Conjuração em Yuden - parte 1

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Caliel Alves
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Conjuração em Yuden - parte 1

Mensagem por Caliel Alves » 25 Jan 2020, 10:34

“O elmo defende a cabeça de um golpe de espada,
mas não protege os ouvidos das palavras maliciosas.”
Provérbio yudeniano.


Quando Vérsico era apenas uma criança, via em seu pai a figura de um mago. Dentro de sua oficina, com apenas fogo e metal, ele produzia coisas incríveis! O lugar era sempre visitado por cavaleiros e nobres. Quando a pequena chaminé vomitava fumaça, o garoto sabia que os soldados de Yuden viriam, o metal das couraças batendo em um ritmo especial, sincronizado.
Mas seu pai lhe proibia de adentrar lá. Seu local de trabalho não era adequado para crianças, poderia se machucar.
No entanto, sua curiosidade infantil foi maior que a obediência. Esperou um momento oportuno. Seu pai se ausentara e foi visitar um parente que havia lhe encomendado uma armadura nova. Aproveitou a distração da mãe com a lavagem de roupa e invadiu o antro proibido. Diferente do que imaginava, nada ali lembrava a sala de estudos de um mago como Vectorius. Parecia mais uma sala de tortura, onde horrores inomináveis eram perpetrados. Havia centenas de espadas, adagas e lâminas obtusas, ainda por serem amoladas. O local era escuro. O ar se tornava rarefeito a cada descoberta do jovem.
Vérsico avançava pelo recinto com cuidado, sorrateiro, temeroso de despertar a atenção da mãe que estendia roupas no varal cantarolando.
De repente, seus olhos ficaram esbugalhados. O corpo estacou e os punhos cerraram.
Foi um susto para sua mãe quando ouviu toda aquela barulheira. Seu medo era de que seu filho tivesse se acidentado. E quem sabe, tivesse se ferido com alguma lâmina.
Quando seu pai chegou com seu convidado, o menino tinha um curativo na cabeça e repousava na cama. Sua esposa pôs compressas na testa da criança, um zelo que deixou o homem assustado. Acreditava que seu filho havia caído por uma terrível moléstia. Mas não era nada disso. A criança havia proporcionado um ato de bravura naquele dia, que se não fosse pela superproteção materna, teria rendido grandes gargalhadas.
Ao adentrar a oficina do armeiro as escondidas, ele deparou-se com uma armadura. O que em seu devaneio infantil não passava de um ladrão. Empunhou um malho que pegou instintivamente, e com fúria, desfechou um golpe certeiro na couraça, o que a fez desmoronar por completo. O barulho ecoou pela propriedade, fazendo com que a mãe corresse em direção ao filho com diversas orações a Keen. Por sorte, fora apenas uma desventura infante. O pai, que até então nunca percebera esse aspecto guerreiro do filho, sentou-se à beira da cama e alisando seu cabelo, disse-lhe:
— Você foi imprudente, filho...
— Mas também corajoso — retrucou seu primo arrastando um banco e sentando-se para melhor observar o garoto.
Ele sorria e era correspondido pelo pequeno herói.
— Quando irá se decidir a pôr o jovem Vérsico nas armas? Ele já demonstrou ser um perigo numa oficina... e tem sangue guerreiro em suas veias.
— Querida, desejo que conversemos a sós. Primo, fique aqui com o seu filho Prasicos. Nossos filhos são amigos íntimos — solicitou o artesão.
A mulher retirou-se do quarto a contragosto, sendo seguida pelo olhar do marido. Provavelmente choraria na cozinha. Ela não admitia perder um filho para a guerra e aceitava de bom grado que o menino fosse iniciado na oficina. Era melhor ter um artesão vivo e de vida humilde do que um soldado morto para honrar com choro amargo. O pai, além de contar com uma ajuda e manter o legado da família, também sentia a necessidade de proteger o filho, conhecia a dureza da vida militar.
O velho aristocrata ajeitou a gola da casaca e expirou o ar esvaziando os pulmões.
— Meu caro, conceda-me a honra de treinar seu filho nas artes militares. Sou influente na Academia Militar de Yuden, teu filho há de chegar a bom posto nas falanges yudenianas — profetizou o homem.
— Não foi essa a promessa entre os nossos ancestrais. Vocês se dedicariam às armas, e nós à forja. Está quebrando um acordo de gerações meu amigo — relembrou o outro.
— Não podemos nos responsabilizar em cumprir tratos que nós não testemunhamos. — E o homem lançou uma piscadela a Vérsico que fez a criança sorrir. — Não confio em história oral. Muito do que cantam os bardos foram aumentados à enésima potência.
— Não fale assim, é graças a eles que podemos beber vinho distraidamente — segredou o artesão. — Não me leve a mal, mas temo que meu filho não encontre lugar na casta militar. Somos um braço menor de vossa família, ou melhor, uma mão.
— Um homem com falta de uma das mãos não tem dificuldade de comer? — perguntou o nobre. — Pois bem, se não for abuso de tua confiança, dá-me esta criança que o levarei como meu próprio escudeiro. Comerá a nossa mesa, galopará em nossos cavalos e vestirá as nossas couraças. Será como um filho para mim.
Vérsico lançou um olhar interrogativo ao pai. O armeiro levantou-se, e como era de seu costume, andou de um lado para o outro, realizando um oito.
Prasicos não se aguentava de ansiedade, não via a hora de ter o primo em sua casa. Então, depois de muito arrazoar sobre a questão, o homem chegou a um veredito:
— Leve-o, mas com uma condição: se em um ano ele não se adaptar a vida militar, traga-o de volta.
— Assim será meu velho amigo.
Os homens se cumprimentaram e trocaram um caloroso abraço. Vérsico e Prasicos passaram o restante da noite fazendo planos mirabolantes sobre a rotina de treinos que seguiriam. Para o garoto, o fim de sua estadia naquela casa seria o início de uma nova vida. Uma jornada marcada por cicatrizes na alma.

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