

    Ele sabia que se não fizesse nada, a Garganta estaria sob o domínio deles, e então o Círculo, e logo estariam todas as outras galáxias já colonizadas. Ele sabia o que ocorreria então.

    Staunen pensou em sua família, em algum local daquele mar estrelado.

    Foi então decidido, o lorde continuaria com seu plano, não importa quantos tentassem lhe impedir ou quantas pessoas precisassem ser mortas, mesmo que por sua própria espada.

    Afinal de contas, ele era um pirata, ele já estava acostumado.


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    Não apenas navios foram construídos para flutuarem pelo Éter. Havia os portos lunares, grupo de edifícios e sistemas mecânicos que permitiam que pessoas pudessem habitar alguma lua, satélite ou outro corpo celeste, permitindo também fácil acesso ao planeta mais próximo.

    Um destes portos era a fortaleza de Deimos, uma série de edifícios militares construídos em um grande meteoro, a fortaleza era uma peça essencial na guerra que estava ocorrendo.

    Algumas batalhas haviam sido travadas para se conquistar o controle de Deimos, mas, mesmo que em estado desgastado, ainda pertencia à organização dos Filhos de Ares, auto intitulados “defensores da humanidade”.

    “Então como podemos ser tão desumanos?” perguntava Jonas para si mesmo.

     Todos os líderes naquela fortaleza se encontravam em uma grande e circular sala de guerra, sentados á uma mesa de mesma forma. Quadros e mapas se encontravam espalhados pelo local, assim como cartas e livros escritos por grandes generais do passado. Naquela reunião, todos os presentes estavam tentando analisar a situação e decidir os próximos passos naquele conflito, e sofrendo com a dificuldade de se fazer qualquer plano viável e com as falhas que eles encontravam em todos os seus prospectos. Mas, apesar das grandes perdas que haviam sofrido em batalhas recentes, os Filhos ainda eram a maior força militar na Garganta, e estavam tomando cuidado para que continuassem assim.

    O comandante-maior Jonas era o único de pé, andando ao redor da mesa com passos lentos e vagarosos enquanto ele fingia estar ouvindo as sugestões e estratégias que os outros homens lhe falavam.

    -Vamos enviar uma força principal por aqui, vamos chamar a atenção da União enquanto alguns navios menores atacam pelos flancos. – Um deles disse enquanto apontava para algumas figuras vermelhas em um mapa estrelado.

    Todos ficaram em silêncio em seguida, alguns observando o comandante Jonas de forma quase esperançosa, este continuou andando em voltas, braços atrás de suas costas e tentando manter a expressão pensativa.

    -Nunca dará certo, você precisa estar em maior número para poder flanquear alguém – Disse um dos homens á mesa, que tinha já cabelos brancos crescendo em sua barba – Nós poderíamos simplesmente colocar alguns encouraçados em torno deste campo de detritos, qualquer grupo que tentar passar vai ter de se concentrar em caminhos onde podemos derrubar todos, enquanto o resto de nossas forças pode vigiar as forças usadas.

    Novamente todos procuraram pela resposta do Comandante-maior. Ele se apoiou sobre a mesa, observando todas as figuras coloridas sobre o mapa, representando todos os grupos maiores que lutavam naquela guerra: Os Filhos de Ares, que queriam tomar controle de toda a tecnologia do povo conhecido como Ezalar encontrada na Garganta; A União Hominae que queria manter controle da região e manter relações diplomáticas com os Ezalar; os Cavaleiros Hospitalários que queriam simplesmente aproveitar o conflito para conseguir territórios; e então havia os piratas, que aparentemente só queriam derramar mais sangue.

    Jonas não sabia por que ele estava havia, ele nunca fora bom em estratégias de larga escala, seu talento estava em comandar esquadrões no próprio campo de batalha. Comandante-maior sequer era um posto de verdade, era apenas algo que seus superiores inventaram para que ele pudesse ficar em comando enquanto Yoshua estava ocupado com alguma missão. Jonas tinha conseguido certa fama na organização dos filhos, mas ele não tinha motivo real para estar lá. Ele tinha suas razões para estar na organização, mas ele não tinha mais certeza se eram motivos válidos.

    -E por que os bastardos de branco iriam tentar passar por ali? – Um terceiro homem dissera, interrompendo o silêncio - E como deixaríamos qualquer navio nesta posição? Os piratas de Staunen cortaram todas as passagens e destruíram todos os rádios.

    -Não, ele mudou toda a frota principal para esta região. Mandamos um encouraçado qualquer antes dos outros e limpamos todo o caminho.  

    Neste momento o comandante-maior decidiu participar da discussão. Ele sabia que se fizesse algumas perguntas em qualquer momento, as pessoas pensariam que ele entendia melhor do assunto do que era verdade. – E por que ele faria uma coisa dessas? Na me parece útil desistir de um local estratégico apenas para poder ocupar um local quase vazio.

    -Me desculpe senhor, mas não podemos esperar qualquer lógica de alguém insano.

    -Insano? Eu já o vi fazendo várias coisas espertas nesses anos, e a não ser que nossos cientistas tenham se reunido e mudado a definição de loucura durante o meu ultimo cochilo, não é o tipo de coisa que pessoas insanas façam. – Ele aproximou o rosto do mapa, e então encostou um dedo em uma figura de um crustáceo – Há um titã nesta região? Aqueles pássaros de armadura costumam adora-los, é possível que eles tenham construído algumas bases por perto e o lorde louco tenha decidido que saquear o local seria um uso melhor do seu tempo.

    -Me desculpe novamente senhor, mas nossos registros mostram que ele tem o hábito de se mover para regiões aleatórias sem nenhum motivo real, é apenas algo que ele faz. É melhor o ignorarmos por enquanto e no concentrarmos em nossos inimigos da União.

    -Muito bem. Vocês vão reunir nossos encouraçados, enchê-los de suprimentos até não haver mais espaço – Jonas então pegou algumas figuras de navios e as moveu para o meio das figuras brancas que representavam a União Hominae. – e estes vão abrir caminho para o centro das forças inimigas. Eles vão resistir por ali o máximo de tempo possível, vamos mandar mais suprimentos se necessário. Quando nós tivermos causado caos e desgastado as tropas o bastante, nós mandamos mais navios, vencemos esta guerra e então tiramos alguns anos de folga.

    Todos os outros homens pararam e encararam o comandante, pensando em como responder aquilo, se deveriam criticar o plano ou simplesmente concordar em silêncio.

    -Isto foi uma ordem. Comecem a preparar tudo, estejam prontos dentro de 20 horas. – Jonas então se virou e andou calmamente para fora da sala.

    Mesmo ele sabia que aquele era um plano ruim. Ele sabia que seria que eles não tinham nenhum jeito de manter esta estratégia, e que com alguma sorte eles perderiam apenas metade de seus encouraçados no processo. Mas o comandante-maior sabia que levaria algumas horas até realizarem todas as preparações, tempo o bastante até ele ou alguém realmente competente pensar em um plano melhor.

    Até lá, ele teria tempo o bastante para pensar. Era algo que ele fazia muito naqueles últimos dias, eram pensamentos desconfortáveis, mas ainda sim ele queria passar algum tempo apenas olhando para um copo cheio de alguma bebida e pensando.

    Ele caminhava pelos corredores de pedra de Deimos, ele passou por vários outros membros dos Filhos, todos vestidos com o uniforme, uma jaqueta de algum tom de vermelho com placas de metal presas á diversas partes dela, e na região do coração estava o símbolo da organização: Uma espada de metal cinzenta quebrada em pedaços. Todas as pessoas pareciam preocupadas ou melancólicas, mas ainda concentradas em seus trabalho e rotinas.

    Todos os edifícios e pequenas ruas foram construídos diretamente por cima do meteoro, enquanto uma muralha inscrita com diversas runas tempestuosas mantinha a atmosfera local, os grandes ventos e nuvens causadas pelas letras sobrenaturais preenchendo o local com ar e a ocasional chuva.

    Por um momento ele pensou em ir para seus aposentos, uma cabana própria em um dos cantos da fortaleza, mas o pequeno porto que existia em Deimos parecia um local mais interessante, o local era geralmente calmo e o som das ondas do lago era agradável.

    O porto estava parcialmente iluminado e repleto de detritos da ultima batalha, os restos do antigo bar que havia por ali e balas de canhão semi-enterradas na pedra cinzenta. Apenas navios flutuando no lago artificial podiam ser vistos e o silêncio era quase absoluto, Jonas aproveitou para ficar de pé em uma das docas de madeira e começou a observar as estrelas, elas o faziam se sentir confortável, como se ele estivesse longe de tudo e onde ninguém poderia sofre com seus erros.

    Um som então chamou a atenção, de algo se movendo bruscamente na água e alguém se esforçando para levantar alguma coisa pesada. O comandante tentou ignorar o que estava acontecendo, não era alguém sutil demais para ser um invasor e não era barulhento o bastante para ser alguém se afogando ou brigando, ele imaginou ser algum recruta trabalhando além do horário normal.

    Mas os sons continuaram, o indivíduo parecia estar tendo problemas para lidar com aquele objeto e parava regularmente para descansar. Após o que pareceu serem vinte minutos Jonas decidiu tentar ajudar, um pouco por caridade e um pouco por irritação.

    -Você precisa de ajuda? Eu não tenho nada de importante para fazer agora – Jonas disse enquanto andava pelo cais escuro. Ele não ouviu uma resposta, mas ele pôde ver o vulto de uma pessoa se abaixando e tentando se esconder, e falhando. O comandante retirou uma vareta de plástico de um de seus bolsos e a dobrou ao meio, fazendo com que luz surgisse dela e iluminando tudo ao redor. Ele viu um homem abaixado e com os braços por cima de sua cabeça como se ele estivesse tentando se proteger de algo. Ele vestia um longo casaco marrom e um chapéu de três pontas, nada que um soldado dos Filhos de Ares teria permissão de usar naquela fortaleza. Algumas folhas surgiam de sua testa, mostrando que ele era um Hominae Flora, membro de uma das várias espécies que haviam se originado da espécie humana.

    -Espere, eu te conheço, você é um daqueles bucaneiros... O... - Jonas disse, tentando se lembrar do nome daquele homem, ele também percebeu uma canoa etérea amarrada ao cais e várias grandes na embarcação e próxima á ela, provavelmente os objetos que ele podia ouvir sendo arrastados.

    O homem, reconhecendo aquele que o achara se levantou e tentou se ajeitar – Eli Aros, prazer o meu. Você deve ser o comandante Jonas de quem eu ouvi falar. O que você faz andando por aqui quando todos os outros já estão dormindo.

    -Apenas procurando por um pouco de ar fresco. Agora finja que eu fiz esta mesma pergunta para você.

    Eli parou um pouco antes de perguntar – Não é óbvio? Eu estou preparando a canoa para o capitão de meu navio. Esta ultima batalha o deixou um pouco temeroso pela vida e ele quer sair daqui o mais rápido possível. Eu, sendo a vítima de todas as suas tiranias, tive de preparar a canoa para ele.

    -Isto foi bastante estupidez por parte dele. Ele tem permissão para sair daqui quando quiser, ele só precisava pedir e poderíamos arranjar alguns recrutas para preparar o navio para ele... – Jonas então percebeu algo, e se sentiu um ignorante por ter demorado tanto tempo – Não, você está fugindo.

    O senhor Aros se assustou, ele conseguiu evitar entrar em pânico e tentou pensar em algo para sair daquela situação, esperando que o soldado dos Filhos tentasse atirar nele a qualquer momento.

    Jonas apenas continuou parado e voltou a falar

    -Eu entendo você levar apenas uma canoa, ela é pequena e poucas pessoas vão percebê-lo. Mas por que levar tantas malas que você mal consegue
levantar?

    Após aquele momento de confusão, Eli tentou se recompor e responder calmamente, se ele seria pego pelo menos ele tentaria manter o que restava de sua dignidade.

    -Eu vou tentar fugir para o mais longe possível antes de parar em qualquer local, para que minha tripulação tenha mais dificuldade em me encontrar, e para isto eu preciso de bastantes suprimentos. Eu planejava tentar recomeçar minha carreira em algum outro local, e eu precisava de alguns outros objetos para facilitar tudo...

    -Por quê?

    -Bem... Por que eu poderia precisar de dinheiro, algum método de comunicação ou...

    -Não, eu quero saber por que você, Eli Aros, está fugindo de sua tripulação mesmo sabendo que você poderia ser pego e punido por tentativa de deserção? – Jonas já havia falado da tripulação de bucaneiros que Yoshua havia contratado para servir aos Filhos de Ares, ele havia visto Eli entre eles ocasionalmente, e sabia também que eles haviam sido de grande ajuda no combate as lordes piratas envolvidos naquela guerra.

    -Quer que eu responda sinceramente? Por que eu odeio á todos eles, eles são as pessoas mais desumanas, cruéis, tirânicas, gananciosas e violentas com quem eu já tive o desprazer de trabalhar. Nossa tripulação é composta de monstros e nosso capitão é o pior de todos, ele iria preferir me matar a me deixar sair livremente, e eu não quero que ele tenha este prazer. – Neste momento Eli tinha certeza de que o Filho de Ares ia tentar matá-lo naquele exato momento, ele se perguntava se poderia tentar lutar ou pelo menos correr para algum local seguro. As respostas que ele conseguia não eram agradáveis.

    -Eu acredito que meu dever seja te impedir.

    -É provável que sim. – Ele já estava pensando em alguma rota de fuga, e falhou.  

    -A única forma de eu não fazer isto seria se eu morresse. – Jonas retirou a pistola do coldre em seu cinto, Eli fechou seus olhos enquanto esperava pelo golpe. Para sua surpresa ele ouviu o som do objeto caindo na madeira, e quando abriu os olhos ele viu a pistola jogada aos seus pés.

    -É a única forma – Jonas disse.

    Eli pensou no que estava acontecendo, provavelmente era alguma piada estranha dos Filhos de Ares, onde eles dariam aos seus inimigos alguma forma de se defender, apenas para poder rir de suas tentativas falhas quando eles estiverem mortos. Mas então ele viu esperança nos olhos do capitão, ele realmente esperava que o Hominae Flora atirasse nele para poder fugir, como se isto fosse de alguma forma libertador.

    -Heh, isto nunca daria certo – Eli disse enquanto chutava a arma de volta para o comandante – Eu ouvi os comentários, você é certamente bem conhecido neste local. Se eu te mato, eu terei dúzias de soldados de vermelho e bem armados atrás de mim. Seria mais útil se eu atirasse em mim mesmo.

    O bucaneiro Aros voltou a arrastar as suas malas para a canoa, enquanto Jonas permanecia no mesmo local, em silêncio e com uma expressão um neutra em sua face. Ao terminar, Eli desfez o nó que prendia a canoa ao cais e entrou nele, enquanto o seu veículo começara a flutuar para longe. Ele olhou para trás, vendo o comandante de vermelho ainda parado no mesmo local, ainda olhando para a arma.

    -Eu provavelmente vou me arrepender disto. – Ele disse antes de pular de volta para o caís. Ele se aproximou do capitão e então colocou uma folha de papel em suas mãos.

    -O que você está fazendo?

    -Eu estou te dando uma escolha. Eu estou te dando uma oportunidade para fazer algo que não seja tentar fazer outras pessoas atirarem em você o andar a esmo por aí. Neste papel está anotado o endereço de um porto, onde eles ajudam pessoas a arranjarem trabalho em tripulações. Quando você inevitavelmente se cansar deste local, procure por ele, talvez você tenha jeito para isto. – Eli disse antes de correr de volta para a canoa que e afastava e pular de volta para ela.

    Jonas observou a canoa flutuar até os limites do lago, um pouco além das paredes da muralha, quando ela começou a flutuar no Éter e se afastou para o espaço, tendo algum local muito distante como destino, ou talvez sequer tendo um destino.

    Ele olhou para o endereço e o guardou cuidadosamente em seu casaco, e começou a andar de volta para seus aposentos, ainda pensando e refletindo, mas desta vez sobre coisas agradáveis. Ele imaginava como seria a vida de um viajante do Éter, longe de qualquer guerra e longe de qualquer exército.

    Ele não iria sair da organização dos Filhos, ele ainda não estava pronto, mas agora ele poderia alimentar alguma esperança em seu tempo livre, talvez ele pudesse até chegar ser capitão de seu próprio navio. As possibilidades eram muitas, e talvez sua vida pudesse ser mais segura.

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Sir Nemo
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Re: Através do Éter - Ato I - Correntes

Mensagem por Sir Nemo » 21 Jan 2014, 16:10

Capítulo 1 - Respirando
-Ano de 250-
 
O capitão Jonas - sobrenome não existente - em momentos futuros se perguntaria por que, em meio aquela situação, ele só conseguia pensar na maldita coceira em seus olhos.

A situação por sua vez era o capitão de pé na borda de seu navio de mãos amarradas, parte de sua tripulação esperando pelo momento em que ele iria ser atirado para o mar de Éter enquanto seu segundo em comando exibia os óculos de proteção de Jonas para esta mesma tripulação.

-Aqui está a coroa de nosso rei, derrubado pelos pobres aldeões que ele tanto abusava do alto de sua torre dourada – Dizia Mernenger em tom de escárnio, erguendo os óculos á vista de todos. Era um item que o capitão usava constantemente quando fora de seu navio, o Robalo.

 A tripulação, formada principalmente de seres humanos de variados sexos e etnias, se reunia em um meio círculo em frente à Mernenger, alguns agitados e batendo palmas, outros vaiando o capitão Jonas, enquanto um grupo menor permanecia em silêncio e observando tudo enquanto o segundo em comando do Robalo e organizador do motim continuava seu discurso.

Jonas fez questão de tentar memorizar a face de cada pessoa e cada grupo a que eles pertenciam, para o caso dele de alguma forma improvável sobreviver aquele dia.

Fora a falta de seus óculos ele estava à imagem clássica que qualquer um que conhecesse o Robalo tinha do capitão, sua camisa de lã amarela escura, suas calças marrons e botas negras, seu casaco longo de um azul escuro e seu quepe de mesma cor com aba negra e longa - forçado em sua cabeça de forma que quase bloqueava sua visão. Ele fechou os olhos com força, pois o vento da proa estava aumentando e as runas que mantinham a atmosfera ao navio começavam a produzir pequenos relâmpagos que atravessavam o ar. Este evento estava muito longe de ser mortal, mas os relâmpagos ardiam consideravelmente quando atingiam alguém.  

-E assim, por seus inúmeros crimes contra o grande, mas humilde povo, vossa senhoria aqui presente é condenado ao exílio. Como o planeta mais próximo está distante e não queremos desperdiçar tempo de pessoas tão importantes quanto vocês, ele será exilado para o mar de Éter, onde por um imprevisto infortúnio ele irá sufocar. – Mernenger se virou para o capitão, que se equilibrava na borda do navio de madeira marrom clara. – A não ser que ele tenha alguma mutação repentina ou efeito milagroso semelhante. Então, ex-capitão do Robalo, quais são suas ultimas palavras antes da execução, digo, exílio?

Jonas olhou para trás por um momento, vendo a imensidão escura repleta dos pequenos pontos brilhantes das estrelas, mas o que realmente o preocupava era o fato do Éter irritar ainda mais seus olhos do que a tempestade do Robalo. Ele se virou de volta para o líder do motim.

-Apenas uma coisa: por que vocês estão me executando, digo, exilando mesmo? Eu acho que caí no sono com o seu discurso.

-Eu vou simplificar a coisa para sua cabecinha - O tom de paródia desapareceu rapidamente de sua voz, sendo substituído por uma voz severa, mas baixa o bastante para o resto da tripulação não poder ouvir – Eu fiquei sabendo de um tesouro por perto e precisava do navio. Simples e rápido, não?

Antes que o agora exilado capitão pudesse dar outra resposta, Mernenger colocou o pé em seu peito e o empurrou, ele se sentiu saindo da pequena atmosfera da proa do navio e entrando no Éter, era uma sensação estranha: a pressão era bem maior sobre seu corpo, como se estivesse no meio da água, ele sentiu a substância preenchendo suas narinas e pulmões e o peso que ela causava. Enquanto o ar de dentro do Robalo tinha o costumeiro cheiro de suor, madeira velha e ozônio, o espaço tinha o distinto cheiro de absolutamente nada, como se o seu olfato houvesse desaparecido lentamente. Ele podia sentir á si mesmo sendo movido para trás com a força do empurrão, seu movimento agitando a substância por onde ele passava em pequenas ondas e as correntes desta começando a lhe levar para outra direção. Talvez ele pudesse simplesmente “nadar” de volta para seu navio se suas mãos não estivessem amarradas atrás de suas costas.

Enquanto ele era levado lentamente para longe de seu navio, Jonas pôde admirá-lo por um longo tempo. Se o Robalo fosse a última visão que ele teria, então a sua morte não seria tão desagradável.  

-----

    O ex-capitão Jonas - sobrenome ainda não existente - acordou repentinamente, a primeira coisa que ele pôde perceber era o chão frio e duro de pedra onde ele estava deitado, a segunda coisa era a presença de ar ao seu redor e todos os efeitos que ele tinha em seus sentidos. Ele abriu os olhos, e a terceira coisa que ele percebeu foi a criatura humanóide e escamosa em pé perto dele.

O ser tinha a forma básica de um Hominae Primus; dois braços, uma cabeça, duas pernas, dois olhos e a falta de qualquer rabo ou tentáculo. Sua pele escamosa era de um verde cinzento, sua postura era curvada, seus dedos terminavam em garras amareladas com membranas entre eles, sua cabeça era alongada e sem nariz, com várias presas afiadas expostas em sua boca, enquanto que seus olhos eram enormes e amarelos com pupilas finas como unhas. O ser humano tinha um casaco militar vermelho com pequenas placas de metal coladas, junto com um símbolo de metal do formato de uma espada quebrada em ambas as mangas.

Através da vestimenta daquela pessoa Jonas concluiu que estava em um navio dos Filhos de Ares. Ele continuou encarando a criatura por mais alguns segundos.

-Então, quando vão me servir para o jantar? – Disse o homem no chão.

A criatura continuou encarando o homem. Ele piscou os olhos, com alguns momentos de diferença entre cada um.

-Isso significaria um sim? – Disse ele novamente.

A criatura abriu e fechou a boca algumas vezes, fazendo um pequeno estalo em cada vez. Ela então virou a cabeça para o lado, olhando para um canto vazio do navio enquanto continuava a piscar de forma desordenada.

-Apenas não dê atenção para ele, dá para ver que você nunca viu um homem profundo antes. Ou Hominae Pisces se você quiser ser pedante – Disse um homem que chegara perto dos dois, erguendo uma mão para o homem deitado no chão. – Ótimos mergulhadores, péssimos em debates.

Percebendo que suas mãos estavam desamarradas, o ex-capitão segurou a mão do homem e se levantou. Logo em seguida ele colocou a mão em sua própria cabeça, vendo que seu quepe ainda estava com ele.

-Hei, eu acho que deveria agradecer a vocês pelo resgate e por não me alimentarem ao seu empregado. Meu nome é Jonas.

-Eu sei quem é você, servi sob o seu comando no Eremita durante a guerra. Pouco antes de você nos abandonar. Nós estávamos passando por aqui quando vimos seu corpo flutuando no espaço, o nosso mergulhador principal pegou o seu corpo para ver se tinha alguma de valor, e quando vimos você só estava dormindo.

-Foi uma viagem bem longa e eu não tinha o que ler. – Disse Jonas enquanto ajeitava suas roupas. – Mas eu agradeço por isto, eu provavelmente teria morrido de frio com mais algum tempo.

-Se me permite a pergunta, como você sobreviveu tanto tempo sem ar? Eu vi pessoas guardando a respiração por um bom tempo, mas isto já é exagero.  

O ex-capitão se abaixou e levantou a perna direita de sua calça, revelando uma planta em sua canela, logo acima de sua bota. A planta era de um laranja outonal, de várias flores vermelhas e caules retorcidos ao redor da perna, onde suas raízes entravam direto na carne.

-Erva do viajante, eu sempre deixo uma comigo para o caso de um vazamento no navio. – Ele disse. A planta fora criada á séculos por cientistas humanos, tendo a útil característica de permitir que o humano do qual ela estivesse se alimentando pudesse respirar Éter - O Mernenger esqueceu de me revistar quando começou o motim. Essa incompetência seria um bom motivo para me livrar dele mesmo se ele não tivesse tentado me matar.

-Você usa a planta o tempo todo? Quer dizer, você dorme com isto?

-Este hábito me salvou agora a pouco, eu não reclamaria.

Jonas cruzou seus braços e se virou para fora da proa, observando o espaço e suas estrelas. Enquanto isto, a criatura escamosa estava a tentar mastigar um pedaço da nau.

-Nós estamos indo em direção á um porto, podendo chegar até lá em alguns dias e não teríamos problemas em te dar abrigo até lá. Talvez você possa contatar algum parente ou amigo para te ajudar – Disse o homem da jaqueta de ferro.

-Vocês sabem o que aconteceu com meu navio?

-Nós vimos uns traços dele. Mas acho que eles teriam dificuldade em te aceitar de volta.

“Não os que ainda tem decência na cabeça, como o Eli e a Movna” pensou o homem de casaco azulado.

  -Esse é um navio dos Filhos, nós – Jonas parou um pouco antes de se corrigir – Vocês nunca andam por aí sem uma quantidade exagerada de armas. Eu sugiro que nós voltemos até o navio e o tomemos de volta.

-Eu tenho boas memórias do nosso tempo á seu serviço, mas isso é um favor grande demais. Nós desviaríamos nossas rotas demais, poderíamos levar dias, sem falar das possíveis perdas. Eu sugiro que você aproveite seu grande golpe de sorte, volte para seu planeta natal e volte a plantar milho.

O ex-capitão Jonas tirou seu quepe para refrescar a cabeça, agitando a vestimenta para tirar qualquer poeira que pudesse ter se acumulado em sua pequena viagem no espaço.

-20 caixas de carne de carne de cobra Etérea e duas toneladas de escamas do titã Qzloat. Era o que estávamos levando antes do “incidente” – Ele deu tempo para que o seu ex-camarada pudesse entender a quantidade de dinheiro envolvido – Se por algum outro milagre eu recuperasse o Robalo, você ficaria com nove décimos de tudo.

-Sabe, era isso que eu mais respeitava em você, fazendo idéias idiotas parecerem fantásticas

– Ele andou rapidamente em direção aos outros trabalhadores que estavam na proa naquele dia, inclusive o homem da profundeza, que agora estava parado em um canto olhando para os lados. – Reabasteçam as caldeiras, nós temos que mostrar á alguns viajantes nossa opinião sobre motins.

Eles se direcionaram aos seus postos de costume enquanto seu capitão adentrava no navio de pedra branca. O homem que planejava voltar a ser capitão do Robalo, que ainda não tinha sobrenome, ajeitou seu quepe cuidadosamente em sua cabeça, e voltou a observar o espaço. Ele então percebeu a ardência irritante que o Éter provocara em seus olhos, e gritou para trás:

-E quem matar o Mernenger, por favor, traga os meus malditos óculos.

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Sir Nemo
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Re: Através do Éter - Ato I - Correntes

Mensagem por Sir Nemo » 22 Jan 2014, 17:47

Capítulo 2 - Mudanças de Destino
-Duas Semanas Depois-

Elijah não era um advogado, juiz, psicólogo, sociólogo ou um político, seu papel era apenas falar com pedaços inanimados de pessoas já não existentes e produzir produtos químicos instáveis, mas ele não podia evitar refletir sobre a forma como criminosos eram tratados em seu planeta:

  Aqueles sob pena de morte viviam em prisões de ótimas condições, e geralmente eram bem tratados até os seus momentos finais. Mas pessoas que voltariam à sociedade viviam em prisões mal desenvolvidas e sem respeito aos seus habitantes.

  Elijah Tanoya não era de uma função importante ou sequer tinha uma visão completa da situação, mas ele sabia que era por motivos como estes e vários outros que ele realmente odiava seu planeta, Elysium. E talvez fosse este ódio que o levou á parar em uma cela limpa, bem iluminada e confortável em um porto-lunar á centenas de milhares de quilômetros deste mesmo planeta.

  O humano estava sentado em sua cama feita de uma planta semelhante ao bambu, em suas mãos havia folhas de papel e uma pena com os quais ele anotava partituras. Era uma tentativa de tentar representar em algumas páginas todas as músicas que ele já havia apreciado em sua vida, para que pudessem ser jogadas ao espaço junto com seu corpo. Ele podia pedir para que os senhores daquela prisão arranjassem as partituras antes de sua execução, seriam muito mais exatas e mais práticas do que as folhas manchadas e imprecisas que ele havia feito. Mas era a melhor forma que Tanoya arranjara para passar o tempo e parar de pensar nos dias exatos que faltavam para a morte.

  Dois visitantes, eles querem os seus segredos. Todos querem.

     Elijah olhou para o lado, através das duas paredes de metal transparente que o separava do resto daquela prisão. Os corredores brancos estavam vazios exceto por duas figuras que se aproximavam.

  Eles não deviam estar aqui. VOCÊ não deveria estar aqui.

  Ele largou os objetos e se levantou, ficando de frente á entrada de sua cela com os braços cruzados. Assim como outros membros de sua espécie humana, Tanoya era alto, mas magrelo, suas mãos terminavam em garras pontudas de osso, enquanto os longos dedos de seus pés se dobravam como se fossem mãos, seus olhos eram da cor do bronze, seu nariz era triangular e puxado para cima, enquanto que suas orelhas eram inexistentes e seus cabelos eram pretos. Ele se vestia com o os trajes azuis de todo prisioneiro, junto com várias pequenas pedras amareladas presas em seu cabelo encaracolado.

Os dois visitantes pararam em frente às portas, e lá ficaram por vários instantes antes que estas se abrissem com um pequeno assobio mecânico. O homem e a mulher entraram - ambos Hominae Primus - e o primeiro falou.

-“Tanoya Ossos-Falantes”? Nós precisamos conversar sobre um antigo companheiro de cela seu. – Ele disse enquanto a mulher continuou em silêncio.

    INTRUSOS. DOR. VOCÊ OS TIRA DO CAMINHO. SANGUE. E ENTÃO LIBERDADE.

    -Quem? – Respondeu o prisioneiro.

    -Mernenger. Você o conheceu, alto, tatuagem de serpente na orelha e um fedor horrível. – Disse o homem.

-Não, eu perguntei quem são vocês. Eu não estou aqui para fazer biografias de ex-conhecidos para qualquer um que entre.

-Bem, eu sou Jacó e esta é minha associada Elisa. Nós trabalhamos para um dos grandes comerciantes do Éter. Nós tememos que Mernenger tenha divido informações demais em seu tempo nesta penitenciara e viemos falar com você para saber o número de informações que vazaram. – Ele disse rapidamente, ajeitando o seu quepe enquanto falava.

MENTIRAS. TRAPACEIROS. CORTE A LINGUA DE CADA UM DELES.

O homem era de uma estatura um pouco mais baixa que a de Elijah e quase tão magro quanto, mas o grande casaco azul que ele vestia lhe fazia parecer maior. Ele era uma pessoa de pele marrom escura, que lhe lembrava da terra de seu planeta logo depois de uma chuva, os fios de cabelo que apareciam por baixo do quepe eram de um marrom mais claro, seus olhos eram tampados pelos óculos de proteção que ele usava, mas o prisioneiro podia adivinhar a cor deles.

A mulher por sua vez era da mesma altura que o homem, mas mais larga. Ela vestia um longo poncho cor de areia marcado por várias listras laranja e uma larga faixa semelhante ao redor da cintura, ela tinha cabelos rubros soltos, com uma trança perto de sua orelha direita. Naquela situação Tanoya não havia percebido, mas ela possuía uma tatuagem de uma lua crescente envolvendo seu olho esquerdo.

    -Vocês estão mentindo. – Disse o prisioneiro. –E este sequer é o seu nome.

    Elijah viu a surpresa se formando no rosto do homem que se alto intitulava Jacó. Ele então pareceu relaxar um pouco, formando um pequeno sorriso enquanto respondia:

   -E como você percebeu?

   “Eles me contaram” era o que Elijah gostaria de ter falado. Mas a experiência de vida rapidamente o levou a formar outra explicação. – Sua resposta me pareceu decorada demais, vocês não se vestem como negociantes e o que vocês disseram contradiz o que Mernenger me disse. Você deve ser o comandante Jonas.

O capitão se virou brevemente para a mulher. – Eu disse que era um plano ruim. Eu sei que fui eu que o fiz, mas desde o começo eu sabia que ele ia falhar. – Ele se virou para o senhor Tanoya – Quase, eu sou apenas um capitão agora. Agora que a farsa acabou, nós podemos voltar a nossa discussão?

Sem guardas, sem nenhum aviso, eles são invasores, eles vão pegar o que querem e então cortar sua garganta.

     A resposta de Elijah foi tentar derrubar Jonas com um soco em seu nariz, derruba-lo no chão e correr procurando ajuda. A resposta que o prisioneiro recebeu foi, por sua vez, ter seu braço agarrado durante o golpe; seu estômago, nariz e garganta foram atingidos rapidamente em sucessão pelo cotovelo da mulher.        

Quando ele percebeu, estava no chão se encolhendo com múltiplas dores pelo corpo e com uma bota pressionando seu ombro.  

-Desculpe. Você pode não ter percebido pela falta do capacete ridículo, mas Movna é uma Agnae, e você sabe como eles podem ser um pouco agressivos. – Disse o capitão do Robalo. A mente de Tanoya ainda estava confusa com os golpes e a sua queda, mas ele pôde ver a mulher retirando o quepe do capitão e batendo-o contra a cabeça dele antes de devolver o objeto.

    -Está bem, o capacete não é tão feio assim. Satisfeita? – Voltou a falar Jonas enquanto ajeitava o chapéu de volta em sua cabeça, antes de se agachar ao lado do prisioneiro e lhe oferecer uma mão, enquanto Movna retirava o seu pé de cima deste, mas ainda mantendo um olhar atento aos seus movimentos. – Mas como eu dizia: se continuarmos deste jeito vamos acabar com alguém morto. Eu tive que atirar na cabeça do meu melhor amigo faz apenas alguns dias, e mais violência não está no topo da minha lista de desejos. Que tal apenas trocarmos informações e eu sumo daqui como um fantasma?

Imbecil, sua pressa quase nos derrotou. Não há para onde fugir.  Se eles chegaram aqui todas as saídas devem estar guardadas. Você precisa de alguma garantia de que não vão te executar no momento em que der o que querem. Você precisa se tornar uma dependência para ter mais tempo.

   Fingindo ainda estar atordoado, Elijah formulou um plano, baseado em uma das várias idéias que ele tivera para fugir daquela prisão. Ele segurou a mão de Jonas, com cuidado para não incitar outro ataque da Agnae, e se levantou.

-Procuram pela Pegada de Aquiles? – Ele disse, e logo antes de ser questionado ele respondeu a dúvida dos dois – O “tesouro” do qual eu falei com Mernenger. É a único motivo pelo qual alguém viria me procurar.

   -Uma pegada? Eu não tenho certeza se isso seria bem um...

   -“Pegada” é uma marca que os Ezalar deixam em planetas que eles habitam. Algum grupo deles deve ter deixado algo de valioso em algum ponto antes de viajarem para outro - Disse Movna, interrompendo Jonas.

   -Certo. E você sabe onde encontrar esta... Pegada?

  -Exatamente. – Disse o senhor Tanoya.

  -Quanto mais rápido você puder nos contar, melhor.

  -Eu sei como chegar lá. Mas não sei o local.

  Capitão Jonas apenas o encarou, como se exigindo por uma resposta que fizesse sentido. O homem sem orelhas tentou dar esta resposta;

  -Eu reconheço o planeta, eu reconheço o caminho, mas não sei sua localização num mapa e nem como explicar o meu caminho exatamente sem ver ele.  Vocês iriam precisar de mim em pessoa para chegar até lá rapidamente. E infelizmente, como perceberam, eu estou preso aqui.

  Severas falhas em seu plano, mas talvez funcione.

  O homem de olhos protegidos continuou encarando o prisioneiro. Desta vez seu rosto exigia por uma resposta que não implicasse em levar um homem condenado a morte para dentro de seu navio e usa-lo como guia. Ele se virou para Movna:

  -Eu preciso falar de algo em particular.

  Os dois andaram até as portas transparentes, esperando que elas se abrissem para se afastarem mais alguns metros. Enquanto as portas se fechavam, o prisioneiro se sentou na cama e observou os visitantes, que estavam de costas para a sua cela. Eles falavam em sussurros e normalmente a porta iria impedir que alguém pudesse compreender o que falavam, mas a espécie de Elijah - Hominae Chiros - era provida de uma audição aguçada. Ele ficou atento á conversa, enquanto formulava mais planos para os possíveis infortúnios que poderiam acontecer em seguida.

  -Nosso prisioneiro condenado à morte é confiável? – Disse Jonas, dando ênfase em “condenado”, sabendo que a resposta seria óbvia.

  -Pouco. Ele olha constantemente para os lados, como se estivesse escutando outra pessoa. Suspeito de insanidade. Explicaria várias coisas.  – O prisioneiro quase pulou de sua cama, ela percebia muito mais do que aparentava, ele teria de ser mais cuidadoso.

  -Alguém não mentalmente estável sendo parte de nossa tripulação? Isto é novo. – O capitão do Robalo disse sarcasticamente - Mas ele está falando a verdade? É provável que ele tenha dito isto apenas para tirarmos ele daqui.

   A mulher com uma lua bronze em seu rosto ficou silenciosa por um tempo. Tanoya não podia ver seu rosto, mas sabia que ela refletia seriamente sobre o assunto. – Importa? Ele sabe onde está à pegada de Aquiles, foi ele que comentou com Mernenger. Ele pode nos levar até onde queremos.

   -Mas ele é um assassino. Eu não quero pesar minha consciência deixando um condenado – Ele deu ênfase novamente na palavra – onde ele possa matar alguém de meu navio ou de qualquer outro local galáxia apenas por que eu quis um pouco de dinheiro.

   -Vi a descrição dele quando entramos. Já trabalhei em navios com pessoas definitivamente mais perigosas. Se eu estiver lá, ele não vai trazer perigo para ninguém no Robalo.  E ainda poderemos trazê-lo de volta para cá após tudo. – Ela cruzou seus braços por baixo do poncho – E você não está aqui apenas por dinheiro. Conheço você tempo o bastante para saber que--

   Antes que Jonas respondesse, um ruído surgiu de seu casaco, ele colocou a mão em um de seus bolsos e dele retirou um pequeno rádio metálico, do tamanho da palma de sua mão. Uma voz surgiu entre a estática.

-É melhor pararem de apreciar a paisagem. Algum espertinho já está destravando as portas – Disse uma voz velha e irritada.

Jonas colocou o rádio de volta em seu bolso e andou apressadamente de volta á cela, seguido pela Agnae.

   -Elijah Tanoya. Nós vamos embora, você vem conosco. Sim, estamos fugindo daqui. Você nos leva ao tesouro, nós te damos um tempo longe da cela. Não, não vamos te chamar de Eli, já temos um destes conosco. – Ele disse assim que as portas se abriram.

Jonas imediatamente se virou e saiu correndo pelos corredores antes que as portas pudessem se fechar novamente. O Chiros não reagiu, confuso com o que aconteceu.

  -Ou fique aqui. Não podemos te obrigar a nada. – Movna disse antes de seguir o mesmo que o capitão do Robalo, mas andando mais devagar.

  Elijah não precisou pensar muito. Seu ódio por aquele local era maior do que a desconfiança que sentia daquelas pessoas. Ele pensou alguns momentos em levar algum objeto importante, mas ele abandonou a idéia, nada ali era mais importante para ele do que voltar ao Éter alguns segundos mais cedo.

  IDIOTA! O DRAGÃO ABRE CAMINHO PARA SUA CAVERNA E VOCÊ SEGUE?

  Ele se levantou e seguiu a Agnae. Eles passaram por corredores brancos bem iluminados, escadas que subiam em espiral e portas de alta segurança. E por todo o caminho havia portas de metal transparente e funcionários daquela prisão tentando passar por elas. Todas se recusavam a abrir, mesmo sob os golpes frustrados dos guardas, exceto aquelas portas específicas que levavam da cela do Chiros até a saída. Os poucos guardas que estavam no caminho agora estavam desacordados no chão, o prisioneiro imaginou que fosse trabalho da ruiva.

  E em pouco tempo, a saída. Duas grandes portas e uma sala separavam os corredores da prisão do lado de fora, onde havia o grande espaço repleto de Éter. De fora se podia ver a luz das estrelas, a escuridão entre elas e um planeta vermelho distante. Mais próximo estava um navio de madeira flutuando paralelo á prisão-lunar a meio-quilômetro de distância, onde a gravidade gerada pelo giroscópio daquele edifício não o afetava. Uma âncora e uma corda de metal ligavam o Robalo á prisão conhecida como Arcádia.

  -Tanoy? Não, este apelido não vai dar. Nós vamos ter que colocar uma erva-do-viajante em você até voltarmos ao navio. –Disse Jonas, em frente às portas.

  -Não precisa se dar ao trabalho. Minha espécie consegue segurar a respiração por um bom tempo.

 Entre as duas portas havia uma pequena sala. Nela um homem baixo, um pouco obeso e com um galho crescendo de sua cabeça conversava com o funcionário responsável por receber e inspecionar visitantes, enquanto que um homem idoso ao lado dos dois esperava impacientemente.

 -Você não lembra de nosso navio, não lembra de nossos rostos e muito menos de nossos nomes – O prisioneiro pôde ouvir o homem obeso falando enquanto entregava um envelope fechado para o funcionário.

 -Eu definitivamente não sei do que está falando – O guarda respondeu com um sorriso.

 -Exatamente. E você só vai se lembrar de que os invasores eram terroristas ou outro grupo ameaçando a nobreza. E dê lembranças à família.

 Quando os três puderam entrar naquela pequena sala intermediária, o capitão se dirigiu ao homem com a planta em sua cabeça, percebendo sua surpresa ao ver Elijah.

 -Hei Eli, mudança de Planos, nos vamos precisar do prisioneiro em pessoa. Eu explico depois. Elijah, este é o Eli de que eu falei. Agora vamos partir antes que nossos anfitriões venham nos encher de balas. – Ele disse. As portas atrás deles se fecharam, e o ar começou a ser sugado para fora, um processo que as máquinas nas paredes repetiam várias vezes por dia. O capitão foi para o lado do velho, pedindo por mais informações sobre maquinário da prisão e esperando até que a passagem se abrisse.

 Eli se virou para o prisioneiro, forçando um sorriso largo e falando na voz mais exageradamente alegre possível – Seja bem vindo ao Robalo, nós realmente esperávamos muito por este momento. Nós possuímos os líderes mais sem controle do Círculo e nossas rações de comida são insuportavelmente ruins. Aproveite. – Ele disse antes de formar uma expressão mal humorada, se virando para o outro lado e resmungando.

  Elijah Tanoya, agora fugitivo de seu próprio planeta, ignorou o homem. Tanoya, assim como os outros, se postou em frente á porta, e ao contrário deles ele teve de segurar a respiração, embora isto não o incomodasse. As portas se abriram, deixando o Éter entrar rapidamente no local, e embora a substância não possuísse nenhum cheiro específico, o fugitivo acreditava ter sentido o odor do orvalho.

  Eles são tolos. Ninguém pode evitar sua fuga enquanto estiver vivo.
 

 





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Sir Nemo
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Re: Através do Éter - Ato I - Correntes

Mensagem por Sir Nemo » 23 Jan 2014, 17:26

Capítulo 3 - Considerações de Viajantes
Eli Aros estava ficando velho, ele sabia pela camada de madeira crescendo em seu rosto, próxima ao seu pescoço. Não era algo muito chamativo, aquele pedaço claro de madeira tinha pouco mais de dois centímetros, podendo ser oculto pela gola de seu casaco, mas não era isto que incomodava o tesoureiro.

No espelho á sua frente ele via seu rosto redondo de sobrancelhas grossas, mas cabelos escassos. Em sua testa havia um pequeno galho recurvado crescendo a partir de sua testa assim como quase todos os Hominae Flora, cujas folhas beiravam entre o amarelo e o verde. Em poucas semanas a planta já estaria dando frutos mais uma vez.

Logo o tesoureiro decidiu parar de observar os seus sinais de idade. Aquele havia sido um dia cheio de afazeres; restabelecer contato com antigos conhecidos, verificar qualquer mensagem entre os guardas da prisão de Arcádia, fazer contas sobre os recursos restantes da nave e aqueles gastos naquele dia, subornar algumas pessoas e então ajudar na infiltração de um porto-prisão. Mas ele era uma pessoa ativa, e preferiria resolver os problemas mais imediatos que atormentavam sua mente do que ter de pensar em problemas que ele sabia não poder resolver, como a idade ou a falta de descendentes.  

Ele colocou seu casaco por cima de sua camisa branca - o aquecedor do Robalo estava defeituoso novamente – amarrou suas botas e saiu de seus aposentos, procurando pelo capitão sem sobrenome daquele navio, naquele momento fonte de quase todos os seus problemas. Ele começou andando com passos fortes pelos corredores daquela nau, mas logo teve de ser mais cuidadoso enquanto andava para evitar os destroços do navio e outros tripulantes que estavam apressados para terminar seus afazeres antes da “noite”. Quando a situação financeira do navio estivesse estável, o senhor Aros faria questão de tornar os reparos do Robalo prioridade, mas por enquanto pequenos inconvenientes como buracos de bala nas paredes e buracos no chão tinham de ser suportados.

  As luzes vindas das paredes e do teto estavam diminuindo, até o ponto em que haveria escuridão por algumas horas antes de voltarem a emitir luz, um defeito do tipo de tinta-luminosa utilizada nas paredes e tetos, mas o que não impedia que este tipo de tinta ainda fosse utilizado por muitos construtores de navios para que estes possuíssem um ciclo definido de dia e noite. Eli achava aquilo pouco prático, ele detestava a possibilidade de alguma emergência ocorrer durante um destes períodos de escuridão.

Se aproximando dos aposentos do capitão do Robalo o tesoureiro percebeu várias pessoas se afastando de lá, voltando para suas rotinas e se preparando para o “período noturno”.  Pouco depois de se retirarem da prisão de Arcádia, vários membros importantes da tripulação foram chamados para reunirem informações e decidirem para onde o Robalo iria viajar em seguida. Eli Aros decidiu se ausentar daquela reunião em particular por que, como ele descreveria seus motivos depois: “alguém aqui precisava ter certeza de que nenhum exército virá atrás de nós e de que teremos dinheiro o suficiente para não passarmos fome até o próximo porto”.

Ele então se dirigiu á Movna enquanto ela se afastava calmamente do quarto, ela estava utilizando o mesmo uniforme Agnae de sempre, mas também levava em suas mãos um capacete parecido com a cabeça de uma águia enfeitado com penas coloridas na parte de trás, olhando e verificando o objeto em vários pontos diferentes. O tesoureiro se aproximou e se curvou rapidamente com o braço direito em frente ao peito, enquanto Movna repetiu o mesmo movimento mas com o braço esquerdo. Era a forma de saudação principal do povo Agnae, e o Hominae Flora fazia questão de saber os hábitos culturais de cada tripulante.

    -Hei Mov, vejo que o Jericó finalmente reparou o seu capacete.

-Ele o concertou algumas horas atrás. A marca da bala ainda está visível, mas ela não traz nenhum perigo – Ela disse, apontando para um pedaço mais claro do capacete, bem em frente ao ponto que protegeria sua testa. – Como sempre eu tive de agüentar duas horas de reclamação dele de recebê-lo de volta.  

-Duas horas? O que é que aconteceu que o fez ficar de tão bom humor? – Ele disse fazendo a expressão de curiosidade mais exagerada o possível.

-Eu o conheço á quase tanto tempo quanto você e posso dizer que no mínimo o navio o pediu em casamento.

-Heh, essa foi boa. Mas é bom que aquele incidente infeliz já foi concertado – Ele limpou a garganta momentaneamente – Falando em incidentes infelizes, onde está nosso sábio capitão?

-Do lado de fora, e levou uma garrafa de Schiki com ele.

-Ele está---

-Sim, no convés de novo. Eu espero que você esteja indo lá, ele precisa de um amigo próximo agora.

-Eu vou falar com ele de uma vez, quanto mais cedo ele ouvir algumas coisas necessárias mais cedo podemos continuar esta viagem absurda. – Ele começou a se virar em direção ao convés, mas voltou á conversa que estava tendo com Movna após se lembrar de um fator importante – E o prisioneiro, o...

-Elijah. Ele continuou na sala do capitão, anotando mais informações sobre a pegada de Aquiles. – Ela disse.

-Isto é realmente seguro? Ele pode começar a assassinar membros da tripulação, fazer o capitão de refém quando ele voltar ou o pode até causar mais um motim por aqui.

-Eu deixei uma pessoa guardando ele e que vai trazê-lo para o aposento dele no momento em que o capitão chegar ou quando ele terminar de escrever. E os únicos objetos á que ele tem acesso são penas de escrever, nada de perigoso.

-Pessoas que falam isto costumam terminar com penas perfurando seus olhos no dia seguinte. – Ele respondeu.

-Eli, nós já tivemos uma conversa sobre paranóia. Você vai dificultar mais o meu trabalho do que me ajudar – Movna disse em um tom severo.

-Eu sei, nem precisa ser considerado estado de emergência... Este Elijah não vai nos apresentar perigo por um tempo, mas vamos nos lembrar de que ele não foi condenado por algu pequeno como roubar flores da nobreza ou roubar um porco. – Logo após terminar de falar, ele fez um sinal onde fingia socar o lado de sua cabeça, e a Agnae repetiu o sinal antes que o senhor Aros continuasse seu caminho. Não era o incrivelmente complexo sinal de despedida dos Agnae, mas uma paródia feita por Eli que logo foi adotada pelo resto da tripulação, inclusive Movna.

Poucos passos pelos corredores desgastados foram necessários para que ele chegasse aos portões do convés, duas altas e assombrosas portas de metal, a única barreira que separava a tripulação de um universo de venenoso Éter caso a tempestade do mastro falhasse. Ele conferiu os medidores de pressão e pureza do ar antes de abrir a porta, as vezes ele achava ser o único naquele veículo inteiro á manter este hábito. Abrindo a porta, ele viu uma pequena mulher de cabelos marrons esperando ansiosamente do outro lado, segurando um acordeão por debaixo de um braço e uma garrafa de líquido sob o outro, ela deu um passo, quase um pequeno pulo, para dentro do navio quando a porta foi aberta.

-Obrigado Lai, meus braços já estavam começando a ficar dormentes, e então eu teria que largar um destes dois e, bem, o chão ficaria cheio de cacos de vidro e não queríamos ninguém pisando neles antes da luz voltar.

-Ilsa, você... Estava esperando do outro lado á quanto tempo?

-Vinte minutos, talvez menos. Mas eu estava tendo de segurar estes dois aqui – Ela apontou com sua cabeça para os objetos que ela levava. – Eu também não queria colocar nada no chão, que infelizmente não está limpo, e eu sabia que você viria a qualquer momento então esperar pareceu ser uma boa idéia.

-Espere um pouco, vamos tentar deixar isto claro, como você sabia que eu estava vindo e por que... Esta é a pergunta mais importante... Por que você está levando um instrumento musical e bebida alcoólica com você?

- Hoje você estava irritado, isto já é o bastante para saber que você ia tentar falar com o cap a qualquer momento, é um hábito interessante seu e eu acho que você deveria prestar mais atenção nisto. Assim como seu hábito de ficar procurando madeira na sua pele, este sim me preocupa. Quanto á este Shicki e este acordeão, eu explicaria, mas sem um contexto você só acharia estranho – Ela disse enquanto balançava levemente para frente e para trás em seus pés.

-Está bem Ilsa, esqueça que eu perguntei. Mas, aproveitando que estamos aqui, você poderia mudar o curso do navio para o porto-lunar de Lumière? É onde será nosso próximo trabalho.

-Assim que eu conseguir um pouco de música decente, pode ter certeza que esta vai ser a primeira coisa que eu vou fazer. A. Primeira. –Ela disse tentando dar maior ênfase possível nas ultimas duas palavras.

-Está bem, obrigado. – Eli deixou a timoneira do Robalo em seus estranhos afazeres e então finalmente entrou no convés, ciente de que ele não se interromperia para nada ou por ninguém, ele possuía coisas importantes das quais reclamar com o capitão, ele mostraria para ele todos os seus inúmeros defeitos e idiotices, tanto daquelas últimas semanas quanto alguns dos últimos anos, e com sorte poderia dormir com a consciência limpa naquela noite artificial.

Então ele viu Jonas sentado próximo à proa, e o Hominae Flora se sentiu realmente culpado. Não por querer criticá-lo violentamente, mas sentiu-se culpado por saber que não conseguiria fazer isto naquele dia. Seria para Eli como vencer uma criança cega num jogo de tarô. O capitão sem sobrenome estava sentado em uma cadeira dobrável próxima ao mastro de tempestades, ao seu lado uma garrafa de Shicki e um copo pequeno em sua mão.

Todos aqueles que restaram da ultima tripulação do Robalo já sabiam daquele hábito, toda vez que algo o incomodava profundamente ele esperava até a noite para se dirigir até algum local isolado e tentar se embriagar com aquela bebida alcoólica. O que tornava a situação triste é que ele nunca conseguiria. Talvez fosse uma mutação menor da espécie humana, talvez fosse uma imunidade adquirida em seu planeta natal ou talvez sua mente sóbria fosse totalmente indistinguível de sua mente embebedada, mas não importava o quanto ele bebesse ele nunca conseguiria ficar embriagado.

Ela estava sem seu conhecido casaco e quepe, mesmo fazendo frio no Robalo – Era realmente comum que seu aquecedor falhasse e todos os habitantes terem de usar agasalhos grossos – mas ele ainda mantinha seus óculos de proteção sobre seus olhos. Ele deu mais um gole no líquido azul de seu copo quando viu o tesoureiro do navio se aproximando, com outra cadeira dobrável em mãos.

-Hei Eli, eu não esperava que você aparecesse, mas fique a vontade – Ele disse com um largo sorriso enquanto movia sua cadeira para o lado. Então olhou por todo o convés – Mas não sei se temos espaço o bastante aqui.

-Heh, esta foi boa. – O senhor Aros se sentou um braço ao lado do capitão e encheu seu copo com aquela bebida refinada á base de Éter.

Os dois ficaram em silencio por um tempo. Eles podiam ver as estrelas se movendo ao redor deles e pequenos relâmpagos surgindo e desaparecendo através do ar. Eles também podiam ouvir o som de umas poucas pessoas trabalhando abaixo deles e o leve vento da tempestade artificial. Em cinco minutos, Eli pôde ver outro navio indo para uma direção oposta á do Robalo, á uma distância tão grande que parecia apenas uma miniatura como aquelas que eram colocadas dentro de garrafas. Por um momento a imaginação de Aros fez com que aquele navio fosse uma patrulha da União Hominae, pronta para prendê-los por “roubar” um criminoso, mas logo ele afastou estes pensamentos.

-Então, o que aconteceu na reunião? – Disse Eli.

-Nada de muito importante. – Jonas respondeu.

-Se não fosse importante, nós não estaríamos aqui.

-Talvez, mas eu não quero te incomodar reclamando de minha vida.  

-Jonas, nós trabalhamos juntos há alguns anos, e nos conhecemos há ainda mais. Eu te desafio á encontrar algo que me incomode mais do que nosso cotidiano.

-Se você insiste – O capitão disse, tirando os óculos para poder limpar momentaneamente a sujeira, mas não os pos de volta – Nós dizemos para o Tanoya...

-O fugitivo? – Eli questionou.

-Este mesmo. Nós pedimos que ele mostre perto de que região está o tesouro, nós até
mostramos um mapa do Círculo para ele e tudo mais. E ele mostrou.

-Ele fez o que vocês pediram? Eu não sei se isto é realmente um problema.

-A pegada está na Garganta de Hermes. Quase exatamente no mesmo local onde a guerra de todas as bandeiras aconteceu.

Eli ficou em silêncio absoluto, olhando fixamente para a escuridão, a surpresa evidente em seu rosto enquanto Jonas - de sobrenome ainda ausente - enchia seu copo e tomava um longo gole.

-Eu sinto muito Jonas.

-Não, não. Não se preocupe, eu apenas tive algumas lembranças ruins, nada com que se preocupar. Eu não vou tentar arranjar alguém para tentar me matar, eu já tenho pessoas demais se oferecendo para isto.

-Me desculpe, mas se você reage tentando se embebedar apenas por saber que estamos viajando para a garganta, eu nem consigo imaginar o que vai fazer quando realmente estiver lá.

-Não se preocupe, já faz muitos anos e eu já consigo lidar com isto. Tudo o que eu
preciso é de um pouco de tempo para organizar minhas memórias e eu posso até mesmo andar entre as ruínas. – O homem sem sobrenome continuou.

-Jonas, nós não precisamos fazer isto, eu estiva lá e eu sei como aquele local pode te afetar. Nós não precisamos daquele tesouro, podemos arranjar dinheiro em outra parte do Círculo. Estamos com dificuldades depois daquele... Incidente, mas nós já passamos por momentos piores. Eu sei de um comprador perto dos territórios selvagens que adoraria--

-Obrigado Eli, mas não é apenas com o dinheiro que eu me importo. Eu não gosto da Garganta, eu passei o pior da minha vida por ali, mas existem algumas coisas pelas quais um ser humano deve enfrentar tudo.

Silêncio novamente, o senhor Aros podia ver no rosto do senhor nada como ele estava concentrado em seus próprios pensamentos. Eli bebeu todo o conteúdo de seu copo para imediatamente o encher com mais bebida. Ao contrário de seu companheiro, Eli Aros tinha a capacidade de poder envenenar seu cérebro e suas lembranças com a bebida.

-É por causa do Mernenger não é?

-Acho que podemos dizer que sim. Desde o motim eu tenho me perguntado por que aquilo aconteceu.

-Jonas, eu também confiava nele, mas temos admitir que no final das contas ele era um idiota, é por isto que ele tentou tomar o navio. É simples.

-Sim, mas por que os outros seguiram ele? Por que quase toda minha tripulação se vira contra mim de um momento para o outro? Eu era um líder tão ruim assim? A promessa de riqueza é algo tão tentador? Por que se for assim, eu quero poder olhar aquele tesouro de perto e ver se valeu a pena tentar me matar, eu quero olhar para um planeta cheio de dinheiro e saber se eu trairia outras pessoas para conseguir aquilo, ou olhar para um tesouro pequeno e ver se era apenas uma desculpa para finalmente se livrarem de mim.

-Não vamos exagerar; você comete vários enganos ocasionalmente, e também tem vários hábitos irritantes, muitos mesmo, mas isto não foi importante. Se o Mernenger causou um motim, é por que ele foi inescrupuloso e assim também eram os outros, e mais alguns que foram convencidos por não terem convicção, eles teriam tentado causar um motim com qualquer outro capitão.  Se você fosse realmente um líder tão ruim, eu e a Movna não e vários outros teríamos ficado do seu lado naquele dia, não é? Você não precisa se provar ou ter que enfrentar seus “demônios interiores” – o tesoureiro fez questão de tentar fazer o sinal de aspas com suas mãos, mas segurar o copo de shicki fez o sinal ficar um pouco estranho – Nem nada semelhante.

O capitão bebeu tudo o que havia em seu copo em um gole rápido que mal deixava tempo para se saborear a bebida. Ele então colocou o fundo daquele objeto transparente contra o seu olho e olhou para o céu, imitando um astrônomo com sua luneta.

-Lembra quando eu fui jogado para fora do navio, quando eu voltei acompanhado dos jaquetas de ferro? Eu arrisquei a vida de vários membros da tripulação, alguns morreram e eu mesmo quase matei a Movna, não foi?

-Podemos dizer que sim, mas naquelas situa--

-Eu tive de dar quase todos os nossos produtos para os filhos de Ares, o que nos deixou com tantos problemas de dinheiro, não foi? – Jonas continuou.

-Sim, eu sei, fui eu que te avisei destes problemas em primeiro local. Por que você está me falando de coisas que eu já sei?

-Apenas para deixar o meu ponto claro. Eu arrisquei a liberdade, e até mesmo a vida de pessoas neste navio para poder falar com aquele homem na prisão e descobrir a localização da pegada e ainda o trouxe para cá, certo?

-Sim - Eli estava um pouco irritado por ter de confirmar informações que ambos já sabiam.

-Então – Jonas disse enquanto colocava o copo no chão ao lado de sua cadeira – Eu vou desperdiçar os riscos e esforços de vocês, apenas por que um local pode me trazer memórias desconfortáveis? De forma alguma. Nós vamos até aquele maldito planeta, encontraremos a pegada, eu vou resolver meus problemas como um bom líder, e todos vocês ficarão tão ricos que talvez nem tenham que ariscar suas vidas de novo. E nós faremos isto sem que ninguém tenha de ser traído ou forçado a se juntar á nós. Tudo isto é minha culpa, então nós chegaremos até lá, e se não houver nada de importante na pegada de Aquiles, eu posso jurar pela vida dos meus irmãos que vou desmontar aquele planeta em pedaços até encontramos alguma recompensa para toda a tripulação por me suportarem até lá.  

Quando o tesoureiro do Robalo observou o capitão falando, ele percebeu que este falava com foco e certeza, mas o mais importante é que ele falava como se o alvo principal da mensagem fosse ele mesmo, e não o Hominae Flora.

-Bem, acho que você não vai mudar de idéia. – Eli Aros disse.  

-Dificilmente. Mas eu também não vou obrigar ninguém a participar desta viagem, até o Elijah veio até aqui por conta própria.

O silêncio retornou, ele pareceu durar algumas horas, mas ambos sabiam que provavelmente eram apenas minutos.

-Sua vez – Disse o homem dos óculos de proteção.

-O que? – O homem Flora disse.

-Você me ajudou com meus problemas e agora eu quero retornar o favor. Eu também te conheço a tempo o bastante para saber quando tem algo te perturbando. - Disse o capitão do navio.

-Eu não te ajudei exatamente, você já tinha suas respostas para tudo.

-Sem você eu não teria chegado até elas. Vamos, pode se abrir, nós temos muito tempo de viajem.

-Eu acho que você vai nos matar Jonas – Eli preferiu manter o silêncio ao invés de explicar o que ele queria dizer, a imaginação do capitão daria significados mais efetivos para a mensagem do que qualquer explicação dele.

-Com que arma exatamente? Eu espero que seja com uma foice, eu sempre quis usar uma. – O senhor Nada por sua vez já estava acostumado com estas pausas.

-Com seu descuido. Eu sei que você ama este navio, mas você simplesmente não dá atenção ao seu redor, fica centrado demais no seu objetivo mais próximo e às vezes eu acho que você me ignora, eu tentei avisar sobre o perigo de invadir aquela prisão, mas você insiste em ir lá e ainda nos traz um assassino para o navio. Depois do motim eu te avisei para economizarmos até mercadores voltarem a confiar em nós, mas você gasta suas economias e contrata 15 pessoas novas, que eu devo lembrar nem eram necessárias. Mesmo quando eu te lembrei de sua alergia á frutas cítricas você ainda insistiu em trazer aqueles barris de matanas para cá. De novo. Eu sei que ocasionalmente você tem uma idéia estupidamente genial, mas neste ultimo ano parece que você não tem me ouvido mais.

-Então não é uma foice, pena. – Jonas disse enquanto ajeitava sua cadeira. – Infelizmente Eli eu vou ter que te dar uma ordem como capitão deste navio.

-Sim?

-Se em algum momento no futuro você me dar um conselho que poderia salvar nossas vidas e você perceber que eu estou te ignorando, bata na minha cabeça com um objeto de metal para chamar minha atenção. – Ele disse, sorrindo levemente.

-Obrigado senhor, mas saiba que eu vou me divertir fazendo isto.

-Eu falo sério, agora eu preciso de cada pessoa capaz e esperta do meu lado, e se depois de tudo eu te ignorar mais uma vez, eu vou merecer os danos no meu cérebro.

Eles puderam ouvir o suave som da música vinda dos canos do navio quebrando o silêncio, o tesoureiro Aros identificou como sendo alguma forma de polca, mas decidiu não pensar no assunto.

-Bem, isto merece um brinde. - Disse o capitão sem sobrenome.

-Um brinde á quê?

-Á bebida, eu acho, e á todos os problemas e soluções que elas trazem.

Jonas levantou a garrafa e despejou os poucos dedos restantes de líquido nos dois copos. Mesmo com a bebida escassa eles aproveitaram aquele ultimo gole. Seus problemas não haviam sido completamente solucionados naquela noite, longe disto, mas eles pelo menos dormiriam em paz.

-Eu vou pegar outra garrafa. Eu até trouxe uma extra, mas a Ilsa levou a garrafa com ela. – Ele Disse enquanto se levantava.

-Antes de ir, por que ela precisava de uma garrafa e de um instrumento musical? – Disse o homem com a árvore.

-Eu poderia explicar, mas sem um contexto soaria muito estranho.

Enquanto o capitão entrava no Robalo, Eli tentou beber as poucas gotas que sobraram no fundo de seu copo.

-Bah – Ele disse para si mesmo – Quem precisa de contextos?



                -----Octavius-----


Jackie Darns era uma mulher pequena; aquele salão do Octavius por sua vez era amplo, beirando o ameaçador. Jackie vestia um velho casaco cinzento e marcado por furos, rasgos e remendos, mas ela o vestia com orgulho; aquele salão do Octavius era luxuoso e enfeitado com objetos de safira. Há apenas alguns minutos, Jackie havia escapado da morte, como já estava se tornando freqüente para ela; o salão estava destruído.

Atrás dela, uma sala em chamas que se espalhavam para tentar consumir o resto do navio. No fim das escadas á sua frente, o salão do navio Octavius, onde um membro da família de mesmo nome estava tendo seu funeral. O local estava coberto por uma grossa camada de gelo, uma fraca neblina cobria o ar do local, e pessoas estavam jogadas ao chão, a maior parte delas mortas. No chão, frente á porta que levava ao resto daquele navio colossal, estava um esburacado chapéu cinzento de abas largas.

Jackie retirou de um dos vários bolsos de seu casaco um rádio de mão enferrujado. Ela desceu as escadas o mais lentamente possível enquanto procurava por uma freqüência desejada. “—Correntes de éter foram responsáveis pelas rotas mais rápidas de navegação...” Foi o que ela ouviu ao alcançar a freqüência desejada, em uma voz estranhamente rouca, mas surpreendentemente alta.

-Jerizelis, por que você insiste em ler em voz alta? – Ela disse para o rádio enquanto tentava evitar buracos recém formados na escada.

-Eu sinto se isto chega á te incomodar garota, mas isto me ajuda a me sentir menos solitária. Precisa de ajuda?

-Sim, obrigada. Meu trabalho aqui foi um pouco mais... Chamativo do que eu esperava. Como o local é isolado a guarda vai leva mais tempo para perceber, mas não quero correr riscos.

-E Helena Octavius?

-Morta – Ela disse calmamente.

-Isto vai diminuir a recompensa pela metade. Mas acho que será o bastante.

Ao chegar ao final daqueles degraus, Jackie olhou em volta, para as pessoas mortas e feridas por suas ações. Ela sentiu um vazio em seu espírito, não pela destruição que ela causara cumprindo seu dever, mas por que ela se lembrava da época em que se sentia culpada por suas ações. Ela continuou falando ao seu rádio, informando a posição atual do navio, andando vagarosamente em direção á saída e parando em frente ao chapéu.

-Hei garota, é bom que você esteja saindo daí. Nós temos um novo trabalho para você e achamos que será importante para você.

-Sério? Normalmente a guarda só me pede para ir á locais desagradáveis e perigosos.

-E certamente será, mas desta vez nós descobrimos a localização de Yoshua.

Darns apertou o rádio com força. – Mais informações.

-Ele está no planeta Lumière. Segundo informantes ele tem feito contato por rádio com algumas pessoas. Aparentemente ele está contratando um navio comercial para uma entrega e sabemos que você pode encontrá-lo durante a transação.

A mulher do casaco cinzento não respondeu; perdida em pensamentos e memórias tristes.

-Garota? Você está fazendo aquilo de novo.

-Inúmeras desculpas. Eu irei para o planeta assim que sair daqui.

-Ninguém escapará. – Disse a pessoa, em um tom reverencial.

    -Nós realmente temos de continuar repetindo isto?

-Garota, o hábito faz o monge.

Jackie suspirou irritada, pegou o chapéu cinzento e o colocou sobre a cabeça – O sol nasce para todos.

   

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Sir Nemo
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Re: Através do Éter - Ato I - Correntes

Mensagem por Sir Nemo » 24 Jan 2014, 17:17

The plot thickens.

Capítulo 4 - Guarda, Comandante e Capitão
O escaravelho era um veículo útil, portanto Elí o apreciava, ignorando seu desconforto.

O escaravelho também era um veículo velho e exalava odores desagradáveis, portanto o capitão Jonas odiava ter de usá-lo, mas o suportava devido á sua utilidade.

O escaravelho era um veículo barulhento, mas que não poderia ser substituído de forma prática, portanto Movna o odiava, mas não fazia questão de lhe criticar.

O Escaravelho era um veículo, portanto Ilsa o amava como a um filho.

-Quando nós estivermos preparados, você irá receber um sinal do rádio, neste momento você irá abrir as portas do casco e fechar a porta de ferro perto de você, dê duas voltas na roda para ter certeza – Gritava Jonas para um membro da tripulação, enquanto procurava por peças faltando no veículo que parecia disposto á se despedaçar – Eu não sei se Elí te disse isto quando você foi contratado, mas nós temos problemas com vazamentos de Éter. Veja o medidor antes de abrir a porta de ferro novamente.

Ele parou momentaneamente para retirar uma faca que Movna estava afiando próxima á máquina animalesca. –Não, sem armas, estamos com os bolsos quase vazios e não queremos que nossos novos chefes pensem que somos piratas.

-Certo, mas eu não sei como eu posso proteger vocês de atacantes se eu não posso levar nenhuma arma. – Ela respondeu de braços cruzados por baixo de seu poncho.

-Se alguém realmente tentar nos matar, eu tenho certeza de que você vai dar um jeito neles com seus golpes de Mavrata. Você poderia matar uma serpente com estes punhos.

-E por outro lado nós nem vamos ser atacados nem nada do gênero. – Disse o Elí, já dentro do Escaravelho lendo um livro grosso de capa vazia – Você só foi chamada por paranóia do capitão.

-Saiba que meu instinto humano já me salvou algumas vezes – O capitão se virou de novo para Jaú, que estava esperando frente á grossa porta que separava a estação do Escaravelho do resto do Robalo. – Lembre o resto da população de não deixar o Elijah chegar perto do convés, fale para aqueles que forem comprar suprimentos não trazerem frutas cítricas, e se sobrar dinheiro lembre-se que precisamos de mais bebida.

Jaú concordou com um simples sinal de cabeça.

    -Você está com minhas instruções anotadas? Você sabe a hierarquia de comando que vão usar enquanto estivermos fora? – O tripulante continuou concordando silenciosamente. Jonas se virou novamente para a desgastada máquina e deu alguns chutes em uma de suas pernas metálicas para lhes testar.

-Eu te disse cap, ele está em ótima forma. Ele teria me dito se tivesse algo faltando. – Disse Ilsa, sentada dentro do que seria a “cabeça” do escaravelho, de olhos fechados e tentando conseguir algum descanso antes da viagem até o planeta – Eu acho que você deveria relaxar e aproveitar o vôo.

Jonas suspirou desanimadamente, ele estava tentando adiar o máximo possível o momento de entrar no Escaravelho, mas algumas coisas eram inevitáveis. Ele mostrou o punho erguido á sua direita para os outros como um sinal de ter terminado seu trabalho. Ele e Movna subiram uma curta escada de cordas que levava para dentro da máquina, e a puxaram para dentro antes do teto se fechar com um som ensurdecedor.

O veículo tinha toda a sua estrutura dividida em três partes principais: uma cabine metálica por onde os passageiros entravam e onde permaneciam durante todo o trajeto, um local pequeno mesmo para três pessoas; uma esfera redonda á frente do “corpo” de onde o piloto observava e controlava todo o veículo; e uma grande parte traseira, que possuía tanto os mecanismos necessários para o vôo quanto espaço para armazenar qualquer equipamento ou suprimento necessário para viagens mais longas. A esfera frontal possuía duas longas e redondas lentes vermelhas, dando a impressão de grandes olhos, e ás suas costas haviam duas placas curvadas de metal que podiam cobrir quase toda a máquina, que naquele instante foram movidas para os lados do Escaravelho para servirem como asas, também dando espaço para que suas hélices se movimentassem. Seis pernas articuladas de formato aracnídeo foram feitas para que o escaravelho pudesse pousar e realizar o surpreendentemente complexo movimento de se andar pelo chão.

O Escaravelho lembrava o seu inseto titular. Mas nem os mecânicos que o construíram e decidiram sua aparência e nem a tripulação do Robalo que o nomeou nunca viram ou tiveram informação da existência destes besouros. Mais um dos vários mistérios do universo que a humanidade nunca notou.

Um sinal foi dado pelo rádio, engrenagens rangeram enquanto o casco do navio abria passagem, duas hélices retráteis surgiram de dentro do Escaravelho, marcadas pelas runas de brilho azul e também pelos ventos e miniaturas de relâmpagos que elas produziam. Elas giravam enquanto as patas de metal andavam para frente, e com um desajeitado salto o Escaravelho pegou vôo no grande mar de Éter. Abaixo dele podia-se ver o grande planeta laranja, sua visão parcialmente bloqueada por uma das luas amarelas que o circundavam.

Escapando do alcance do Robalo e dos efeitos de seu giroscópio, a gravidade vazia começou a afetar os passageiros, alguns objetos soltos começaram a flutuar livremente pelo ar. Os passageiros e a piloto já haviam se amarrado com cordas presas aos bancos para evitar passarem pelo mesmo efeito, mas a falta de algo os puxando ao chão era perceptível.

-Eu odeio gravidade vazia – Disse Movna, levantando seu capacete e começando a massagear as têmporas, tentando inutilmente parar as sensações desagradáveis em sua cabeça.

-Você diz isso toda a viagem. – Disse Eli, ainda lendo o seu livro.

-Por que em toda viagem eu continuo odiando gravidade vazia.

-Sem preocupações Mov – Disse Ilsa, ainda pilotando o Escaravelho – Nós chegamos lá dentro de duas horas, e eu ainda tenho alguns remédios para dor de cabeça em meu bolso.

-Obrigada Ilsa – Ela tirou completamente o capacete e se encostou ao assento, fechando os olhos e procurando respirar lenta e profundamente.

    Eli por sua vez tentava lidar com seus óculos de leitura, que começavam a flutuar para fora de seu rosto a cada momento. – Eu também não vou conseguir me concentrar deste jeito – Ele disse enquanto fechava o livro e guardava seu par de óculos em um bolso de seu casaco – Acho então que este é um bom momento para revermos nosso plano.

-Chegar, ir para o vigésimo segundo andar, esperar pelo contato, falar com o chefe, receber missão provavelmente ilegal, realizá-lo, ganhar dinheiro, voltar para o navio. – Disse Jonas, sentado em meio aos dois.

-Isto. Pelo menos você prestou atenção desta vez. Mas eu gostaria de deixar alguns detalhes bem explicados: O planeta para onde nós estamos indo tem uma população alta de Hominae Pisces, eu sei a linguagem de sinais, então deixem a comunicação com membros da espécie comigo.

-Algum costume dos nativos que eu tenha de saber? Você lembra o que aconteceu em Saris. Eu ainda tenho a cicatriz. – O capitão respondeu.

-Nada de importante, todos os tabus que eu consegui estudar não afetam nenhum de nós. – Eli fez uma expressão de surpresa – Como eu esqueci de falar isto antes? Você vai precisar se livrar de seus óculos e de seu quepe.

-Isto foi uma piada? Há, parabéns. Eu mal posso esperar para voltar e conta-la para todo mundo no navio.

-Jonas, é algo importante da cultura. Desde a colonização do planeta os líderes tinham de mostrar sua face á todos enquanto servos e ajudantes tinham de manter o rosto escondido sob máscaras. –Eli preferiu não contar as razões para isto, sendo uma história complexa e em alguns pontos ridícula – Ter a face á mostra é um símbolo de status, então se perceberem o capitão andando por aí usando isto, eles dificilmente vão te respeitar.

-Os óculos eu posso deixar de lado, sem problemas, o local não parece muito perigoso. Mas o quepe? Por favor, Eli, ele sequer obscurece meu rosto.

-Para eles o cabelo e a testa fazem parte do rosto. Desculpe-me, mas eu não posso mudar anos e anos de costumes locais. E, eu devo acrescentar, ele nunca foi útil.

-O quê? – Jonas retirou seu quepe e o mostrou ao tesoureiro – Esta coisa “inútil” protege meus olhos do sol, mantém minha cabeça aquecida, pode ser usada para levar água em emergências, e o espaço interno ainda é grande o bastante para guardar vários objetos, talvez até uma arma.

-Por que você pode levar uma arma e eu não posso? – Disse Movna, em um estado que mal poderia ser chamado de consciência.

-Eu não estou levando nenhuma. – O capitão então olhou para o objeto em suas mãos por alguns segundos silenciosos, lembrando de eventos anteriores – Sim, tem razão, eu vou guardar isto. – Ele dobrou seu quepe e o colocou em um bolso interno de seu casaco, e na falta de espaço ele deixou os seus óculos de proteção em um canto do escaravelho. – Mas saiba que não estou gostando desta decisão.

-Oh não. O que faremos? É o fim de nossas esperanças.

-Bem, mais alguma coisa que precisamos saber?

-Sim, mas é melhor explicar quando chegarmos. Fica mais fácil quando eu posso usar o local de verdade como referência.

-Então podemos ir ligando o rádio. Ilsa faça o favor.

A pilota do Escaravelho virou um pequeno interruptor ao lado das várias alavancas através das quais ela controlava seus vários mecanismos. Das laterais dos assentos surgiu o som de estática, que logo desapareceu para dar local á uma agitada música de piano.

Os quatro continuaram a viagem calmamente, as hélices do Escaravelho continuando a invocar seus ventos e relâmpagos, suas patas encolhidas junto ao corpo esperando pelo pouso e suas alavancas e manivelas sendo habilmente controlados. Nenhum de seus passageiros estava ciente de quem realmente os esperava em seu destino.

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Eli havia acabado de explicar todos os costumes e regras de etiquetas mais importantes para o capitão do Robalo. Foi algo mais rápido do que ele esperava, mesmo tendo que ser interrompido pelo capitão para que ele pudesse coçar os olhos. Eles estavam há apenas um quilômetro do mar, e o capitão insistia que o ar estava cheio de sal. O mar daquele planeta não possuía sal, mas Eli não queria discutir sobre isto.

O senhor Aros olhou para o lado, onde o Escaravelho havia pousado - próximo á alguns outros veículos terrestres e Etéreos que passavam constantemente por ali - para ver a situação de suas colegas. Movna estava com um cantil e uma minúscula pílula, se preparando para tomá-la, enquanto Ilsa esperava ao lado, suas costas apoiadas no veículo.

-Nós temos algum horário marcado ou podemos entrar á qualquer hora? – Disse Jonas.

-Horário, mas nós chegamos um pouco mais cedo, então nós podemos esperar um pouco já lá dentro. Eu ouvi falar que a comida de Lumière é ótima. – Disse o Tesoureiro.

-Este planeta já está começando a se redimir. – Ele se virou para o escaravelho – Como está indo?

A Agnae havia acabado de engolir o remédio e estava dando um gole no cantil. Ela o devolveu para a mulher de cabelos marrons – Obrigada Ilsa, você me salvou de novo. – Ela pegou o capacete do chão e o firmou em sua cabeça. – Capitão, eu vou melhorar completamente em dez, talvez 20 minutos, eu posso acompanhar vocês pela cidade sem nenhum problema. Mas eu prefiro não comer nada hoje.

-Podemos pelo menos guardar alguma coisa para quando chegar ao navio. Ilsa cuide desta coisa até voltarmos.

-Com prazer, cap. – Ela respondeu, com um rápido sinal de continência.  

Jonas, Eli e Movna se dirigiram para a grande torre laranja á frente deles, exposta ao forte sol de um dia sem nuvens. Ela era chamativa, uma imponente construção no meio de uma cidade relativamente pequena. As calçadas e as paredes eram feitas da mais resistente pedra de arenito, marcadas com desenhos de curvas e da fauna nativa. As casas eram, em maior parte, do formato de domos com uma janela para cada ponto cardeal. O prédio em si, pertencente á uma grande empresa de transportes e exportações daquele planeta, era a marca da indústria naquele local, todo detalhe daquele edifício era feito ou para ser o mais prático possível em questão de gastos e efetividade, ou para seguir costumes locais e agradar os moradores, o que acabava também sendo efetivo e prático.

Os três entraram pelas portas automáticas, percebendo o ar fresco trazido pelas runas tempestuosas incrustadas em alguma parte não visível do quarto. O interior era feito de material branco mais liso possível, e dúzias de homens da profundeza andavam pelo local, arrastando seus pés escamosos para mais um dia de trabalho. Os visitantes do Robalo entraram em um elevador próximo.

-Sabe – Disse Jonas, enquanto Eli Aros apertava um botão na placa de madeira e as grades do elevador se fechavam em frente deles – Há duas semanas eu nunca havia visto um hominae pisces, e agora eu vejo vários deles andando em minha frente.

-Não, eu lembro que alguns deles serviam com você durante a guerra – Disse o tesoureiro, braços cruzados atrás de suas costas enquanto esperava que o elevador chegasse ao seu destino.  

-Bem, eu não prestava atenção naquela época. Eram tantos homens e mulheres que trabalharam e morreram... Depois de um tempo, se fossem humanos e lutassem bem eu não ligava para mais nada...

O capitão começou a olhar fixamente para um canto do elevador, se perdendo em memórias. Aros se arrependeu de ter tocado naquele assunto. Os minutos restantes até chegarem ao andar correto foram embaraçosos.

Um sino tocou, as grades se abriram e eles saíram.

Em meio aquela sala de tons azuis claros, várias mesas metálicas estavam arranjadas, e entre estas mesas estavam diversas pessoas sentadas, visitantes no prédio ou empregados em seu breve momento de descanso, alguns com vestes pequenas e simples típicas daquela região, outros poucos com as roupas características dos viajantes do éter. Não havia nenhuma forma de garçom ou empregado responsável por trazer as refeições ás mesas; era esperado que cada indivíduo fosse capaz de buscá-las por conta própria no grande balcão em um canto, atrás do qual havia uma passagem para a cozinha.

Se esgueirando por entre mesas, cadeiras e seus ocupantes, eles chegaram ao balcão de madeira e ferro. Eli se encostou sobre a superfície e olhou pela sala, tentando reconhecer alguém por ali e memorizando todas as passagens do local.

-Lembre-se de me avisar caso vir o homem de avental branco. – Disse Aros.

Jonas, ainda absorvido no passado, reagiu com surpresa – Quem?

-Você sabe; o nosso contato em Lumière, eu já expliquei isto antes.

-Entendido, eu vou prestar atenção.

Eli conseguiu chamar a atenção do atendente, um homem de terno negro vestido com algo semelhante á uma mascara de cirurgia. Eli não perguntou para seus companheiros do que gostariam de se alimentar, já sabendo o bastante de seus gostos.

O tesoureiro, concentrado em tentar se lembrar dos pratos locais, não percebeu a pequena figura vestida de cinzento que se aproximava deles.

-Vocês vieram do Robalo? – Disse a figura, com um tom autoritário.

Eli olhou para trás, ele viu Jonas se colocando de frente para aquela pessoa, a encarando com seus olhos marrons, a Agnae esperava logo atrás dele com a mesma expressão paciente que ela mantinha nestas situações.

-Sim, podemos dizer que viemos de um navio com este nome. Por que o interesse? Você trabalha aqui por acaso?

-Eu trabalho para a lei. – Disse a pessoa, mostrando uma estrela dourada de oito pontas na parte interna de seu casaco cinzento. – E ela está interessada em vocês.

A figura era uma mulher humana, aparentemente da mesma espécie humana que Movna ou Jonas. Ela era uma pessoa pequena, em altura e em largura, e parecia ainda menor utilizando aquele casaco e o chapéu cinzento de abas largas. Suas roupas eram obviamente gastas, com sinais de rasgos, buracos e partes que simplesmente se desfizeram com o tempo, alguns destes danos remendados com tecidos de cores diferentes. O próprio casaco aparentava ter sido cortado para não se arrastar no chão e para que suas mangas não fossem maiores que os braços dela. Ela estava com o rosto curvado para baixo, o chapéu formando uma sombra sobre parte de seu rosto, mas seus olhos ainda encaravam o homem sem sobrenome de forma fixa e implacável. A estrela que ela mostrava era um símbolo conhecido da guarda de Hélios, o que fez com que um pouco de pânico se espalhasse pelo coração de Eli, algo que ele conseguiu não demonstrar em seu comportamento.

-Bem, eu sou o capitão do Robalo, pelo menos até me jogarem para fora dele de novo, e é comigo com quem você tem de falar sobre qualquer problema que você tenha conosco. – Eli o viu colocar as mãos nos bolsos de seu casaco e começou a se afastar sutilmente da guardiã. – Mas antes, eu preciso ter algumas palavras com meu conselheiro.

O senhor Aros continuou encostado na mesa, tentando evitar qualquer suspeita. Movna e a mulher de cinza continuaram paradas, aparentemente incansáveis e atentas a qualquer movimento de todos os outros seres vivos naquele salão.

-Cascos de titã, descobriram sobre o Elijah, e agora a guarda de Hélios está atrás de nós. – Jonas murmurou para Eli.

-Eu já sei disso. – Ele respondeu da mesma forma. – Temos de arranjar uma forma de afastá-la daqui.

-Não, somos nós que deveríamos estar saindo. – O capitão continuou.

-Se não fizermos este trabalho, vamos ter de passar a nos alimentar de carne humana caso não queira passar fome.

-Mas o que eu devo dizer? Se eu pedir educadamente eu não acho que ela vai desistir de nos prender.

Eli parou um pouco para pensar, batendo compulsivamente dois dedos no balcão, alguma pessoa poderia comparar aquele som com o de um pica-pau, se qualquer pessoa naquele local soubesse o que era um. Uma idéia o atingiu de repente - Sim, você pode.

Jonas apenas conseguiu responder com o levantar de uma sobrancelha.

-A guarda de Hélios é famosa por fazer todas as suas operações dentro da lei. Neste planeta ela precisaria passar pela burocracia para fazer qualquer coisa contra nós, até lá nos teremos tempo para pegar aquele trabalho. E uma vez que chegarmos ao Robalo podemos escapar facilmente da ordem.

-E se não der certo? O que você sugere que façamos?

-Vamos ter de partir para a improvisação. Até lá algum de nós já deve ter pensado em alguma coisa.

Jonas voltou ao local em que estava; frente á guardiã. Com seus braços atrás de suas costas e um sorriso insincero, ele falou – Me diga, você tem qualquer prova de que a “lei” local está realmente interessada em nós, por que nós estamos sem tempo e, a não ser que você arranje esta prova, nós vamos continuar sem tempo.

Eli gostaria de dizer para o capitão ser um pouco mais formal, menos desafiador, pois segundo as experiências do tesoureiro aquele estilo de diplomacia só aumentaria a vontade da outra pessoa de te matar. Mas ele preferiu não interferir, questionar a autoridade do capitão também diminuiria as chances daquela situação terminar bem.

Ela colocou dois dedos na aba de seu chapéu e o abaixou, aumentando a sombra sobre seu rosto – Eu não tenho tempo para isto. Eis o que vamos fazer; vocês irão me seguir para fora deste prédio, sem chamar a atenção ou tentar fugir. Ou eu posso mostrar como resolvemos problemas usando a minha lei.

Como ele estava sem sua proteção de olhos, Eli pôde ver a raiva no rosto do senhor nada. Era algo sutil em sua expressão, mas de certa forma chamativo, ele não gostava de ser desafiado daquela forma por um desconhecido. Aros também sabia, mesmo sem ver sua expressão, que Movna também estava reagindo da mesma forma, embora de forma mais controlada, ela não gostava de nenhuma ameaça a qualquer membro da tripulação. O tesoureiro gostaria de poder fazer alguma coisa para evitar o que ele sabia que iria acontecer, ele gostaria de ter dado algum plano alternativo, alguma idéia, mas ele não conseguira pensar em nada.

-Tem um pequeno problema em sua ameaça, nós não temos medo de você.  

-Deviam. Eu sou parte da guarda de Hélios, em meu trabalho eu já tive de matar e capturar alguns dos piores criminosos do Círculo, piratas e seus lordes, eu já eliminei bandos inteiros por minha própria conta. Eu teria medo se fosse você, capitão. Não me faça ter de solucionar este problema.

-Não se preocupe, eu não irei – Disse Jonas, com um sorriso de satisfação, ele se virou para Movna – Hei, lembra daquela entrega que fizemos em Corvidae? Quando aquele cavaleiro tentou nos ameaçar com a espada? – A Agnae concordou com um balançar de sua cabeça e o capitão Jonas se afastou lentamente.

Antes que a figura cinzenta pudesse responder, Movna avançou para frente em um movimento rápido. Com um punho firme ela tentou acertar a figura de cinza.

Mas ela tinha reflexos rápidos e deu um pequeno salto para trás, se esquivando do golpe, sua mão esquerda afastava uma parte de seu casaco para longe enquanto a outra retirava seu revolver de um coldre antes escondido.

Ela apontou a arma em direção aos três, e por um momento todos ficaram paralisados com a surpresa. Neste momento, muitos naquela sala tiveram a mesma reação enquanto alguns que aproveitaram para fugir. Movna levantou as mãos, em um sinal de desistência. A figura de cinza continuou apontando sua arma, aliviando a pressão de seu dedo sobre o gatilho, para evitar atirar acidentalmente.

Percebendo isto, a Agnae moveu sua perna em um rápido chute, retirando a arma das mãos de sua inimiga, o revolver caiu próximo ao balcão com um som metálico. No pequeno momento em que os olhos dela ainda seguiam a arma arremessada pelo ar, Movna agarrou a mão ainda apontada em sua direção, e a socou em seu ombro, para no instante seguinte golpeá-la na barriga com seu joelho.

A Agnae levantou sua mão aberta acima de sua cabeça para poder acertar a mulher do casaco cinza em seu pescoço, sendo interrompida pelas chamas que haviam surgido subitamente. Ela viu as chamas atingindo o chão e se espalhando por ele, sentiu de perto o calor e o brilho delas, e também sentiu quando um pedaço de suas calças e de seu poncho entrou em combustão.

Movna da Lua Crescente interrompeu seus ataques á guardiã para se afastar das chamas e apagar o fogo de suas roupas com suas próprias mãos. Fazendo isto da maneira mais rápida o possível, ela virou sua atenção para sua inimiga, a vendo apontando novamente sua mão esquerda. Desta vez, ao invés de utilizar uma pistola, ela ameaçava a Agnae com um cano de metal saindo de suas mangas. Ele era pequeno e de seu buraco ele expelia um fio de fumaça de tamanho igual. Um resto de chamas ainda queimava no espaço entre as duas combatentes.

-Eu estou no fim de minha paciência. – Disse a figura cinzenta, tentando usar o mesmo tom de voz de antes, mas um pouco abalada pelo golpe em sua barriga. – Se tentarem me atacar novamente, eu não terei pena. Se tentarem fugir... – Um novo jato de fogo saiu do instrumento de sua manga, chegando perto de Movna, mas não a atingindo. Neste momento mais pessoas, antes silenciosas, fugiram daquele local. – Agora vocês irão-me dizer onde está Yoshua Olho Ver—

Pela terceira vez, Movna atacou. Mas ao invés da guardiã, ela atingiu uma garrafa de shicki na mesa recém esvaziada ao lado dela, espalhando pedaços de vidro e líquido pelo ar.

Por reflexo, a guardiã levantou seu braço sobre o rosto para se proteger, sentindo a bebida se espalhando por seu casaco e os pedaços de vidro batendo em seu braço. Ela abaixou o braço e imediatamente apontou sua arma de chamas para frente, mas ela não viu a mulher do poncho cor de areia.

Então ela sentiu um braço envolvendo seu pescoço e outro segurando a sua mão esquerda. A guardiã sentiu a pressão em seu pescoço, enquanto seus sentidos começavam a enfraquecer. Seu braço estava numa posição onde não podia fazer nada, e mesmo usando o outro para repetidamente golpear Movna ela não conseguiu se soltar.

Ela já não estava conseguindo ver nitidamente e sentia a pressão em sua cabeça. O seu chapéu caiu de sua cabeça e flutuou até o chão enquanto ela amaldiçoava a sua falta de coragem. Em seguida, apenas inconsciência.

Movna soltou a figura cinzenta, deixando-a cair no chão. Eli viu a Agnae andar cambaleante em direção ao balcão, podendo ouvir sua respiração pesada por debaixo de seu capacete. Aros também viu o homem do balcão apertando um botão debaixo deste, um botão que o tesoureiro concluir ser alguma espécie de alarme silencioso, mas ele tinha preocupações maiores. O tesoureiro se virou para o capitão, de olhos abertos em uma expressão que mostrava tanto surpresa quanto pânico, a mesma que Eli estava fazendo no momento.    

-Você ouviu o que ela disse? – Ele perguntou á Jonas.

-Eu queria não ter ouvido. – Eles respondeu.

Movna se aproximou deles, e pegou uma cesta próxima. Ela levantou o capacete um pouco e então vomitou dentro da cesta.

-Você va---

-Certo, eu vou ficar bem Eli. Eu só preciso parar de lutar depois de gravidade nula. – Ela se encostou ao balcão, afastou o cesto e continuou respirando profundamente. Enquanto isso, quase todos no local aproveitaram para ir embora em busca de um local menos mortal.

O tesoureiro sabia que não adiantava insistir no assunto, e voltou a falar com o capitão.

-Yoshua esta realmente por aqui?

-Eu não sei, temos de falar com ela para descobrir. – O homem sem sobrenome disse, se referindo a mulher no chão.  

-Os seguranças locais já estão vindo. Você vai ter de ir com eles se quiser qualquer informação.  

-Mas e o nosso trabalho? Eu não gosto de comer carne humana. – De alguma forma, Jonas conseguiu falar isto com um tom dramaticamente sério.

-Eu vou ficar aqui e negociar os termos de nosso trabalho, eu vou dizer que você está ocupado por que foi atacado por um mendigo enlouquecido ou semelhante. Você e Movna vão tentar descobrir o que Yoshua está fazendo neste planeta. – Disse o senhor Aros.  

    -Por que a Movna?

-Você não viu o que ela acabou de fazer com a aquela mulher? Ela provavelmente deve ter adquirido alguma fobia de pessoas de poncho. Se a Movna estiver presente na sala durante a interrogação você provavelmente vai conseguir todas as informações em alguns minutos.

-Faz sentido. Vamos testar este plano. - Ele andou até onde o revolver havia caído, e o pegou pelo cano.

Como Eli Aros havia previsto, dois seguranças daquele prédio chegaram à sala. Jonas entregou a arma á eles e calmamente explicou como ele e a segurança Agnae estavam no prédio para realizar negócios, quando foram atacados por aquela mulher estranha.

Eles pediram que Jonas e Movna os acompanhassem á pequena delegacia que havia no prédio, enquanto um deles levava a guardiã desacordada apoiada em seu ombro. Eli se manteve no local, esperando. Ele pegou uma garrafa de uma das mesas desocupadas para si, enquanto o servente atrás do balcão continuava o ignorando, sem mostrar medo, pânico ou até estresse. A fogueira recém formada já havia se apagado, e o local continuava quase vazio.

Por algum tempo ele continuou por ali, revendo os últimos acontecimentos em sua mente, se perguntando o que ele poderia ter feito para evitar aquela situação.

As portas de metal se abriram, e um homem vestido com algo semelhante á um avental vermelho entrou na sala, de olhar severo e andando com seus braços atrás de suas costas.

-Boa tarde senhor, você seria o capitão Jonas, do navio etéreo... – Ele disse, andando até o balcão e se dirigindo ao hominae Flora – Robalo, este é o nome.

-Não, não. – O Hominae Flora respondeu. - Eu sou o assistente dele, Eli da família Aros. Ele teve de se retirar momentaneamente após uma pequena confusão por aqui. Mas até ele retornar eu me responsabilizo por nossas negociações.

-Entendo – Disse o homem, levando sua mão ao queixo para coça-lo – Me diga, onde ele está exatamente?

-O capitão teve de acompanhar alguns membros da segurança local. Uma mulher com algum problema mental apontou uma arma para ele e nós tivemos de nos def—

-Mas ele ainda vai permanecer aqui, dentro do prédio, certo?

-Sim, eu disse que o encontraria depois de nossa negociação. Mas se você se preocupa com minha capacidade para isso, saiba que eu sou o tesoureiro por manter o nosso navio funcionando, e –

-Homem bonsai? –Disse o homem, levantando sua voz, mas ainda mantendo o mesmo tom formal. O tesoureiro se surpreendeu com aquela referência á sua espécie, pouco utilizada e até considerada um xingamento por alguns, mas ele também tentou permanecer formal.

-Sim?

-Cale a boca – Ele disse, para repentinamente soca-lo em sua barriga. O tesoureiro Eli Aros se curvou de dor, caindo no chão frio de cimento.

O homem se virou para o outro atrás do balcão, que continuava passivo á tudo. – Me traga algum rádio, eu preciso contatar Yoshua.

A ultima coisa que Eli viu foram as folhas de sua planta, caindo lentamente no chão.

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Sir Nemo
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Re: Através do Éter - Ato I - Correntes

Mensagem por Sir Nemo » 25 Jan 2014, 13:39

O capítulo cinco é um tanto grande (20 folhas quando eu tentei imprimir), apropriado para o último capítulo do Ato I mas é grande demais para um post, então eu vou passar apenas o link para o arquivo no Google Documents:

Capítulo 5 - Justiça, Vingança e Sobrevivência

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