[Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

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Antonywillians
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[Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

Mensagem por Antonywillians » 21 Abr 2020, 10:48

Este é um romance que escrevo há alguns anos já noutro site e resolvi trazer para cá aos interessados sobre o universo do game de Fallout. A história não se passa inicialmente na cidade de Nova York como muitos devem imaginar, e sim próximo a capital Albânia do estado de mesmo nome. O atual romance já conta com muitos capítulos que colocarei aos poucos e tem intenção de chegar até a cidade cosmopolita de Nova York, espero que gostem.

No geral é mais um treino de escrita que faço decorrente de uma mesa de Fallout RPG que mestro.
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FALLOUT NEW YORK: ALÉM DO VAULT 42

romance/fanfic - Fallout RPG

Autor: Antonywillians

Iniciado: 28/02/2017


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SINOPSE

O ano é 2290, mais de dois séculos desde a Grande Guerra que levou ao fim do mundo. A comunidade é formada por habitantes do abrigo subterrâneo Vault 42, onde vivem uma tradição militar quase religiosa, com os moradores comuns servindo entre si em uma feliz comunidade que teme os perigos além das Terras Devastadas do antigo Estado de Nova York.

O Vault possui uma hierarquia bem definida, onde o Supervisor é quase considerado uma entidade divina, que nunca foi visto, só conhecido como Presidente John Henry, e fala por alto falantes onisciente e onipresente a todos os habitantes lhes ajudando e confortando no dia-a-dia. Os militares são compostos por uma rede que começa desde a milícia do Vault que mantém a ordem, até os chamados Plasma Keepers, que trajam Power Armors X-01 MK II e armas de plasma, guardando o desenvolvimento de novas tecnologias em que os habitantes mais hábeis trabalham sob os auspícios do próprio supervisor.

A história começa quando é realizada a cerimônia de abertura do Vault em que um grupo de habitantes especializados será enviado a campo para explorar a região próxima atrás do cientista Dr. Patrick Comarc que teria ido comprar algumas peças nas proximidades.


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Antonywillians
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Re: [Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

Mensagem por Antonywillians » 21 Abr 2020, 10:56

PRÓLOGO
O VAULT 42


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“Why does the sun go on shining?
Why does the sea rush to shore?
Don’t they know it’s the end of the world
‘Cause you don’t love me anymore?

Why do the birds go on singing?
Why does the stars glow above?
Don’t they know it’s the end of the world?
It ended when I lost your love.

I wake up in the morning and I wonder
Why everything’s the same as it was
I can’t understand, no, I can’t understand
How life goes on the way it does”



O alarme do meio dia então soava estridente, rompendo o ritmo da alegre música de um mundo há muito distante que tocava em seu Pip-Boy, aparelho no braço em forma de um bracelete com botões e tela, como um computador portátil. Debruçada mais uma vez em sua escrivaninha para ler um grande livro sobre as mais avançadas tecnologias descobertas recentemente, a moça de aspecto bem cuidado, cabelo ruivo preso em coque, e de olhar terno esticou o braço para parar o escândalo do pequeno relógio seguido de desligar a rádio.

Cassandra Falcon não tinha muito mais tempo sobrando. Logo que guardou o livro de “Tecnologias Pós-Guerra”, se adiantou pelo quarto trocando seu macacão azul daquele dia, guardando nos bolsos alguns cigarros Black Tortoise que conseguia esgueirar para longe da vigília dos guardas e colocando seu revolver na cintura. Penteava seu cabelo vermelho como fogo com o cuidado de deixa-lo ondulado e com uma mecha a frente, até que percebeu estar se demorando muito. Naquele dia, deveria atender ao chamado do anuncio de uma missão muito importante para o supervisor da Vault, o Sagrado Presidente John Henry Eden II, a entidade jamais vista pessoalmente pelos olhos mortais e que zelava onisciente e onipresente por todos ali através das inúmeras câmeras e auto-falantes pelos quais se manifestava.

A ruiva assim que terminou, prendeu alguns cintos de algibeiras e se retirou de seu quarto trancando a porta para que os vizinhos dos demais alojamentos não fuxicassem suas coisas enquanto estivesse fora.

- Mas o qu…

Seus passos foram interrompidos bruscamente quando deu de encontrão com a placa de metal escuro da armadura pesada que ELES sempre andavam e foi ao chão com peso.

- Mald… Oh, desculpe! Não era minha intenção esbarrar em você!

Cassandra Falcon logo se desculpou enquanto se apoiava na parede para se levantar segurando o ombro que latejava. A coisa a olhou com uma espécie de silêncio desdenhoso. Seu elmo era na forma do que parecia a expressão de uma grande mosca mecânica com tubos que entravam pela nuca, a própria armadura lhe dava um aspecto sobre-humano com uma robustez metálica e quase dois metros de altura. A jovem sabia que não devia se meter com eles.

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Plasma Keepers, os guardiões sagrados com armas que cuspiam plasma capaz de derreter o mais resistente metal, era como passaram a ser chamados quando há menos de uma década chegaram na Vault. Portando suas armaduras power armor, um módulo protetor que lhe reveste todo o corpo, deixando até mais robusto e maior que um humano, com a força de dez homens e a resistência de um tanque. Algo raro, que vinha da época das poderosas tecnologias da Grande Guerra. Entraram pela passagem da Vault como que em procissão e foram aceitos de imediato pelo divino presidente John Henry como que se fossem convocados por ele, sendo que hoje serviam como seu paladino, patrulhando os corredores, supervisionando com altivez os habitantes e as fabricações de armas das oficinas de andares inferiores e sempre se mantendo distante de nossa gente. Se não fosse os médicos, poderíamos até imaginar que eram feitos de máquina, tendo inclusive alojamentos próprios em que não se misturavam.

“Oh, tome mais cuidado, senhorita Falcon!”, a voz simpática e macia veio de um alto-falante próximo, de maneira que a ruiva chegou a sentir um arrepio. Era ele… O deus “Venha! O anunciamento está quase começando! Ah sim, por favor não fume nas dependências públicas, sabe que pode incomodar os demais colegas e lhe faz mal a saúde! Hahah”

Cassandra de pronto ajeitou o cabelo e a roupa lembrando que sempre era observada pela entidade que guardava a Vault. Por instinto até procurou onde estava seu maço de black tortoise.

- Sim, excelentíssimo! Desculpe, já estou chegando.

“E senhorita Falcon, por favor passe no laboratório do Doutor Knighten… Não estou conseguindo convoca-lo. Salve à América!”

- Sim, senhor! Salve!

E ouviu o zunido do final da ligação. Logo apressou o passo.

o o o o

A Vault 42 era um mundo. Forjada pela melhor tecnologia pré-guerra, tinha um número incrível de aposentos, câmaras, corredores e elevadores. Todos resfriados com um sistema próprio para uma boa qualidade da respiração humana e pra alimentação dos grandes armazéns subterrâneos em que ficavam toda a comida e máquinas que desde séculos produziam o alimento diário. Seus corredores eram vastos, com tetos altos dando para halls com até três andares que circundavam pelas paredes com muretas e um espaço aberto. Mesmo estando há muitos quilômetros abaixo do chão sob os bosques que circundam o Lago Burden, o local era bem acolhedor.

Os corredores subterrâneos de laboratórios já eram mais apertados, e escuros, coisa dos cientistas com sua mania mais introvertida, preferindo pequenos espaços e pouca circulação para manter a concentração. Havia um número considerável de escritórios, oficinas e áreas de pesquisa, dos mais variados assuntos, alguns estudavam sobre novas bactérias e vírus, outros venenos, alguns até serviam para recolher informações em grandes discos sobre as condições do mundo além do portão do Vault, mas o que tinha em maior número sem dúvidas eram os de desenvolvimento de novas tecnologias, fosse de melhores computadores portáteis Pip-boy ou armamentos, este último com especialidades trazidas pelos Plasma Keepers.

- Cabelos de fogo!! Não a esperava por aqui hoje – a voz sorrateira e arrastada com todo o peso de sonos mal dormidos trazendo o apelido que muitas vezes a senhorita Falcon ouvira revelava a voz da Senhora Christie, uma senhorinha até muito bem conservada que hoje gerenciava os arquivos da Vault e conhecia grande parte de seus maiores segredos muito bem guardados em algum de seus vários disquetes colecionados em sua biblioteca digital – Eu e o Senhor Rowling iremos logo logo para o chamado do Presidente! Não se atrase querida!

- Obrigada, não me atrasarei… Ao contrário do Dr. Knighten!

A senhora continuou andando meio curvada sobre uma caixa cheia de papeladas enquanto ria.

- Ah sim, esse jovem virou duas noites novamente!

Cassandra gostava muito da Srª Christie, era uma das mais simpáticas em todo o lugar, que fugia ao regimento militar pregado na Vault sendo mais preocupada em ser caridosa do que obedecer todas as ordens, ainda que isso criasse um mal boato de fofoqueira e conspiradora.

A porta do escritório não estava mais tão longe, e nela já havia alguém batendo incessantemente. Marie Marvingt, irmã de Knighten, não de sangue, mas adotiva… e que odiava Cassandra desde a infância. Ela socava a porta metálica sem parar chamando pelo nome do irmão.

- Ah não! Agora essa?! Rubra saia daqui que eu quem irei tirá-lo dali.

Cassandra ignorou o pedido e fez um sorriso irônico enquanto retirava um prendedor de cabelo do bolso e o entortava para ficar reto.

- Vocês e seus apelidos por causa do meu cabelo! Bem que podiam me chamar pelo nome – zombou de Marie que irritava batia o pé e tentava lhe impedir de chegar na porta.

- Difícil quando se fica mostrando toda hora com esse cabelo esquisito em nossa Vault! Papai diz sempre que nem seus pais tinham esse cabelo quand…

Cassandra visivelmente se irritou, ou melhor, fisicamente como Marie pode sentir quando um soco atingiu seu maxilar dolorosamente. A luva na mão da ruiva ficou um pouco manchada de sangue, mas parecia mais satisfeita.

- Nunca… Fale… DELES!

Calada, Marie se escorou na parede fria assustada com a reação, e sabia ter ido um pouco além demais da linha da paciência que Cassandra tinha. Observou-a enquanto irritada procurava a fechadura e destrancava arrombando-a manual, sabendo que Kinghten sempre esquecia de trancar com senha. Alguns minutos, e impaciente Marie já se preparava para falar da demora até sentir a dor do soco e preferir ficar calada.

A porta automática soltou um trinco e logo Cassandra passou a mão por baixo dela, erguendo com peso até a metade.

- Não fique parada! Me ajude!

Marie contrariada ajudou e conseguiram levantar até que ficasse presa no alto do arco de passagem. No interior do laboratório vários papéis cheios de anotações e projetos se espalhavam para todo lado misturados com inúmeros fios e placas de metal ou mesmo partes de robôs em conserto. Era uma verdadeira algazarra, onde em meio àquilo tudo, deitado sobre uma escrivaninha estava Dr Michel Knighten roncando com sua barba por fazer e os ouvidos cobertos por um aparelho esquisito que era interligado por um fio ao Pip-boy pessoal. Um barulho veio dos metais entulhados, logo Cassandra com seu instinto militar se colocou diante de Marie e sacou seu revolver apontando para o vulto que emergia do lago de projetos e sucata. Aos poucos tomava a forma de um globo com três extensões como olhos e diversos braços metálicos que saiam debaixo de si enquanto flutuava com uma chama que lhe permitia suspender no ar: era um Mr. Handy, um robô domestico que servia ao Vault das mais diversas maneiras, fazendo sua proteção, manutenção e auxílio aos habitantes.

“Oh-hoh! Lady Cassandra, por favor não atire!”, o robô emitiu sua voz com ascendência de leve sotaque britânico, “Estava apenas aguardando meu senhor despertar”

- Não nos dê um susto desses! – bradou Marie jogando uma peça de metal próxima no robô que balançou em pleno ar. Cassandra lhe olhou com reprovação.

- Sem problemas, Pennyworth! Porém estamos atrasados. Desculpe, mas vou acordá-lo!

Rápido como sempre foi com seus movimentos, Cassandra esticou a perna e puxou a cadeira de rodinhas do doutor, o deixando se estabacar no chão enquanto acordava assustado e engasgando.

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“Oh, senhor! Estás bem!?”, o Pennyworth rapidamente se aproximou e ajudou seu senhor a levantar.

- Seu… Seu… - Marie tentou insultá-lo, mas nem encontrava palavras – Sabe o que acontecerá se papai souber que nos atrasamos para o anúncio do presidente??

Dr Knighten ainda estava zonzo. Apesar do título, era até mais novo que as duas, trazia os cabelos castanhos encaracolados todo desgrenhados e os olhos vermelhos de noites ruins de sono por trás de óculos remendados. Cassandra inegavelmente tinha uma queda pelo rapaz desde a infância. Apesar da idade, ele tinha seu respeito na Vault como mestre da informática, capaz de consertar e explorar qualquer coisa digital. Cassandra tinha muita simpatia por ele, pois assim como tal perdera os pais desde cedo, os seus haviam abandonado a Vault e a deixado sozinha ainda em berço quando nascera, já ele viu os pais cometerem um perverso crime tentando hackear a própria Vault e espalhar boatos ruins sobre as ações do presidente, tendo sido banidos para fora da Vault para sempre até ser adotado pela família de Marvingt. Assim que tomou noção da realidade, as cumprimentou como sempre ensinaram, batendo os calcanhares e prestando continência.

- Desculpem, senhoritas! Estive preso em meu mais recente trabalho! Descobri que há outras rádios para além de nossa morada, no mundo da superfície e além de tentar acessá-las, estou terminando um projeto! Terminarei em poucos dias o protótipo de Eyebot ED-E 756. E sem cont…

Marie pegou pelo braço e começou a puxar interrompendo sua inspiração em falar das criações.

- Tá, já entendemos! Vamos!

Cassandra pegou a pistola do doutor em cima da mesa e o entregou enquanto saíam pelo corredor, aos sons das reclamações de Pennyworth que começava a arrumar toda a oficina.

- Não esqueça sua pistola, Knighten! Se verem que não a está levando a um encontro cerimonial poderá ter que explicar muita coisa para o presidente! – sorriu para o doutor.

o o o o

O atrium já estava lotado. Todos se misturavam civilizadamente sentando em cadeiras dispostas em todos os pontos do salão, diante do altar onde a cima podiam ver a pequena janela circular de vidro esfumaçado em que a figura embaçada do supervisor, o próprio Presidente John Henry Eden II deixava aparecer sua silhueta de um homem alto sempre com as mãos atrás das costas. Cassandra ficava impressionada com a possibilidade de quase o ver, assim como logo a cima, a abóbada do atrium trazia uma grande pintura representando um céu azul de nuvens onde as lâmpadas iluminavam similar ao que diziam ser o sol. Nascera na Vault e nunca sequer chegou perto dos grandes portões, mas sempre imaginava como eram os céus.

Não era permitido a ninguém da Vault ver o próprio presidente pessoalmente, apenas os Plasma Keepers tinham acesso a sua sala, o que é algo que todos sempre comentavam, pois o Presidente tinha a mesma voz e os mesmos maneirismos há séculos, ao menos desde pouco antes de 2077, quando o grande portão se fechou para a catástrofe que viria da guerra. Primeiro veio o som do hino em que todos escutaram com altivez batendo continência e apresentando as armas, de pistolas até fuzis, sendo que os Plasma Keepers, espalhados pelo atrium permaneciam imóveis como robôs. Cassandra estava curiosa, havia poucos motivos que o presidente convocava as pessoas para um anúncio: escassez de recursos, punição de banimento sobre habitantes criminosos, dias festivos ou quando escolhia com quem algum jovem casaria. Apreensiva, trocou olhares com Dr Knighten.

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“Caros habitantes da Vault 42! Sejam bem vindos a essa reunião”, a voz começou a sair por diversos alto-falantes nas paredes, o presidente falava, “Desculpe retirá-los mais uma vez de seus afazeres diários. Há quase dois séculos atrás, os homens em guerra atiraram uns contra os outros e uma grande ameaça se abateu sobre nós! Armas nucleares caíram por toda a América no final da Grande Guerra, devastando as terras, queimando nossos recursos e acabando com toda nossa glória”, o presidente agora andava de um lado para o outro pensativo por trás do vidro, “A Vault 42 foi construída para guardar apenas os melhores! Os melhores oficiais e especialistas do exército americano! Vocês foram treinados por gerações em táticas de combate, tiro, espionagem. Lhes foram dadas as melhores armas que pudemos fabricar e a melhor doutrina que poderiam se disciplinar! São soldados perfeitos, o máximo da América para um dia quando eu puder presidir a Casa Branca, serem meus guarda-costas, ouvidos e força de paz sobre essas terras! E infelizmente uma nova desgraça caiu sobre nós!”

O presidente parecia ter mudado para um tom mais sério. Marie e Knighten sussurravam o que poderia ser, mesmo a frente onde estava Dr. Dwight começou a cochichar com eles algumas questões.

- Dizem… Que o Dr. Patrick Cormac desapareceu há dias além do Grande Portão!

Cassandra arregalou o olho surpresa, esse era o chefe da divisão de estudos de armamento a laser que raramente saía dos andares mais inferiores da Vault onde faziam experimentos. Raramente um cientista de seu porte sairia para além do mundo subterrâneo.

“Nosso querido patriota Doutor Patrick Cormac, em necessidade de examinar pessoalmente novas peças para seus projetos deixou-nos junto a uma caravana de nossos negociadores que vão até regiões próximas nas terras desoladas para comercializar. Entretanto, não tivemos mais notícias! Por isso hoje declararei a necessidade que alguém vá e investigue! Meus paladinos estão em missão sagrada e a maioria tem já seus afazeres na Vault! Portanto escolhi dentre vocês uma pessoa que tem tempo mais livre e melhor competência! Por favor se levante senhor…”

Pareceu que todos os habitantes gelaram diante do anuncio. A ideia de passar pelo Grande Portão, enfrentar o mundo devastado que era contado nos livros de relatos de negociadores era algo incrivelmente aterrador. Seria mesmo que por instantes abandonar a segurança subterrânea e todo convívio.

“Senhor… Senhorita Marie Félicie Elisabeth Marvingt! Suas habilidades médicas natas de família será de grande ajuda quando encontrar nosso querido patriota!”

O anuncio do nome foi como um novo soco nela. Sua boca já cortada pelo golpe de Cassandra estava boquiaberta sem acreditar, a mesma chegou a cair sentada em sua cadeira. Logo seu irmão adotivo e pais correram para acudi-la.

- M-mas eu… eu nem sei portar uma arma direito… C-como poderia sair? – dizia em lágrimas.

A ruiva não soube como reagir, e como que por impulso ergueu a mão.

“Sim, senhorita Cassandra?”

- Senhor, excelentíssimo! Me permita acompanha-la. Conforme o Manual Guia de Sobrevivência nas Terras Devastadas, se não sabe usar uma arma direito seu fim é certo!

Houve um burburinho dos moradores. A velha senhora Christie parecia incrédula, assim como o irmão de Marie. Knighten pensou em levantar a mão, mas o medo o paralisou, chegava a tremer de nervoso. Após um breve silêncio do presidente, este pareceu examinar o atrium de sua saleta, no alto, através do vidro.

“Muito bem, senhorita Cassandra! Ainda que sua presença ainda seja de suma importância na patrulha dos corredores e manutenção da ordem como miliciana, permitirei que acompanhe a senhorita Marie em sua missão. Amanhã pelo horário do amanhecer, se apresentem nos andares superiores, ante ao Grande Portão. Lhes darei suprimentos e munição, além de um holodisco que ajuda a descrever a missão. Estão todos dispensados! Salve à América!”

A voz então sumiu e a multidão ainda em tumulto com a novidade aos poucos se dispersava. Cassandra podia não gostar de Marie, mas não era sem coração. Aproximou dela e de seus pais colocando a mão em seu ombro. Seu coração pulsava forte, tinha certeza que foi impulso e não devia ter se proposto a tal.

- Porque fez isso, Rubra!? Porque!? – Marie ainda incrédula estava em lágrimas que borravam sua maquiagem e molhavam o vestido engomado e cabelos louros que lhe caíam sobre o rosto.

Cassandra não tinha alguma resposta, que não fosse ter sido fruto de uma impulsividade. Michel Knighten a abraçou em um misto de feliz e triste, estava intensamente arrependido de não ter se proposto a ir.

- Ruiva, irei reprogramar seu Pip-boy, me entregue e farei essa noite toda! Ele será o melhor que podemos realizar! Muito obrigado por cuidar de minha irmã… Mas realmente, porque se propôs?

De olhar confuso, Cassandra só pôde pensar que aquela podia ser a última vez que se veriam, e como que novamente levada pelas chamas do momento lhe beijou os lábios sob os olhos estupefatos de Marie e dos pais.

- Ahm… Na verdade, tem coisas que preciso descobrir lá fora!

o o o o

O Grande Portão era um maquinário monstruoso. Seu formato era de uma grande engrenagem de metal maciço que nem uma bomba seria capaz de perfurar, e para se abrir, o maquinário complexo fazia um barulho alto como o urro de um gigante. No dia seguinte, Marie estava ainda muito mexida, segurando o choro para não borrar a maquiagem e usando seu macacão da Vault 42 cheio de algibeiras com medicamentos, enquanto Cassandra trazia uma mochila com tudo que conseguiu reunir de seu quarto.

A família Marvingt estava toda reunida, mesmo o filho adotivo, que ainda trazia em seus lábios o sabor do beijo de senhorita Falcon, por quem sempre trouxera um sentimento quente e que se acovardava de revelar, como quase tudo em sua vida que era regido pelo receio. Cassandra estava de cabelo amarrado em um coque feito minuciosamente, trazia suas algibeiras com munição e segurava o holodisco que tinha o mapa da região. Quando os operadores deram o último sinal, o Grande Portão da Vault 42 começou a soltar vapor e se abrir girando como uma grande roldana. Para além havia ainda um túnel iluminado que seguiria até a saída. Uma luz quente e intensa vinda de uma saída no distante logo ía tomando a antecâmara, assim como um calor esquisito que lhes cerrava os dentes e ardia só de abrir o olho. Marie não aguentou e chorou olhando para seus familiares como que implorando para não ter que ir, já Cassandra pegou um Black Tortoise e acendeu com um isqueiro, dando uma tragada enquanto o mundo se abria a sua frente.

- Cassandra!! Por favor, volte logo… - disse Knighten bradando com força enquanto um Plasma Keeper se colocou no caminho do mesmo para não se aproximar das duas habitantes que estavam saindo.


- Não se preocupe, voltarei assim que puder! – E com uma piscada deu seus passos atravessando para além do portão que em seguida começou a se fechar em um ruído de engrenagens antigas até com um último estrondo trancá-las do lado de fora – Bem vinda, Marie, a América dos sonh… Mas o que diabos é aquilo??

...


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Editado pela última vez por Antonywillians em 30 Jan 2021, 02:53, em um total de 4 vezes.


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Re: [Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

Mensagem por Antonywillians » 21 Abr 2020, 11:01

CAPÍTULO 01:
Crawl Out Through the Fallout


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Calor. Não como aquele que era causado por defeito na refrigeração das máquinas de ar condensado que preservavam todos os aposentos da Vault, levando todos a suarem e se abanarem. O que lhes chegava a pele, incomodando os dentes e ardendo olhos e bocas, era uma espécie de calor nunca antes sentido que causou uma estranheza não agradável e nem parecia fazer qualquer suor ser transpirado. Uma forte onda de radiação em forma de vento carregando terra lhes envolvia em um abraço mórbido, vindo da direção da saída desse pequeno túnel em que estavam, levando a um cenário que Cassandra e Marie não podiam sequer acreditar.

Azul, vasto e imponente era como conheciam o céu. Os livros o retratavam como algo jamais visto, com proporções colossais, enfeitado pela manhã com nuvens pinceladas onde pássaros dançavam entre elas cantarolando até a chegada do manto noturno com a escuridão e muitos pequenos brilhos cintilando estrelas majestosas como representava o holograma no teto do salão comunal do abrigo. Entretanto, elas não estavam preparadas para aquilo com certeza.

Caminhando pelo túnel contra a corrente de vento radioativo que lhes corroía a pele, percebiam várias flâmulas e cartazes rasgados, desbotados ou mesmo caídos do que parecia ter sido há gerações um grande festival na entrada do Vault. Havia cartazes de boas vindas, imagens de figuras em armaduras reforçadas Power Armor e de pessoas felizes indo para o portão-engrenagem, além de representações sem muita clareza de um homem de terno e cabelos loiros como acreditavam ser o Presidente Edén. A luz do sol ajudava no calor e criava uma iluminação que seus olhos não estavam acostumados. Ainda se acostumando em meio as lágrimas que escorriam diante da dor da luz intensa, aos poucos o mundo além da caverna foi tomando forma… E não era o que esperavam.

Marie e Cassandra repentinamente perderam o equilíbrio e caíram ao chão. A visão do céu realmente era vasta e surpreendente, como um grande buraco, nunca estariam preparadas para aquilo, muito menos porque o gigante de belezas desenhadas em seus livros desde a infância, agora era um colosso horrendo. As nuvens pareciam tristes, cinzentas, envolta de um sol ameaçador com o azul celestial corrompido por um esverdeado temeroso que escurecia a tonalidade quanto mais seguia para o sul.

- Então foi… Isso que aconteceu!? – Cassandra conseguia falar mais nada além de um sussurro de surpresa e horror. Seu mundo além do Vault repleto de histórias e maravilhas era decadente, podre e ardia impiedoso a cada respiração.

Se apoiando uma na outra, buscaram ficar de pé apesar do enjoo que lhes embrulhava o estomago completamente após terem uma vida subterrânea se escancarando para uma vastidão infinita como uma vertigem que parecia as puxar para cima. Quando conseguiram se recompor um pouco ergueram os rostos com medo da visão daquele horizonte, Cassandra ainda estava mal acostumada com as cores embaçadas em sua visão tendo que forçar a visão que revelava uma paisagem decrépita.



O abrigo Vault 42 ficava no extremo leste das antigas terras antes conhecidas como Estados Unidos da América, no famoso estado de Nova York perto de sua capital Albânia, erguida além do Rio Hudson. Um local conhecido não só por sua grande influência tecnológica no Pré-Guerra, como pela sua belíssima geografia de matas e planícies com poucas colinas entrecortadas por rios e lagos, a exemplo do grandioso Lago Burden.

As fotos de época e descrições, contudo, nunca revelariam aquilo que presenciavam. A terra estava morta, como que em um tom acinzentado de um cadáver, com poucas árvores retorcidas e enegrecidas que mal se podia dizer estarem vivas ou mortas, com aspecto carbonizado mas ainda paradas sem muita folhagem. Não havia mato nem arbusto, só terra poeirenta e rochas com relevos desconexos elevados ou afundados como se todo o chão da região tivesse sido revolvido – e bom, de certa forma foi mesmo.

- Ca-Cassandra… - Marie choramingou abraçando o próprio busto perdida em meio ao desespero – E-e-eu não quero ir… Temos que v-voltar!

A ruiva olhava aquilo tudo incrédula sem poder acreditar nos próprios olhos, pois mesmo que tivesse lido nos mais antigos livros e arquivos do abrigo, nada lhe dizia de um terror tão vasto. Marie chorou ainda mais alto, e como reação só conseguiu dar-lhe um tapa forte na bochecha que deixou uma grande marca vermelha antes de segurá-la pelos pulsos e olhar com um misto de raiva e confusão.

- Cala a boca sua inútil! VOLTAR NÃO É MAIS UMA OPÇÃO!!!.

A ruiva bradou alto franzindo a testa tanto que chegou a perceber que estava tão descontrolada quanto. Buscando retomar o controle soltou Marie que voltou a desabar sem chão e choramingando baixo. Cassandra jogou o cigarro fora já que com aquele ar ruim lhe dava um gosto ruim de afta na boca ao invés do sabor normal de tabaco.

- Desculpe, Marie. Estou tão apavorada quanto… Eu esperava tudo menos, bem… Isso aqui – refletiu um pouco, acendeu um novo cigarro e olhou envolta sem muita esperança, até reparar que parcialmente enterrado nos escombros do mundo era possível discernir um asfalto como que de uma rodovia – Vamos seguir essa estrada! Para o sul deve ficar o lago Burden que aparece no mapa do meu Pip-Boy, mas o céu para lá é esquisito… Verde e com nuvens de raios estranhas. Maldição parece até que quando olho para aquela massa verde o ar vem ainda mais carregado! Sigamos para o norte.

- N-não… - Marie soluçava em negação abraçada a uma pedra escura.

- Marie… Nosso povo depende de nós! – agora mais calma, Cassandra tentou lhe confortar, limpando suas lágrimas e a ajudando a se levantar – O Presidente precisa de nós!

Marie então mudou sua feição para raiva e indignação.

- Você nem pensa na porcaria da Vault, sua cabelo de fogo escrota! – apontava para Cassandra que ficou surpresa e sem reação – Sempre quis sair e encontrar suas respostas… É APENAS UMA EGOÍST…

Marie parou de gritar imediatamente esperando o novo soco que Cassandra preparava. A ruiva e a jovem Marvingt se irritavam muito fácil uma com a outra, talvez por ironia divina o Presidente achou uma boa ideia saírem juntas. Seja como fosse sabiam que se continuassem discutindo chegariam a lugar nenhum, e precisavam se controlar. Um mundo em decadência tende apenas a trazer um desastre quando não há em quem apoiar.

- Só vai na frente, Rubra. Não sou muito boa com armas, talvez você sirva ao menos para atirar se algum bandido vier.

Marie tentava se recompor, cambaleando um pouco tonta com tanto espaço depois de uma vida em túneis e galerias, algo que mesmo Cassandra estava se acostumando a ideia ainda. Sem replicar a provocação, a ruiva pegou sua pistola, examinou a munição e seguiu a frente com a mão no coldre.

* * *

2077 foi o ano que marcou o fim de tudo. Cassandra Falcon e Marie Marvingt não eram nenhuma especialista em história dos povos pré-guerra, todavia, todos na Vault ouviram as histórias de o que acontecera na superfície. Os pesquisadores da cultura tecnológica pré-guerra, liderados pela Senhora Christie, sempre contavam a história como a ganância humana era capaz de destruir uma grande nação.

O mundo se modernizara, de maneira que cada vez mais precisavam de mais e mais recursos combustíveis para poder fazer suas industrias e mercados funcionarem, fosse para alimentar as máquinas ou para servir de meio de locomoção às grandes elites do passado. Quando seu principal combustível entrou em crise, o petróleo, todos foram levados a guerras incessantes que findaram com o que restava do próprio recurso pelo qual reclamavam, passando a recorrer à energia nuclear. Os Estados Unidos possuíam a tecnologia nuclear muito a frente, sendo capazes de produzir mesmo pequenas cápsulas de fusão possíveis de movimentar carros, máquinas de lavar, robôs domésticos, energizar rapidamente cidades e mesmo armaduras reforçadas Power Armor para seu exército. A vida passou a girar envolta da energia nuclear que com os avanços levou aos poucos ao barateamento rápido da fonte de energia, e da mesma maneira, das armas atômicas.

Cassandra Falcon já experimentara atirar com diversas armas nos andares de treinamento de tiro da Vault 42, entretanto, apenas os portadores de armaduras reforçadas tinham permissão de treinar com o uso da melhor arma que ela já vira: O Fatman, uma espécie de lançador balístico de projéteis compostos por pequenas ogivas que são capazes de explodir um prédio inteiro sem devastar toda a cidade. Os EUA na época usaram todo seu poderio nuclear e recursos que adquiriram vendendo a tecnologia pelo mundo e acabaram dominando a economia mundial e territórios próximos, como o Canadá. Quando seus maiores rivais, os Chineses de ideais comunistas sempre caçados pelos ianques, atacaram o Alaska, o mundo todo estava esperando por um desfecho drástico. Lá ficava Anchorage, uma cidadela mecanizada que controlava os últimos recursos de combustível fóssil restante no mundo além de produzirem inúmeras aberrações mecânicas para a guerra, e quando o local foi retomado todos temiam a represália chinesa.

Durante um breve momento de paz diversos bunkers e abrigos subterrâneos terminaram de serem escavados, sendo que o Vault 42 foi um deles, um projeto da Corporações Vault-Tec, que tinha como objetivo em caso de uma guerra nuclear ser capaz de salvar seu povo americano. Dez anos de intensas batalhas, invasões e espionagens, até que o desfecho levou a expulsão dos Chineses no início de 2077. Seguiu-se um tempo alvejado pela sensação de alguma paz e grande ameaça que rondou o mundo, até que as notícias por todo o globo, dez meses depois, falavam de enormes ogivas projetadas sobre todas as nações, sem que soubessem a origem de quem iniciou aquela que seria chamada de a Grande Guerra que durou por volta de duas horas… Horas em que choveram bombas nucleares por todo o mundo em números absurdos, como certas áreas dos EUA em que mais de trinta ogivas explodiram.

Os livros não relatavam muito mais sobre o que teria ocorrido. Cassandra chegou a ler partes sobre o efeito em cadeia de tantas explosões terem ocasionado uma espécie de escurecimento completo dos céus, uma mudança drástica dos relevos e uma chuva por todo o globo de partículas radioativas que envenenaram ar, terra, água e qualquer coisa que tocassem deixando um holocausto cataclísmico por anos que deveriam ter devastado qualquer resquício de vida. Por sorte ou azar, entretanto, houveram sobreviventes, como era possível perceber por aquelas árvores enegrecidas. Pareciam carbonizadas, mortas e enrijecidas pela dor, mas claramente algumas estavam vivas, mutantes, como uma paródia zombeteira da beleza que um dia tiveram.

Os livros sobre o mundo desde que os céus voltaram a ter luz e o ar não era mais tão poluído falavam de um Período Decadente, inclusive, nas palavras de Presidente Eden, era missão da Vault 42 resguardar essas terras para fazer a nação grande novamente um dia, contudo, nenhum escrito, disquete, vídeo explicativo da Senhora Agatha, contos de terror ou rumores vindo da boca de viajantes de caravanas que foram para além do abrigo eram capazes de descrever aquilo. O mundo estava aos escombros.


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Antonywillians
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Re: [Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

Mensagem por Antonywillians » 05 Mai 2020, 11:39

CAPÍTULO 02:
One More Tomorrow


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O som do pip-boy descontraía o ambiente com uma alegre melodia que trazia a ironia de falar de “um novo amanhã”. Marie desviava o olhar daquela coisa horrenda enquanto a ruiva parecia bastante curiosa inspecionando cada ponto daqueles vários veículos. A cada tentativa de observar as ações dela, acabava olhando direto para os horríveis esqueletos ainda dentro dos carros segurando os volantes e sorrindo zombeteiramente como se nem tivessem percebido o que lhes atingiu no passado.

- Mas quem deixou esses ursinhos de pelúcia como se estivessem dirigindo? – exclamou Cassandra incrédula dando alguns chutes na porta de outro veículo para desemperra-la.



A caminhada pela estrada destruída as levaram através de horas por um ermo desesperador em que nada era visto por quilômetros além de algumas ruínas de vilarejos e casas que ou estavam aos escombros ou enterradas em poeira e entulho. Por vezes se deparavam com as tais placas de trânsito que resistiram em pé ainda que enferrujadas, mas nada lhes chamou mais a atenção do que quando conseguiram enxergar a silhueta de diversos veículos mais a frente, petrificados em ferrugem numa fileira como se o trânsito intenso em que estivessem acabara os congelando no tempo.

Parados em um congestionamento de trânsito sem fim os carros se reuniam em fileiras, dos mais variados tipos e cores, como se toda uma região urbana estivesse nas ruas, e o mais bizarro: quanto mais se metiam em meio àquelas relíquias pré-guerra mais corpos apareciam, desde adultos dirigindo com ternos rasgados e roupas esfarrapadas até ossos de crianças ainda com brinquedo nas mãos como se tivessem morrido tão rápido que sequer puderam perceber o que os atingiu. Alguns cadáveres ossudos pareciam inclusive terem sido mexidos e trocados por ursos de pelúcia mal costurados e desbotados que ficavam simulando crianças ou mesmo segurando o volante. Mas quem poderia fazer uma brincadeira com humor tão negro?

- Marie você fez parte do andar de simulação que ensinava a usar veículos correto? – Cassandra se metia dentro de um dos carros com certo receio, com todo cuidado para não encostar nos corpos como se pudesse profana-los – Será que consegue dirigir um desses carros? Adiantaria-nos muito… O que é iss… Uma gaveta? Opa!

Com um estalo Cassandra encontrou uma gaveta de porta-luvas e com destreza deu alguns socos até desprendê-la. Os corpos traziam um ar macabro à situação, mas as duas não podiam ignorar a possibilidade de ter achados que indicassem pontos importantes na região.

Marie examinou as latarias velhas pensativa, aproveitando a situação para tentar ignorar a presença dos cadáveres. Agachada ao lado de um veículo passou seu dedo sobre as rodas e com o pouco de força que tinha conseguiu puxar a tampa do motor para examinar o maquinário. Apesar de sempre ter sido tratada como um dondoca e sendo uma especialista na área de medicina da Vault, Marie tinha grande atração pelas máquinas motoras, o que era um problema quando se vive isolado a uma distancia considerável da superfície. O abrigo ao menos tinha um simulador militar construído no pré-guerra que alguns interessados poderiam testar suas habilidades, e desde criança a jovem Knighten gostava da idéia expressa nos filmes e livros que tivera acesso falando sobre homens e mulheres que dirigiam veículos terrestres ou pilotavam marítimos e aéreos. Dedicara como um hobbie, porém seu irmão sempre falava que no fim ela era melhor nessas máquinas que nunca viram do que em achar a veia para aplicar injeções.

- Estão mal conservados… As rodas acumularam muita ferrugem e poeira, assim como alguns capôs estão ou emperrados ou frouxos! – Marie analisava com a perspicácia mecânica nata de sua família enquanto dava breves batidas nas carcaças de metal tentando ouvir seu barulho – Acho que os reatores que movimentavam esses carros ainda funcionam um pouco, só não sei por quanto tempo! Precisariam de uma boa manutenção antes de pensarmos em mover qualquer um deles…

Abaixou a cabeça mais ainda para ver debaixo dos veículos, havia a sombra de alguma coisa debaixo de alguns daqueles.

- Ah, que pena! – disse Cassandra voltando de outro carro com alguns apetrechos na mão – Achei um revolver que ainda está em condição de atirar. Também achei um dinheiro de papel do passado, o tal de dólar, talvez alguém ainda aceite! E adivinhe, tem bastante dos Black Tortoise por aqui, quase todos os carros tinham pelo menos… Marie, você está bem!?

Cassandra socou o fruto do espólio em sua mochila com rapidez e se aproximou de Marie que estava pálida correndo para vomitar poucos metros dali. A ruiva se deitou e espreitou em busca do que era, sem muito sucesso com o escuro que estava sob o veículo, podendo perceber apenas o contorno de um amontoado. Apertou alguns botões de seu Pip-Boy ligando uma luz verde e viu com clareza.

Nojo, repulsa e susto são apenas algumas das coisas que lhe veio imediatamente embrulhando o estômago. Havia um cadáver ali, de tempos bem mais recentes, que provavelmente tentou se esconder de algo, não como os esqueletos que nem perceberam o que lhes acontecera, mas um com carne ainda pútrida e tendo boa parte roída por algo que também lhe deixara alguns ovos translúcidos que protuberavam da pele. O infeliz foi perseguido e devorado por alguma espécie de bicho que colocava uma colônia de ovos. Foi quando Cassandra atentou para algo em sua mão podre de dedos corroídos, onde segurava o que parecia um pedaço de papel desenhado.

- O-o que você v… vai fazer, ruiva? – Marie arregalou os olhos quando metade do corpo da parceira já estava embaixo do veículo.

Cassandra retornou segurando o papel sujo e fedido. Levantou batendo na própria roupa tirando a poeira e tentando ignorar a náusea causada pelo horrendo odor. Forçou a vista e pareceu surpresa e confusa.

- Esse morto tinha uma espécie de mapa feito a mão… - ela tentou limpar os dedos na calça para diminuir o nojo pegajoso que estava - … Que horror! Preferia não ter feito isso para no fim ter esse trapo com desenho péssimo! Pelo que entendi é uma espécie de rota de comércio, mas boa parte está desgastado.

Marie pegou um pouco da água do cantil e limpou a boca, enxugando com um lenço úmido rosado que preferiu colocar dentro de um dos carros sem olhar para seus motoristas.

- Tem alguma indicação pelo menos de onde ir? Esse lugar me dá nos nervos… Nunca vi tantos c… corp… Argh!

Cassandra colocou a mão em seu ombro para ampará-la. Sabia que Marie não era muito forte ao ver feridas, cadáveres dentre outras coisas ainda que fosse uma médica de habilidades minimamente medianas. A verdade é que nunca também havia visto, além de alguns poucos habitantes da Vault que faleceram de velhice ou por acidentes de trabalho, como o Dr. Haushoffer que se explodiu quando tentou atirar com uma pistola a laser caseira que ele mesmo tentou montar em seu quarto.

- O mapa indica uma espécie de vilarejo aqui perto, ou entreposto… Difícil saber! Uma tal de Três Ventos, entrecortada por essa estrada e mais duas. Acho que estamos perto! Quem sabe consigamos informações?

Marie a pegou pelo braço, quase se arrependendo pelo fedor que ela exalava agora com a proximidade daquele cadáver.

- Só vamos, ruiva! Esses veículos estão me dando arrepios.



O mapa não era muito preciso, fedia demais e estava bastante arruinado. No meio do caminho se tornou apenas uma folha amassada e jogada ao vento empoeirado. A estrada que as duas seguiam era chamada de uma tal Rota Millers Corners que em algum momento se encontrava com Rota Best e a Rota Sand Lake. Sem muito como se guiarem, apenas seguiram.

Cassandra sentia as pernas cansadas de tanto se arrastar naquela imensidão, assim como Marie parecia apenas movida pelo medo de toda aquela novidade. Por vezes procuravam a sombra de alguma das árvores enegrecidas para se aliviarem do intenso sol, até descobrirem que o mormaço quente as perseguia em todo canto, um provável efeito da intensidade da radiação no lugar.

Por vezes as duas bebiam de seus cantis e tentavam avistar algo no distante, muitas vezes confundidas por miragens ocasionadas pelo calor no asfalto. Em algum momento após a metade do dia, mais especificamente quando o sol seguia para se encerrar a oeste além do vasto horizonte destruído, começando a deixar um céu alaranjado com algumas nuvens, puderam ver se formar o que parecia um conjunto de casas mais estruturadas cercadas de um número considerável de troncos e arbustos carbonizados.

Era como um antigo vilarejo com um conjunto de seis casas, onde duas desabaram por completo. Cassandra sacou sua arma e se colocou diante de Marie apontando para em meio aos prédios na possibilidade de algo ou alguém poder estar a espreita. A passos curtos seguiu até o centro do lugar onde as estradas se encontravam.

- Marcas? – disse Marie se agachando ao chão destruído do asfalto apontando para marcas enegrecidas como que queimadas ali e seguindo um trajeto esquisito – Parece ser de rodas, uns três veículos... de duas rodas na mesma linha provavelmente! Quem teria passado aqui e queimado o chão?

Cassandra não entendeu muito, só que Marie falava algo de possíveis automóveis como havia estudado em seus livros pré-guerra. Pensando no assunto, avançou para uma das casas destruídas e ali não havia nada além de escombros que caíram sobre uma estante de livros queimados e uma banheira enferrujada. A seguir foram até o que parecia, dentre as estruturas melhor conservadas, uma espécie de antiga cantina do povo pré-guerra, onde em sua entrada uma placa velha de madeira comida dizia “Pub do Holandês”.

- Estou cansada... Meu cabelo desgrenhado... Preciso descansar! - Marie se colocou sob a sombra da marquise formada pelo telhado gasto do local se recostando em uma das pilastras ofegando como que tentando encontrar algum ar puro naquele de radiação asfixiante. Cassandra estendeu-lhe a mão com a pistola que conseguira nos carros pelo caminho.

- Não tem muita munição, mas use bem...

- Não, ruiva! Sou horrível em atirar e...

Cassandra com o cenho arqueado só enfiou a arma entre as mãos de Marie e entrou a passos pesados pela porta que despencou só de encostar.

- Que pocilga! Argh! Cheiro horrível!

A ruiva se adiantou para o interior onde um fedor inescrupuloso de álcool e putrefação parecia há muito retido. Era uma espécie de pub, uma cantina em que os antigos se divertiam antes da guerra e assistiam em televisões partidas de jogos atléticos enquanto enchiam a cara das mais variadas bebidas. Um local que já devia ter sido aconchegante, hoje parecia só mais um pedaço de terror, com vários assentos almofadados desgastados e roídos diante de mesas decrépitas onde alguns esqueletos ainda estavam sentados zombeteiros com suas mãos na posição em que brindavam suas canecas no momento das bombas caírem, estourarem as janelas e os atingir em uma morte com eterno brinde petrificado.

Havia ainda um balcão repleto de bebidas que sobreviveram ao tempo e com uma cozinha onde boa parte da mobília ruíra e uma espécie de geladeira ainda emitia um zunido de funcionamento. As paredes por toda parte estavam com o reboco descascando, ou mesmo esfarelando, e repletas do que pareciam pichações fossem em forma de símbolos cheios de traços sem sentido ou mesmo com frases abomináveis seguidas do que parecia ser um símbolo na forma de um dragão cercando as palavras “Dragões de Mao”. Pensativa, a ruiva seguiu e abriu duas portas de banheiro... Preferia não ter feito. Em um havia dois esqueletos, entrelaçados sobre a privada, um de terno gasto e outro com o que parecia trapos da roupa de uma garçonete, no outro um esqueleto parecia de quatro com a cara mergulhada no sanitário em uma água de vômito perdido no passado.

O estômago de Cassandra se remexeu, de maneira que logo se afastou daquilo. Ao passar pelo balcão encontrou o fruto de todo aquele fedor. Três corpos em plena decomposição se amontoavam, com os trajes ainda sobre o corpo, apesar que rasgados, além de apresentarem o mesmo sinal do último cadáver que encontraram na estrada, como que repleto de pequenos ovos brotando de suas peles como pústulas horrendas.

Sem aguentar mais, Cassandra soltou um urro com tudo que havia dentro de si se espalhando pelo chão. O horror era indescritível, até porque realizava que aquelas coisas... aquelas gentes eram de tempos recentes, não do Pré-Guerra. Quem ou o que pudera fazer aquilo com eles!? Seus olhos esbugalhados olhavam perplexa o chão sem saber como reagir, era um pesadelo ou tormento que a acometera? E teria seus pais e todos aqueles que foram expulsos da Vault 42 sofrido mesmo destino!? Uma voz preocupada cortou o silêncio.

- Cabelos de fogo, está tudo bem aí!?

Engasgando com o que ainda sobrara na garganta e quase sem voz, Cassandra se levantou tentando recompor sua postura.

- Sirm... Sim! Não entre Marie! Aqui não... argh! Está muito... Só fique aí!

Cambaleante e pálida tentou se recuperar caindo em um dos sofás estofados vazios. Seu traseiro afundou fácil na almofada, até que sentiu uma coceira em sua barriga e pequenos sons de estalos.

- Mas o q... AAAAAAAAAHHH!!!!!

Inicialmente não conseguia reconhecer o que eram aquelas sombras que subiam por seu corpo de dentro do estofado, até sentir pinicar o toque das anteninhas em seu abdômen e sentir certos beliscões na pele que deixavam uma sensação quente e enjoativa. Baratas desde as pequenas até as do tamanho de ratos lhe subiam pelo corpo e pareciam picá-la. Com vários golpes e pulando pelo salão as arremessou ao chão onde chiavam irritadas. Claramente que pelo som Marie entrou porta adentro para só quando perceber o que eram soltar outro grito agudo e dar uns tiros a esmo, inclusive acertando algumas garrafas vazias sobre o balcão.

- Pare, Marie! Você não pode atirar a esmo ou vai me acertar, caralho!

- Mas não é a esmo, é naquilo!!!

Cassandra já se preparava para dar-lhe um potente soco que lhe trouxesse a realidade, quando ouviu um estalo bem mais alto e se virou. Sobre o balcão e saindo por baixo do mesmo alguns mais insetos nojentos se aproximavam, esses do tamanho de cães grandes. Baratas enormes zunindo irritadiças com as asas batendo em frenesi sob sua couraça asquerosa que mais parecia uma carapaça. As duas pararam sem saber como reagir ante aquele horror, até que os insetos avançaram.

A ruiva afastou Marie guardando a arma no coldre e aplicando logo o chute em uma que foi arremessada contra o balcão. Tivera algum treinamento contra esse bicho no abrigo, quando eventualmente essas pragas vinham por tubulações antigas ou corroíam as paredes de áreas mais afastadas, só nunca vira de tamanho tão grande. Quando a segunda criatura estava próxima o suficiente desceu a bota sobre a cabeça asquerosa e a estraçalhou numa onda de fedor e suco esverdeado que prendeu em seu traje.

- Naaargh!!! Esses troços são fracos, não use nossa munição… Vou dar um jeito nelas!

Marie se afastou enojada e com as mãos sobre o rosto sem acreditar no que via. Eram chamadas de Radroachs, baratas que se alimentaram de recursos radioativos e ficaram mutantes. Por vezes chegaram a infestar a Vault 42, sendo sempre suprimidas pelas milícias antes que causassem estrago com suas mandíbulas de saliva tóxica.

Cassandra já havia esmagado duas, quando uma terceira bateu asas por seu flanco e voou até suas costas pegando desprevenida, perfurando o macacão azul com suas quelíceras e injetando sua saliva ardida na pele da ruiva que soltou um grunhido. Marie ainda que tomada por pânico, tentou reagir pegando um livro que trouxera na mochila acertando em cheio nas costas da companheira que perdeu o equilíbrio e foi ao chão, por sorte com a radroach tendo soltado de sua carne. A criatura parecia bastante irritada em desaprovação pelo golpe que levara e avançou sobre a moça com o livro, sem pensar muito Marie deu um golpe com força contra a cabeça do bicho sujando a capa de seu Manual de Primeiros Socorros de uma forma que só pensava em largar em algum lugar para sempre.

- N-não! Era um volume ún... Ah que horror!

Erguendo-se com a dor incômoda da mordida, sua parceira se apoiava no balcão sujo olhando os corpos das coisas repugnantes. Cambaleando ainda um pouco tonta pela tensão, seguiu para ali atrás onde os cadáveres jaziam cobertos com os ovos daquelas pragas, como podia pressupor, e já na cozinha puxou a porta da geladeira. Ainda que estivesse bem emperrada, nada que um pouco de jeito e raiva não resolvessem até a porta quase sair em sua mão.

- Cabelos de fogo… Não deve ter nada... nada... nada aí que dê para comer! Vamos embora… por favor…

Cassandra pareceu intrigada e puxou dali algumas coisas, como sucrilhos Sugar Bombs, alguns pacotes de cookies e uma garrafa de vidro com um líquido negro, onde estava escrito Nuka Cola. A ruiva sabia que os Antigos eram apaixonados por essa bebida, ou assim tinha lido ao menos, de maneira que muito dela foi produzido e hoje em dia os povos usavam suas tampinhas como moeda de troca.

- Ah, não acredito que você… Isso é sério mesmo!?

Enojada, Marie se retirou do Pub arruinado enquanto a ruiva abria a garrafa, guardava a tampa em uma algibeira e bebia o refrigerante. Um grave engano. Assim que desceu em sua língua o sabor doce parecia até interessante com o gás que continha, mas ainda que a geladeira soltasse ruído, pouco fora capaz de gelar seu conteúdo e o refrigerante desceu pela garganta queimando, repleto de radiação. Primeiro veio uma sensação de arrependimento, em seguida um arroto e depois o estômago mandara de volta o que chegara lá. Agachada diante de sua poça de arrependimentos, os cabelos ruivos estavam desgrenhados e imundos. Como podia a comida que os Antigos fizeram sobreviver a radiação e mais de duzentos anos ficando com gosto praticamente intacto? Que tipo de conservante antigamente usavam para durar tanto tempo!?



Não demorou muito para que no vilarejo as duas encontrassem um casebre em melhores condições. Ainda assim tiveram que derrubar a porta emperrada no chute e matar umas duas baratas mutantes que estavam usando as tábuas da parede de ninho. Vasculhando a casa, encontraram muitos livros queimados, ossadas espalhadas pela casa dos antigos moradores e muitas pichações ainda falando dos tais “Dragões de Mao.” Durante o anoitecer Marie ficou no segundo andar, deitada em um colchão mofado de um aposento arruinado do que há muito fora um quarto, ali tentava comer um pouco da ração militar de viagem trazida da Vault, uma das poucas coisas que lhe trazia as boas lembranças de algo que não fosse radioativo ou possível de seres asquerosos terem encostado. Cassandra vasculhou cada cômodo e no momento tentava ligar um chuveiro emperrado pela ferrugem para então só descobrir que a água suja que saía tinha um odor ferroso e fazia a pele coçar ao toque.

A noite veio como um lençol silencioso que jogou o vilarejo no mais completo breu. As duas deitaram-se na cama de casal bem arrumada onde tinham certeza que alguém já deitara muito depois das bombas pela forma como a roupa de cama velha estava mexida. Podiam ver pela janela próxima o céu estrelado e silencioso, como uma fera que as espreitava. Por duas vezes Marie acordou com o pesadelo que algo mutante entrara nas mechas de seu cabelo ou que estava sendo perseguida, já Cassandra estava apreensiva pensando em tudo que passaram naquele dia e o que poderiam vir a encontrar no próximo dia. Chegaram a escutar alguns sons pela noite, fossem uivos, grunhidos ou até o que parecia um rugido – ou o ronco de um motor de moto, como Marie brevemente comentou – tudo bem longe dali.

A ruiva chegou a se levantar algumas vezes e espiar a rua tentando enxergar alguma movimentação no breu, mas nada percebeu além de uma estrela cadente na abobada celeste. O céu lhe encantava tanto quanto causava medo. Crescida nos subterrâneos, a visão de um vazio tão largo sobre suas cabeças era praticamente um péssimo agouro, enfim percebeu quão tolo eram seus pensamentos e com um sorriso arrumou o cabelo que estava um pouco desgrenhado pelo sol do dia anterior e seguiu para se deitar na cama.

Sua mente trabalhava a todo vapor, a ansiedade de chegar àquele mundo não morrera com os terrores que presenciaram, pelo contrário, a instigou ainda mais em saber como estariam seus pais e até os outros membros do abrigo que saíram. A cada minuto que passava ela se revirava a todo momento na cama até que enfim apagou de sono.



- MAS O QU…

Súbito Cassandra e Marie deram um pulo da cama com o som alto de metal batendo no chão. Rápido a ruiva seguiu até a velha mesinha onde deixou seus pertences e armas para se preparar com o que viesse. Marie sentou na cama um pouco tonta pelo susto e reparou que o sol já lançava seu calor abafado através da luz que irrompia pela janela.

- Ah, Cabelos de Fogo! Que susto… Deve ter sido nada além de alguma coisa que caiu de podre! Eu vou voltar a dorm…

Um mugido. Sim, um mugido alto e estranho fora da casa seguido de um badalar de pequeno sino.

- Ok, agora está ficando estranho! – Marie puxou as cobertas mofadas sobre o corpo, chegando a sentir o nariz coçar.

Cassandra recarregou sua pistola e seguiu até a janela. Era possível ver vultos humanóides entrando e saindo de diversas casas com sacos e mais sacos levando até o que parecia um boi. Aos poucos os ouvidos e olhos iam se acostumando com o dia, até que as vozes de conversas eram claras e pôde ver que eram uns cinco homens em trajes desgastados carregando coisas que deviam estar saqueando do local para colocar sobre as costas de uma espécie de bovino sem pelos, com a pele enrugada e vermelha, de duas cabeças deformadas com chifres que mugiam incomodadas com o peso.

- Marie, faça nada! Talvez nem nos percebam e vão embora…

Quase que instantaneamente passos foram escutados no andar de baixo com algumas risadas descontraídas. A ruiva abriu a porta levemente evitando fazer qualquer ruído e se arrastou até a escada para ver as figuras que estavam na sala de estar. Eram homens mesmo, usando roupas do que parecia ter sido roubadas de fazendeiros. Eles pegavam todo tipo de material inútil da casa e enchiam as sacolas saqueando praticamente qualquer objeto pequeno o suficiente.

- Stuart, seja mais rápido! Ontem a noite eles estava aqui por perto! – disse um deles enquanto enfiava um ventilador de mesa com as hélices quebradas na sacola.

- Ora, rapazes não se apressem demais ou não vamos conseguir selecionar bem o saque! – disse outro, sorridente com um chapéu de cowboy gasto e uma farta barba que recaía sobre sua barriga avantajada coberta por uma camisa de manga feita de listras.

- Denis, pare de falar e ajude! O Coronel não ficará feliz em saber que só está de papo!

O tal Denis assim que ouviu sobre o tal “Coronel” ajudou Stuart a desmontar parte de uma televisão quebrada e colocar as peças dentro da sacola.

- Meu rapaz… Nem brinque com isso! Desde o último assalto ao Covil dos Dragões o Coronel está cada vez mais irritado com nossas perdas. Stuart não se importe com o que o Brendon fala, vamos me ajude com o segundo andar!

A ruiva arregalou os olhos e logo se pôs de pé tentando recuar até o quarto sem querer esbarrando em um vaso de barro que foi ao chão se estraçalhando em um barulho alto o suficiente para informar até a Vault da presença delas. Os homens no andar de baixo paralisaram surpresos com o som.

- Tem algo ou alguém lá em cima! Homens, preparem seus rifles!

Imediatamente vieram sons metálicos de espingardas sendo desembainhadas, munidas e preparadas, seguidas de passos rápidos escada acima. Marie veio até a porta querendo entender a situação, só a tempo de ver a ruiva disparar um tiro de advertência quando os três homens rústicos apareceram nos degraus mais elevados assustados com a cena.

- M-mulheres? MULHERES? – bradou Stuart sem entender.

- HAHAHAH! Sim, Stuart! E das melhores… - gargalhou Denis enquanto Brendon franziu o cenho.

Cassandra apontou a arma para eles que responderam fazendo o mesmo com os rifles.

- Saqueadores! Voltem ou eu atiro!

Os homens caíram na gargalhada, menos o tal Brendon que parecia examiná-las com um olhar curioso.

- Pode atirar, mulher! – bradou Denis lambendo os beiços – Você derruba um de nós se tiver uma boa mira e os outros dois derrubam você já já neste quarto para brincarmos! Se é que me entend…

Um murro de Stuart na cara do amigo barbudo. O jovem franzino parecia bem vermelho de timidez e irritação.

- Isso não é atitude de um Protetor!

Denis olhou irritado para o outro e logo soltou a arma para lhe dar um murro enquanto esbravejava.

- Ora seu pequeno pedaço de m…

- CALEM A BOCA OS DOIS!!! – Brandon guardou a arma nas costas e deu alguns passos na direção das duas, sendo que a ruiva deu dois passos para trás ainda lhe apontando a arma tremendo um pouco de nervosa com a situação – Você, ruiva! Vejo que traz no corpo a roupa dos tais habitantes de Vault e a máquina esquisita no braço… Qual seu nome e de onde vocês vêm?

Marie e Cassandra se entreolharam e o homem barbudo atrás pegou novamente o rifle e apontou para as duas. Cassandra apertou dois botões em seu pip-boy ativando um programa tático de precisão e logo seu tremor parou e conseguiu atirar exatamente no cano do rifle do oponente, que o mesmo no susto soltou e deixou rolar escada abaixo.

- SUA VADIA! – Denis deu alguns passos enraivecido, até que o companheiro colocou a mão em seu peito o impedindo.

- Perdoe o meu colega, ele é um imbecil quando se trata de falar com gente nova! – o homem de cabelos castanhos bem arrumados, usando um óculos escuro e roupa de fazendeiro tentou sorrir para descontrair a situação – Meu nome é Brendon! Estou no comando desse grupo, e vejo que não são saqueadoras e sim habitantes de Vault! Por favor, qual o nome de vocês e de onde vêm?

Cassandra não sabia muito como reagir. Confiar nesses estranhos poderia ser um problema, mas também não tinha muito o que fazer. Abaixou a arma e se colocou entre eles e Marie.

- Meu nome não importa, mas viemos da Vault 42! Estamos em missão procurando um membro de nosso abrigo que desapareceu… Por favor nos deixem em paz, pois não queremos confusão!

Os homens se entreolharam incrédulos.

- Nunca ouvimos sobre este abrigo. Mas veja só, talvez possamos ajudar pois somos uma patrulha da Divisão dos Sucateiros! Já ouviu sobre nós?

Cassandra negou com a cabeça, encarando mal-humorada o olhar lascivo do tal Denis.

- Servimos à causa miliciana dos chamados Minutemen, bem… Ou servíamos. Hoje nós servimos sob uma divisão dentro do grupo conhecidos como Sucateiros, onde nosso líder o General Strash de Boston nos lidera com o objetivo de formar grandes comunidades que se ajudam tendo como principal dever recuperar toda sucata do distante passado para serem moldados em partes que podem ser usados para erguer a civilização! Não fazemos mal, apesar do nosso colega Denis não entender isso às vezes.

As duas jovens estavam um pouco confusas, mas foi o suficiente para a ruiva guardar a arma no coldre.

- Vocês saberiam dizer onde tem um posto de troca próximo? Precisamos de informações com mercadores sobre o paradeiro de nosso companheiro da Vault 42!

Brandon ponderou um pouco. Naquele momento Denis já perdera o interesse e voltara ao primeiro andar para pegar a sacola e levar até a abominação bovina que estava lá fora.

- Brandon, de repente a caravana de hoje possa ajuda-la! – Disse Stuart, que recebeu um olhar de desaprovação como resposta.

- Oh, sim! Senhoritas, se interessarem em nossa comunidade não muito longe daqui devemos receber ainda hoje uma caravana de mercadores vindos da distante cidade de Columbia! Acredito que eles possam ajuda-las em encontrar este povoado e lá obterem melhores informações.

A ruiva chegou a transparecer um sorriso de contentamento, parecia que enfim encontrara uma luz de esperança naquela devastidão radioativa. Brandon sorriu devolta, com os dentes amarelos e gastos.

- Todavia, não sem um preço… Heheh!


_______________________

Hello, Wastelanders!

Nota: Tudo bem pessoal, houve um grande acesso dessa obra desde que postei recentemente. Agradeço imensamente o interesse de cada um que me honra através da leitura. Esclareço, contudo, que escrever neste Fórum é pra mim um lugar de teste e aprimoramento, então se sintam a vontade de fazer comentários, críticas e sugestões! Elas são sempre enriquecedoras e motivam nossa produção.

Espero que tenham gostado desse capítulo, agora ativem seus Pip-boys e se preparem para a continuação!
Editado pela última vez por Antonywillians em 19 Jun 2020, 13:43, em um total de 1 vez.


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Re: [Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

Mensagem por Antonywillians » 19 Jun 2020, 13:42

CAPÍTULO 04
O Dia da BlackFriday


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Os lábios úmidos deixavam escapar um pouco pelos cantos enquanto sua boca se enchia daquilo que lhe descia a garganta em tanta quantidade que parecia poder se engasgar. Apertando os olhos sentia em sua língua e descer por seu corpo aquele fluido morno e transparente. Era um sentido esquisito que não tinha há muito, acabando por todos os três homens, que pareciam liderar a caravana de sucateiros, revezarem naquele prazer diante dos olhos sedentos dos demais. Cada um provava com uma voracidade de quem estava naquele desejo há décadas. Cassandra e Marie ante aquilo apenas pensavam o quanto acabou valendo o preço que tiveram de pagar para serem ajudadas. A ruiva fazia uma careta daquilo tudo que tinha um erotismo tão rústico que lhe causava arrepios.

- Droga, Denis… – Brendon empurrou o colega com brutalidade tomando seu lugar – Você tem que aprender a dividir, seu canalha! Me dê um gole aqui!



Como podiam imaginar que aos povos dos ermos a água da Vault 42 era tão preciosa. Água pura, o elixir da vida que era de tal raridade que muitos nasciam e morriam nas terras devastadas sem nunca ter provado seu gosto saboroso e refrescante, mantendo apenas a lembrança de beber água suja de sanitários abandonados, poças d’água formadas pela chuva e umidade, quando não a quente que doía os dentes pela radioatividade que contaminou boa parte do solo, rios e lagos.

Já caminhavam há algum tempo por uma antiga rodovia, até pararem momentaneamente para ficar dentro da caçamba aberta de um caminhão capotado a fim de descansarem do sol daquela manhã. Cassandra fumava seu cigarro vez ou outra enquanto ouvia incessantemente os três Sucateiros falando das maravilhas que era sentir o sabor da água do cantil que ela teve que dar, por sorte conseguindo manter o de Marie para que não ficassem sem algo para se hidratar na viagem. Até mesmo chegou a assistir um dos outros sucateiros comandados se abaixar em uma poça de lama e beber um pouco daquela coisa horrenda que chegou a cuspir um pouco de terra. Imediatamente lembrou do chuveiro que tentou ligar na última noite e saiu apenas uma água imprópria lhe impedindo o banho e deixando com um cheiro horrível de suor no macacão azul.

- Não há mais nenhuma água limpa? – Marie perguntou enquanto ajudava Stuart a cuidar da vaca mutante – Só bebem essas coisas sujas?

Brandon tirou a bota esburacada para dar alguns tapas contra a sola de seu pé suja e cheia de bolhas que conseguiu na caminhada.

- Sim, senhorita! Arrgh! Eu mesmo nunca antes tinha experimentado esse sabor…

A brahmin, nome que davam a espécie daquele bovino abominável, pareceu agradecer Marie por lhe dar um pouco de água suja, ainda que tivesse impressão da segunda cabeça não ter gostado muito dela. Marie imaginava se bebiam leite disso, visto que as tetas da vaca eram mais como uma grande massa de carne cheia de veias inchada como um grande tumor. Preferiu não descobrir.

- Só os mais abastados têm condições de comprar água pura das Vaults que vendem na comunidade de Columbia! – disse Stuart passando um pano úmido na brahmin a refrescando – Mas há rumores de que ao sul eles já tem abundante há alguns anos e em algum momento devem trazer para cá!

Brandon pegou seu rifle, pôs nas costas, conferiu suas algibeiras e começou a coletar os últimos objetos antes de poderem continuar.

- Esse negócio de rios e lagos inteiros de água pura é insandisse dos sulistas, Stuart! Vamos voltar a andar que não temos muito mais tempo!

Denis se aproximou com mais dois sucateiros e apertaram as cordas da carga da Brahmin.

- Se tivéssemos permissão podíamos tomar das Vaults do norte…

As palavras deixaram Cassandra em alerta, chegando a se queimar pelo cigarro que caiu de sua boca enquanto olhava Marie, tão assustada quanto. Brandon o repreendeu com rigidez.

- Cala a merda da boca! Não somos raiders para sair matando e pilhando… Talvez um dia os Sucateiros vão poder negociar uma troca amigável com os abrigos e os assentamentos possam ter melhores recursos! Por hora andando que pretendo chegar antes do almoço acabar no Easy Pete’s.



As três altas turbinas de energia eólica giravam tranquilas ao longe cercando um pequeno povoado. O Rancho dos Três Ventos era uma comunidade erguida no pós guerra em uma área de planície onde antes do grande holocausto havia o que parecia ser uma grande fazenda, um conjunto de casas cercavam uns poucos armazéns e diversos estábulos onde antes, conforme a história contada por Stuart, criavam famosos animais mamíferos de corrida chamados de cavalos ou equinos, uma espécime bem rara atualmente nas terras devastadas. O próprio local possuía estes bichos após o desastre da Grande Guerra, contudo ou se tornaram criaturas ferozes tendo escapado, os Corcéis Ferais, ou haviam sido capturados por terceiros antes mesmo dos primeiros homens reocuparem o assentamento.

O Rancho dos Três Ventos parecia um espaço urbano de meio de estrada, onde graças a sua localização era capaz de facilmente pegar correntes de ar e areia do norte, sul e leste, mantendo ininterrupto o movimento giratório da hélice das turbinas que alimentavam a vila com uma eletricidade mínima para lâmpadas acenderem, ouvirem as rádios e funcionar algumas máquinas. Era possível ver um conjunto de uns oito barracos feitos com entulho de madeira, pneus empilhados, placas de metal e até partes de antigos carros como portas e carrocerias. Próximo ainda havia três armazéns, sendo dois para comida e um para os animais ali criados poderem ter um teto, enquanto os três estábulos assumiram função comercial com um estande em cada antiga cocheira, um inclusive trazia em sua entrada o nome em letras grandes de neon mal cuidado, era o Easy Pete’s Bar com um amplo espaço interno repleto de mesas velhas e corroídas pelo tempo e cupins, com um palco antigo onde dançarinas em trajes extravagantes coloridos e penachos presos aos cabelos arrumados sapateavam nos horários de maior movimento como aquele.

A ruiva fumava e observava com atenção aqueles cercados às voltas da vila, onde dezenas de Brahmin mugiam em um engasgo estranho que se tem quando divide a mesma garganta com duas cabeças. Cassandra chegava a achar espantoso como eram as moradas dos homens na superfície, como que cavernas improvisadas e estilizadas, sem os subterrâneos da Vault que pudessem lhe conferir a segurança e aconchego… esta última palavra em especial, pois podia reparar que tudo era muito sujo. Poças de lama por todo canto, tudo que era metal estava enferrujado e o que era de madeira apodrecia rápido, roupas, lençóis e até cortinas e camas eram encardidas, rasgadas, fediam e estavam em farrapos. Marie encarava algumas pessoas, por vezes citava sobre como tossiam, estavam sujas ou pareciam sempre doentes. As duas jovens colocavam as mãos sobre os cabelos por vezes vendo se ainda conseguiam manter o penteado e tocavam o rosto e mãos vendo se tinham sido “corrompidas” por toda aquela sujeira do mundo fora do abrigo.

Então um esbarrão!

- Aih! – Marie exclamou derrubando alguém pequeno no chão – Me desculpe. Você está bem crianç…!? AAAAAHHH!!!

O grito estridente de Marie parou toda a atenção da praça que passaram a olhá-las mais do que antes, afinal já se chama atenção suficiente andando por aí com um macacão azul. Ela pensou que fosse uma criança que foi derrubada, porém aquilo não era… talvez nem human…

- O que houve aí!? – Brandon deixou a brahmin da qual tirava a carga junto com seus dois comparsas, e veio correndo até as duas que estavam em choque.

Cassandra inicialmente não sabia qual reação tomar, então imediatamente afastou Marie como instinto, pensou apenas em sacar sua pistola e apontar para a cabeça daquela coisa. Tremia um pouco de nervoso, fechando bem os dentes no cigarro em sua boca.

- Mungos não tê mais orlhos, é!? – a voz da coisa era rouca, muito mais que seria de uma criança ou mesmo de um adulto, como se suas cordas vocais houvessem sido queimadas – Mim já tê visto raiders muito mais atentos que ocês de Vault! Tira samerda da minha cara, Mungo idiota!

Brandon calmamente segurou o braço rígido da ruiva e a ajudou a abaixar a mira da arma. Com os músculos duros e a pele arrepiada, as duas olhavam um jovem garoto aparentando não mais que uns 7 anos de idade, usando um chapéu country batido e tão sujo quanto suas vestes repleta de bolsos e cintos de couro com dois coldres com pistolas, uma entrada para faca de caça enquanto nas costas trazia uma velha escopeta. Ver alguém tão novo portando algo muito mais letal que uma espingarda de ar era surpreendente, mas o que as assustava era o corpo do infante. Se estivesse parado sem falar poderia ter sido dado como o cadáver de uma criança, mas não… falava, xingava e esbravejava bem vivo. Sua pele do rosto e mãos que estavam de fora eram horrendas, deformadas, escuras, com diversas camadas de cores repugnantes como se esfacelando em partes mortas, seus olhos eram de íris praticamente brancas com um parco fundo escurecido, onde deveria haver um nariz restava apenas uma cavidade nasal coberta de pele gasta, além de que por onde se olhava veias eram quase expostas sob a pele de transparência gosmenta e exalante de um odor de corpo em putrefação ou queimado.

O estômago de Cassandra revirou com a imagem, enquanto Marie se afastou para bem longe correndo. A ruiva estava fascinada e horrorizada com a imagem, sem qualquer ação ou palavra, balbuciando algo incompreensível que tentava falar com a coisa.

- Z-zumbi!?

A criatura grasnou e se levantou irritada.

- Zumbi é tua mãe, Mung… Não, pare seu pulguento!

Antes que qualquer um pudesse ter reação, um cão se lançou no braço esquerdo de Cassandra a jogando contra o chão empoeirado, enquanto fechava a mandíbula rugindo. Brandon tentou puxar a ruiva que sangrava bastante enquanto a coisa-criança puxava o animal que com muita relutância se afastou com o pelo eriçado e rosnando raivoso.

- Pelos ermos! Deixe essa fera longe do rancho – bradou um homem mais velho que se aproximava, era calvo, gordo, com um vasto bigode e usando uma camisa quadriculada com suspensório – Brandon, leve a menina!

- Mas isso é um zumb… Arrghh! – Cassandra se levantou, voltando a cair de joelhos pela dor no braço que estava todo vermelho de sangue. O animal não tentara arrancar, mas na raiva fincara as presas forte demais.

- Mungo imbecil, nós não somos zumbis! – disse a criatura abraçando o cão pastor alemão - Mungo ser ghoul!

O homem que chegara bateu algumas palmas distraindo a situação e enxotou o cão para longe enquanto chamou alguns homens fazendeiros próximos.

- Pelo jeito é a primeira vez que elas veem um, prefeito George. Não a expulse, por favor!

O homem calvo claramente irritado segurou firme os suspensórios e olhou para as duas mulheres com reprovação.

- E por isso vou deixar que ela fique um pouco, mas não quero novas confusões ou eu mesmo as expulso a tiro de espingarda! – apontou novamente para os fazendeiros – Senhor Brandon, pode ir cuidar de seus afazeres, os meus homens irão leva-la para o bar para que esfrie a cabeça e coloque um álcool nessa ferida – em seguida olhou para o garoto deformado e seu cão – Vocês dois já estão no limite da paciência! Saiam da minha vista e arrumem suas coisas para irem embora… tenho nada a mais para tratar com uma fera pulguenta e uma criança ghoul portando armas em minha cidade!

Claramente irritada a criança removeu o chapéu num ato de nervosismo, revelando uma cabeça tão deformada quanto, com alguns fios de cabelo secos presos a pele morta, e foi embora com seu cão batendo o pé emitindo grunhidos roucos inaudíveis. O prefeito voltou para a casa em ruínas de dois andares que deve ter sido a morada dos antigos proprietários daquelas terras antes do mundo acabar.



O universo tem uma forma estranha de expressar sua ironia, e uma delas é o surgimento dos Ghouls. Por mais tempo que as jovens tivessem lido coisas sobre, nunca estiveram frente a frente com um além de algumas imagens que viam nos arquivos da Sr.ª Christie ou desenhos feitos por alguns que saíram e voltaram para a Vault 42 no passado. De fato não eram mortos-vivos, isso nem sequer é real. Acontece que quando as bombas caíram em outubro de 2077 a grande maioria da população dos Estados Unidos da América não tiveram tantos lugares tão bem seguros como alguns poucos sortudos conseguiram e acabaram sendo afetados pela explosão massiva de ogivas que caíram por todo o país.

No dia do holocausto nuclear nem todos que estavam desprotegidos tiveram a sorte de morrer. Boa parte da população foi dizimada pelo calor, a radiação e o impacto das bombas, contudo, algumas por algum motivo ainda desconhecido não conseguiram e sentiram enquanto seus órgãos eram remexidos, sua pele queimava derretendo e partes suas como cabelos, narizes, até dedos e dentes caíam. Ao fim do grande show de cogumelos atômicos que acometeu o mundo, poucas pessoas ainda conseguiam viver, ou pelo menos quase isso.

O processo de ghoulificação ainda é um grande mistério para a medicina das terras devastadas, o pouco que se sabe é que a radiação fez uma mutação imediata em seus genes e acabaram se tornando não só imunes a ela, como são capazes de se alimentar da mesma. Um processo horrendo, como devemos alegar. Até hoje há ghouls que surgem por simples contato intenso com a radiação que não os tenha levado a perecer, contudo, nem todos são apenas humanos mutantes… a grande maioria acaba tendo a mente fritada pelo calor radioativo, deixando de ser racionais e acabam virando o que chamamos de Ferais que atacam por instinto e se alimentam da carne daqueles que não fazem parte de sua espécie amaldiçoada. Tudo isso, inclusive, ocorre com animais comuns além do ser humano, deixando uma vida selvagem irônica, como uma cicatriz do distante passado.

- Espera… Mas e essa história de que Ghouls não morrem? – Cassandra perguntou fazendo uma careta de dor enquanto aliviava aos poucos depois de jogarem álcool na ferida.

Marie ainda estava abalada, mas era capaz de cuidar da companheira. Com as mãos trêmulas tinha puxado a manga da roupa azulada, aplicado alguns curativos, limpado a ferida horrenda de três dentes que afundaram na carne e agora injetava uma vacina de medicina aprimorada Stimpak, ou “pacote estimulante”, que ao mesmo tempo anestesiava e rapidamente ia recompondo a ferida que se fechava diante dos olhos. Envolveu a ferida em uma faixa esterilizada e começava a pressionar para evitar deixar muito frouxo.

- E-eu li nos livros da senhora Christie que não é verdade que são imortais. Eles se alimentam da radiação de tal maneira que isso prolonga muito a mutação que os mantém vivos! Pelo que dizia, nunca houve notícia de um que morreu de velhice e poucos se percebe terem envelhecido – Marie terminou e jogou um pouco de álcool nas mãos dentro de uma bacia para tirar o sangue que ali ficou – Só não esperava que fosse algo tão horrível!

Com a injeção Cassandra já conseguia movimentar muito melhor o braço sentido repuxar só um pouco. Logo olhou o pip-boy onde novamente colocara o holodisco para ouvir a missão. A voz do Presidente John H. Eden II era reconfortante para as duas, mesmo sendo uma gravação sabiam que de alguma forma o supervisor do abrigo com sua onisciência devia estar as observando orgulhoso.

- Vou pedir algo para você beber, ruiva – disse Marie se levantando para ir até o balcão – Algo que não seja álcool ou sujo, de preferência!

O Easy Pete’s era um lugar descontraído e até agradável se conseguisse ignorar o cheiro de estrume e palha molhada que o bar possuía. A sombra fornecia um refresco ante ao calor e vento quente que corria por todas as direções do ermo e as próprias pessoas pareciam felizes da maneira tranquila delas. A Vault era um espaço contido em que todos se conheciam e fofocas rolavam solta, mas aqui parecia ser um espaço de encontro até maior que a cantina onde todos bebiam, fumavam e sorriam sem esperar uma represália como a que levavam do Presidente. Quem poderia imaginar que em um lugar como esse é que, após tantos anos de conflito, conseguiria se entender com Marie e até manter uma conversa sem terminar em ofensas? Todo o passado parecia até vindo de um outro mundo.

Marie colocou uma garrafa de vidro de Nuka-Cola sobre a mesa e se sentou ao lado da ruiva que olhou com um pouco de hesitação lembrando da que provara no dia anterior.

- Ande, Cabelos-de-Fogo! Era a coisa menos suja que eles pareciam ter por aqui e o açúcar deve te dar uma animada.

Cassandra observou a colega por um tempo, conseguindo ver o ar de preocupação de uma médica nos seus olhos. Com um misto de receio e felicidade por poder molhar a garganta abriu a tampa com a roupa enrolada na mão e virou o gole. Na primeira cuspiu sob o olhar de reprovação de Marie, na segunda se forçou a beber aquele conteúdo que descia fazendo cócegas e esquentando aos poucos pelo pouco de radiação que ainda continha.

- Nossa, que horror… Como conseguiam beber isso no passado!?

- Digamos que você se acostuma aos poucos até se tornar a melhor coisa que já provou! – Brandon se aproximou puxando uma cadeira e sentando enquanto fazia companhia – Espero que esteja melhor. O prefeito não gostou nem um pouco do cachorro do menino Mungo ter lhe atacado, mas fazer o que… Também você apontou uma arma para a cara dele, não é garota? Hahahah!

Brandon sem dúvidas era quem parecia o mais experiente do bando de sucateiros, usando uma roupa melhor conservada com algumas placas de metal protegendo o peito, ombros e coxas, além de braceletes, tudo interligado por tiras de couro lhe dando uma proteção rústica e eficaz. Seu rosto tinha uma barba castanha desgrenhada e o nariz trazia uma pequena cicatriz.

- Esse Mungo é o nome dele? Vi que chamava todo mundo assim – Marie tentou conversar enquanto tomava um gole da Nuka-Cola resultando em acabar cuspindo tudo no chão sob protestos de Cassandra.

- É uma criança meio perturbada… Também, ele parece que ghoulificou há mais de duzentos anos, quando as bombas caíram e desde então vaga pelas terras devastadas tentando sobreviver! – Marie arregalou os olhos espantada – Sim e não. Digamos que ele é uma criança muito mais velha que a idade somada de todos que vivem aqui no rancho. Ele já contou a história de sua vida algumas vezes, mas não em detalhes! Chegou a essa região em busca de alguém desconhecido e fica vagando pelas regiões envolta sempre voltando para o rancho ao menos uma vez por mês! Ele chama todo mundo de Mungo, seja lá o que significa, por isso lhe demos esse apelido também! Hahahah!

Cassandra deu um último gole no refrigerante subindo um arroto que lhe escapuliu quase que como um rugido assustando alguns dentro do bar. Brandon ria com um sorriso amarelado.

- Não deixem de guardar a tampinha! É com ela que pagarão tudo!

Cassandra olhou a tampa amassada do refrigerante intrigada.

- Ah sim, eu li sobre… Esquisito que não podem só pegar as coisas como nós fazemos na cantina! Mas eu e Marie iremos ver de coletar o maior número de tampas possível!

Brandon ficou algum tempo olhando o Pip-boy no braço das duas enquanto bebia sua vodka no cantil novo que ganhara delas.

- Falando em dinheiro, tampas e compras… Eu gostaria de saber uma coisa. Nunca ouvi falar de sua Vault ao sul, poderia me indicar o caminho? Seria muito bom para os negócios poder comercializar com vocês!

Marie institivamente colocou a mão sobre a da ruiva que entendeu o recado e a olhou tentando acalmá-la.

- Senhor Brandon, entenda que nós não podem…



VVVRRRRUUUUUUUMMMMM!!!!!!



Um som alto e abrupto cortou a tranquilidade do lugar, como um ronco extremamente alto e feroz. Marie parecia reconhecer aquilo de algum treinamento que teve na época do abrigo, enquanto Cassandra já dava um salto e pegava a pistola até sentir fisgar o musculo ferido pela mordida. Brandon que sorria a toa agora ficava com uma expressão séria olhando em direção a saída que dava para a praça central do Rancho.

- Isso só pode ser eles… Os Dragões de Mao!



Uma turba tumultuada se formara no centro do vilarejo com as pessoas correndo desesperadas, mulheres e crianças se trancando nas casas enquanto todos os homens que podiam pegavam as mais variadas armas, desde pás até rifles velhos e mal conservados. O som aumentava ensurdecedoramente e ao longe uma grande cortina de poeira se formava.

Cassandra deixou Marie na mesa e logo se posicionou ao lado de Brandon. Segurava sua pistola mirando para aquilo que vinha, e em pouco tempo podia ver em frente a formação da fumaça cinco vultos. Todos pareciam esperar temerosos àquelas figuras, inclusive noutro lado o menino ghoul e seu cão estavam armados observando as figuras que chegavam.

Os Dragões de Mao gargalhavam e bradavam incoerências que sobressaíam ao som horrendo de rugido de seus veículos. Eram cinco homens em trajes esfarrapados e remendados com partes de diversas roupas diferentes, sendo que partes de couro e metal protegiam alguns lugares de seus corpos, tinham cortes de cabelos exóticos no estilo punk e um deles era careca com uma tatuagem de dragão que subia por sua nuca. Chegaram dando tiros e um deles deu um golpe com seu bastão de baseball ensanguentado em um estande de feira o derrubando sobre as mercadorias. Seus veículos eram horrendos, como máquinas rústicas cheias de peças a mostra com crânios presos em canos sobressalentes que cuspiam uma fumaça fedorenta. As motos pareciam rugir enquanto circulavam a praça com os homens selvagens fazendo baderna. Denis saiu detrás de uma pilha de caixotes esbravejando enquanto tentava dar um tiro com sua shotgun em um deles, apesar de resvalar no mesmo, recebeu em troca um tiro de pistola do mesmo enquanto esse se afastava.

Um deles, mais bem protegido pelas camadas de couro e metal com uma jaqueta vermelha pintada com uma estrela amarela nas costas, parou sua moto e desceu da mesma. O homem sorria zombeteiro diante do cano de rifles enquanto andava na direção do prefeito George que tentava esconder seu desconforto e nervosismo apenas segurando o próprio suspensório. A figura ignorou a ameaça das armas envolta e desembainhou uma espada que estava presa a sua cintura. Cassandra nunca vira tal tipo de arma, era belíssima, com uma lâmina longa e polida e na guarda trazia detalhes em ouro puro moldado na cabeça de um dragão feroz.

- Fala aí, coroa! – ria o líder da gangue – Gostou da visita!? Vim aqui pegar alguns tributos. Hahahah!

George se manteve estóico, mesmo quando o homem passou o braço por seus ombros lhe abraçando.

- Então, gordão… Onde estão as mulheres? Nosso chefe deseja tributo em tampas e bucetas.

- Vocês não terão nada daqui. Mal chegaram e já atiraram em um de meus homens.

O prefeito olhou na direção de Denis caído no chão com o tiro no braço agonizando de dor enquanto alguns homens lhe assistiam com cuidados. O líder da gangue tinha algo muito exótico, assim como os demais sobre as motos que ainda rugiam desfilando com velocidade envolta de todos como uma matilha de lobos famintos, eles tinham um semblante exoticamente reto e olhos bastante estreitos.

- Deixe disso, velhote! Os dragões já levaram a vida de seu prefeito anterior, e não vai querer perder a própri…

Um tiro. Um dos Dragões de Mao desabou de uma das motos caindo como um saco de batata no chão com o furo no meio da testa, e sua moto seguiu sozinha sem rumo perdendo o equilíbrio e rodopiando no chão.

- ORA, SEU!!!

O raider cortou o ar na direção do pescoço do prefeito, sendo aparada pela pá de um dos fazendeiros. George se afastou a tempo de ver a lâmina perfurar o abdômen do jovem. A seguir iniciou uma sessão de troca de tiros. Cassandra mal podia entender o que ocorria, observando os homens estranhos girando com seus veículos e atirando contra a multidão que revidava como podia, mas suas armas pareciam mais gastas do que as botas dos fazendeiros mais pobres dali. Percebendo inclusive o despreparo com tiro, correu até onde estava Denis, pegou sua escopeta e esperou o momento certo dando um tiro contra a moto de um deles que vinha em sua direção… não podia ter reação para o que veio em segundos. Primeiro a moto começou a soltar chamas e seu motorista saltou rolando pelo chão, em seguida Cassandra tentou se esquivar até que um clarão a envolveu com uma grande força de impacto a atingindo em cheio em meio ao calor de uma explosão que a arremessou contra um poste enferrujado do outro lado da praça junto a algumas pessoas que caíram pelo chão. A ruiva cuspiu um pouco de sangue e poeira, tentando se apoiar com o braço dolorido podendo ver apenas um pequeno cogumelo ardente e fumegante que subia até pouco abaixo da altura do teto de uma das casas enquanto sentia o ar um pouco mais quente lhe irritando o olho e dentes.

- Não atirem nos veículos!!! – Brandon gritou enquanto protegia o Denis caído que por pouco também não fora jogado longe com a explosão – Essas coisas fazem muito estrago e emanam radiação!!

Cassandra tentava se levantar, porém era como se um peso enorme tivesse caído sobre ela, podendo inclusive ver que um estilhaço do tamanho de um dedo entrara no seu ombro, ainda em brasas. Tentava respirar se asfixiando no ar radioativo que nada ajudava seu pulmão afetado pela dor nas costas que estava. Suja e desorientada buscou se arrastar para um canto enquanto via alguns corpos caídos com muitos feridos e alguns mortos. Próximo a ela estava o homem em quem atirara com a escopeta vindo na sua direção com muita raiva e segurando uma faca de caça enferrujada.

- Arh, vou arrancar esse teu olho e estupra-la, sua puta imbecil!

Quando ergueu o braço para golpeá-la, Stuart apareceu mesmo magrelo o atingindo nas costas com uma coronhada de seu rifle que o fez cair com a cara na lama. A ruiva teve tempo para se levantar ainda tonta e cambaleante, se apoiando em um banco da praça a tempo de ver Stuart ser derrubado com um golpe de bastão de baseball dado por um dos raiders sobre moto que passou rente a ele o suficiente para lhe acertar o rosto. O golpe lhe arrancou dentes com sangue e mexeu em seu nariz o desacordando. A ruiva tentou levantar para ajuda-lo, mas sem muita sorte pela dor que tinha nas pernas. O seu algoz de quem explodira a moto se aproximava do sucateiro franzino e sem conseguir ser impedido golpeou algumas vezes o pescoço do homem o esfaqueando até que a garganta não fosse mais visível em uma poça vermelho escura de sangue. Cassandra arregalou os olhos e tentou gritar rouca em pânico. Uma sombra ágil se deslocou no meio da multidão e pulou contra as costas do raider o derrubando ao chão enquanto lhe mordia a tira de couro que protegia a nuca. O cão pulguento mordia voraz como nunca enquanto seu dono se aproximou dando um chute na boca do maldito com tanta força que o desacordou.

- Nãh precisa agradecê, Mungo! – a criança Ghoul deu um sorriso coberto pela malícia vitoriosa de ter derrotado um Dragão de Mao.



Duas motos irromperam pelo Easy Pete’s arrombando sua porta com dois Dragões derrapando e parando ali dentro. Correram na direção de algumas dançarinas ali abrigadas as jogando contra o chão no meio do caos.

- Vamos, Shen! Mostre para essas prostitutas a dádiva que o Presidente Xin nos conferiu! Espalhe nossos genes! HAHAHAH

Maníacos, puxavam as calças das mulheres as rasgando e preparando para estupra-las. O tal Shen parou com o som de tiro que o surpreendeu, não mais do que ao ver seu colega caído com um furo na altura da nuca. Marie não pensou duas vezes e aplicou um chute na cabeça do sobrevivente. Estava vermelha, nervosa, irritada, enojada, confusa e trêmula. Assim que realizou o que fizera, caiu ao chão sem conseguir mover as pernas. As outras mulheres no local ficaram pasmas por um instante, mas quando o tal Shen se ergueu com a boca sangrando para agarrar a jovem da Vault, pularam em cima dele tentando segurá-lo e uma última lhe acertou a cabeça com uma cadeira de madeira que no impacto se despedaçou junto com o crânio do infeliz.



O prefeito tropeçou e caiu sobre o corpo de um fazendeiro, percebia que fora um erro enfrentar esses raiders, mesmo que não levassem tributos iriam retornar em algum momento e causar ainda mais estrago do que agora. O líder da gangue avançava em meio ao caos dando golpes certeiros com sua lâmina enquanto bufava de raiva.

- Por Presidente Cheng! – bradou correndo na direção do prefeito.

George sem reação só pôde levantar as mãos sobre a cabeça como um movimento inútil de defesa contra a lâmina que desceu contra sua cabeça, mas esta nunca chegou. De olhos fechados ouviu quando o corpo do homem caiu ao chão duro e morto. Confuso, se levantou pegando a espada que o homem deixara cair e se afastou até onde estava Cassandra já de pé com a mão sobre o peito pela falta de ar.

- Foi você?

Sem respirar, a ruiva apenas negou com movimento negativo do rosto e apontou para a entrada da vila. Outros quatro homens apareceram, um deles com um grande chapéu de abas longas estava agachado e atirara com uma sniper no líder da gangue, o que acabou como resposta ao resto acelerar suas motos e dispararem para além da vila sob o tiro de fuzil dos homens de preto que acabaram de chegar.

- Ah… Ah, sim… Eles… E-Eles chegaram!

Quando a poeira abaixou e os raiders já eram não mais que uma densa cortina de poeira ao longe, os recém-chegados andaram em meio ao caos guardando um homem de terno que empurrava um carrinho de super mercado cheio de quinquilharias. Os seus guarda-costas pareciam muito melhor protegidos que qualquer um que Cassandra já vira mesmo dentro da Vault. Portando armas escuras e brilhantes bem conservadas, usando uma verdadeira armadura de metal e couro sobre o dorso, com trajes incrivelmente limpos para quem viajou pelos ermos, e portando uma capa com seu símbolo sobre o ombro que lhes cobria parcialmente o antebraço esquerdo a partir de uma ombreira, tudo de uma cor mais negra que a noite, esses mercenários mostravam que não eram qualquer um no meio das terras devastadas.

- Olá, Rancho Três Ventos! Viemos barganhar! A BLACKFRIDAY CHEGOU!!

O mercador abria um sorriso enorme e amarelo, guardado pelos mercenários de semblante duro que traziam o nome de sua companhia mercenária em suas capas negras que mais pareciam faixas de anúncio de super mercado. Eles eram a BlackFriday, a maior Companhia de Mercenários e Comércio da região.


ASS: ANTONYWILLIANS, O MAIOR ESPADACHIM DE ARTON


TÓPICO CENTRAL DOS CONTOS DE ANTONYWILLIANS

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Antonywillians
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Re: [Romance] Fallout New York: Além do Vault 42

Mensagem por Antonywillians » 30 Jan 2021, 02:50

CAPÍTULO 05
The Road to Nowhere


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Se paga bem, que mal tem?

Com essas palavras o homem de terno esfarrapado e sorriso amarelado levou os macacões da Vault. Cassandra e Marie não conseguiram negociar apenas o cantil de água pura em troca de ajuda para serem guiadas, aparentemente seus trajes azuis com o número referente ao abrigo nas costas também tinham muito valor naquelas terras devastadas, acabando por ter que aceitarem trocar suas vestes por calças de couro mal curtido, camisas furadas impregnadas por lama e cheiro indescritível, jaquetas pretas tão desbotadas que quase se podia dizer brancas, tudo para participar da caravana que iria para a tal comunidade de Columbia.

Marie ainda se coçava um pouco incomodada com possíveis pulgas que pareciam estar em meio as vestes. Chegava a resmungar bastante, mas sentia um alívio de seu cantil ainda estar intacto e não precisar beber aquele negócio sujo que os povos da superfície usavam como água. Cassandra não estava confortável, e por vezes ouvia o som de alguma parte de seu novo traje rasgando, mas nada podia fazer ante a presente necessidade que tinham.

- Um povo pacato nessa comunidade, não é meninas? – Caleb Newsmile era um mercador nato que viajava as terras devastadas atrás de clientes e negócios empurrando um carrinho de mercado repleto de sucatas, quinquilharias e algumas armas, que agora estava praticamente vazio com as boas vendas realizadas no dia anterior com sua chegada no Rancho dos Três Ventos. Mantinha um eterno sorriso barganhador nos lábios ressecados, usando um cabelo preto bem penteado e lustroso que Marie jurava ter visto algumas vezes escorregar pela cabeça do mesmo, e portando um terno negro mofado, rasgado e ainda assim bem engomado como sua gravata vermelha – Desculpe fazê-las acordar tão cedo, mas a viagem é longa e antes do cair da noite pretendo passar em um outro cliente que deve nos dar um teto e alguma coisa mal cozida para comer! Heheh!

O homem tirou um óculos escuro com a lente arranhada de dentro do carrinho de sucata e pôs sobre os olhos cansados, para então secar sua testa com um paninho tirado do bolso dentro do terno. O sol estava bem quente e parecia querer castigar quem ousasse andar pelas terras abaixo de si, como um tirano impiedoso e brilhante.



O evento ocorrido no rancho deixou uma horrenda cicatriz na comunidade que mais queria comprar remendos, medicamentos e comida do que qualquer sucata que o senhor Caleb tinha para vender. Marie deu assistência o máximo que pôde, porém o estrago era grande demais para ajudar a todos os que se feriram, tendo usado os remédios que possuía com Cassandra que precisou ser enfaixada no peito e no braço, além de com muito cuidado poder remover uma peça de metal que lhe perfurou o ombro por sorte não acertando o osso. A ruiva pela manhã estava bem roxa, inchada e cuspia um pouco de sangue enquanto mancava, mas não podia deixar a caravana ir embora sozinha, sendo que agora ainda chiava por alguma das várias dores e cambaleava atrás do grupo apoiada no ombro de Marie que por vezes lhe oferecia a escassa água de seu cantil. As duas sabiam que em poucos dias Cassandra estaria melhor e andando normalmente graças aos stimpaks que conseguiram trazer da Vault 42. Após uma noite de dor e agonia, se levantaram cedo pela manhã pegando um pouco da comida que trouxeram e se juntaram a caravana antes mesmo do sol surgir no horizonte jogando sua luz ardente sem dó sobre o mundo.

- Será que este seu cliente pode oferecer algum remédio? – Marie perguntou preocupada com a companheira que fazia algumas caretas de dor a cada passo.

- Difícil, minha jovem! Apesar que ele deve ter algumas drogas para o conforto do esquecimento e para extase do corpo, se é que me entende… - Caleb deu uma parada, estalou as costas e continuou – Mas até que a senhorita Falcon está aguentando bem! Esses Dragões de Mao não são moles! Heh!

A pronuncia daquele nome pareceu manifestar algum incômodo nos quatro seguranças que os cercavam. Em trajes de couro batido e placas de metal, repleto de algibeiras, coldres e bolsos com granadas, munições, pistola e rifle, os homens estavam muito bem armados, sendo que três íam envolta do mercador e outro seguia distante na retaguarda, este de chapéu gasto de abas longas, todos de preto e portando preso ao ombro esquerdo uma capa tão escura quanto, escrito Blackfriday, lhes cobrindo o antebraço. O que vinha atrás causava alguns arrepios em Marie que em poucos momentos percebeu sob o chapéu preto do mercenário um queixo tão deformado quanto do menino Mungo, provavelmente outro Ghoul de aparência repulsiva.

- Já tenho ouvido falar bastante deles! – Cassandra criou um pouco de força e falou em meio ao início de uma tosse – Quem são exatamente?

- Párias nessas terras – quem se pronunciou foi um dos três mercenários próximos que tinha uma grande cicatriz na bochecha como uma grande fenda. Apontou com o cano da escopeta de mão para a marca – Esses malditos me fizeram isso quando era criança e coisas muito piores com diversas comunidades por essas terras.

O que segurava um rifle automático deu uma cusparada no chão. Tinha um semblante belo se não fosse tão sinistro usando uma barba farta que crescia no entorno de seu rosto.

- Ninguém sabe ao certo como os Dragões surgiram… Um dia todas as comunidades ouviram sons do rugido de suas motos e quando menos esperávamos estavam atacando, roubando, incendiando, estuprando e pilhando como animais tudo que estivesse pela frente! Rumores contam que há muitas décadas os primeiros teriam vindo do sul, provavelmente de dentro do mar reluzente que cobre o horizonte para aquele lado sobre o Lago Burden.

Caleb riu disso, claro que inapropriadamente, mas ainda sem se importar.

- Ora ora. não sejamos tolos, caro Keith! Sei que você e o senhor Robb tem seus desentendimentos com esses raiders saqueadores, mas sejamos sensatos… Ninguém sobrevive segundos perto daquele mar de radiação que vem do sul além daqueles homens em aves de ferro.

Cassandra exausta, soltou de Marie e desabou no chão. Ainda com alguma reclamação a caravana parou um pouco e a levou para baixo de um tronco de uma árvore chamuscada que fornecia um pouco de sombra fresca naquela devassidão toda. Após se recompor um pouco e deixar de ofegar, a ruiva olhou para os homens com seu olho roxo.

- Você disse… Aves de ferro?! É possível isso?

O mercador sentou ao lado dela pegando uma garrafa plástica com um líquido amarronzado dentro o qual bebeu como se fosse a fonte mais pura só dando uma puxada de ranho no final pelo gosto de terra.

- Ah, modo de falar! São homens em power armors cinzentas que viajam em Vert…

- Vertibirds!? De verdade?

Os dois levaram um susto com a demonstração de interesse súbita de Marie em meio a conversa. A jovem enfermeira que examinava o braço da ruiva parara tudo com os olhos esbugalhados como a de uma criança.

- Oh, sim! E eles passam bastante sobre essa rota seguindo para o sul reluzente. Vimos alguns em nossa rota quando fomos ao Rancho. Conhecem vertibirds? Tem isso na Vault de vocês!?

Marie negou com a cabeça frustrada voltando a aplicar uma gaze na ferida.

- Até conhecemos, mas só com treinamento virtual! Sempre gostei da simulação de pilotagem, mas nunca vi mais que fotos sem cor ou réplicas pequenas…

- Nossa, que interessante! Deve ser um abrigo e tanto o de vocês. Pena que não compartilham a localização, apesar que as entendo nisso. Sabe, somos também de uma Vault, só que todos sabem de onde viemos! O Abrigo 115, passe um dia lá para nos conhecer!

Cassandra ficou em um misto de desconfiada e surpresa.

- Não sabia de outros abrigos… Você não usa um macacão da Vault…

O homem riu em coro com os demais.

- Hahah! De fato não usamos há anos, mas é por via de regra de nosso trabalho. Nós a Blackfriday sempre usamos o traje negro que impõe o respeito e nos anuncia pelos ermos. De longe alguém sedento e com o número de tampinhas certo é capaz de nos reconhecer e vir adquirir um pouco de felicidade em nossos produtos!

Um vulto se ergueu ao lado dos três como que saído de lugar algum. O mercenário de chapéu se aproximou com tal furtividade que parecia ter se materializado. Sua voz de Ghoul, como Marie fez questão de forçar a ver se realmente era, saiu rouca e rasgada.

- Senhor Smile, devemos seguir.

O mercador inicialmente pareceu pasmo olhando o ghoul com algum misto de repulsa e susto por aquele conselho, até que logo se levantou e ajudou as jovens fazer o mesmo. Da mesma maneira que apareceu, o ghoul que portava em sua mão um rifle de precisão sniper se foi em meio ao ar.

- Porque ele é tão… Tão…

- Repulsivo? Intimidador? – disse o mercador deixando Marie sem palavras e corada – Não se preocupe, Raul é um dos nossos melhores snipers! Se ele diz para seguirmos é porque percebeu algo de ruim e devemos continuar.



A caminhada não parecia levar a lugar algum. Marie estava com dor no ombro por ajudar a companheira ferida que ainda cambaleava um pouco, Caleb reclamava do calor que lhe estufava embaixo do terno e dos punhos doloridos de tanto empurrar o carrinho de sucata, além dos demais mercenários que pareciam se exaurir sob a luz escaldante do sol.

Chegaram a passar por algumas ruínas de antigos vilarejos, todos reduzidos a sombra do que um dia foram. Parques cinzas com balanços quebrados, casas aos destroços com a mobília ainda esmagada nos escombros, inúmeros carros estacionados pela eternidade com seu metal enferrujado pelo tempo e caixas de correio fechadas, algumas até com correspondências que jamais poderão ser entregues. Caleb chegou a abrir uma e pegar algumas folhas do que fora uma espécie de boleto de pagamento com objetivo de secar a testa antes de arremessar o material amassado no chão. Uma geladeira caída em um canto parecia intacta, apesar de não-funcional, Cassandra logo abriu e alguns bichos pestilentos maiores do que deveriam fugiram, deixando amostra umas caixas sujas de comida e algumas garrafas de Nuka-cola. A bebida forçou descer por sua garganta para matar a sede aproveitando o gás que disfarçava o quão quente estava, chegando a ter dois refluxos e quase vomitar até se acostumar.

Já passava do meio dia quando Caleb deu uma embalagem para cada um dos mercenários que sedentos arrebentaram o pacote e devoraram seu conteúdo sem qualquer cerimônia. A comida até parecia incrivelmente mais limpa e conservada que o pacote, mas com certeza já estiveram em dias melhores e menos murchas. Marie tentou morder algo, contudo sem muito sucesso, logo cuspindo no chão.

- Vocês são muito frescas, meninas! – Caleb argumentou mordendo algo que parecia um doce feito de ovos – Assim não vão durar nem um dia nos ermos!

O estômago das duas estavam embrulhados e mal poderiam colocar algo em suas bocas. Marie chegou a tomar um líquido para estômago que trouxera em uma cápsula enquanto seu paladar a matava por dentro a cada segundo.

- Mas senhor, como podem comer algo tão estragado? Esse ovo tem o que de tempo? Anos? Não é possível que esteja bom e com toda essa radiaçã… Arrghh!

Caleb aproximou o alimento de ovo cozido para perto dela afim de zombar e que sentisse o cheiro, estranhamente não era algo desagradável.

- Séculos, minha cara! A melhor safra do pré-guerra. Hahahah – comeu mais um dos alimentos estufando sua barriga dentro do terno – Veja… Esse está até limpo e sejamos sinceros. É um ótimo aroma! Só a embalagem está um pouco amassada e o gosto um tanto aquecido pela radiação. Os povos antigos usavam algum conservante tão útil que há mais de dois séculos conseguimos sentir o gosto que sentiriam!

Marie estava embasbacada, mas não surpresa. Pensando bem a comida da própria Vault 42 não era só os legumes e verduras cultivadas na estufa em que trabalhavam os robôs Mr. Handy do Dr. Gail Pasteur, mas também vindos do armazém da cantina onde se mantinham lacrados há gerações. O gosto da radiação realmente parecia fazer cócegas no paladar e induzir um refluxo pelo estômago que não aceitava de maneira alguma ingerir quaisquer produtos dos ermos, mas era de admitir que mesmo um pouco ressecados e até escurecidos ainda mantinham um cheiro… um aroma… que atiçava a gula. A civilização pré-guerra era realmente curiosa, forjando materiais que se conservavam para longuíssimas durações, fosse no combustível nuclear de um carro ou fosse na comida repleta de conservantes que a mantinha uma eternidade. Teriam eles pensado que esses materiais durariam tanto?

Cassandra mal havia terminado de acender um novo cigarro quando um som alto se espalhou pelos ermos como um motor zumbindo muito forte. De olhos arregalados olhou paralisada para Marie e logo correu para trás de alguns destroços de concreto de uma casa próxima.

- Droga, eles de novo não!

Caleb parecia não se importar, pelo contrário apenas sorria terminando de comer sua refeição. Os mercenários também não se importavam.

- Ah, não são eles! Bem pior… Esses daí nunca nem me mostraram uma única tampinha por meus produtos! Tudo mão de Brahmin! Heh!

Uma sombra cobriu o vilarejo arruinado como se uma grande nuvem passasse sobre eles, e o mercador apenas acenou zombeteiro para as coisas que passavam sobre eles. Cassandra por pouco não deixou o cigarro lhe escapar dos dentes quando viu os enormes transportes de metal com duas hélices passando sobre elas, de onde avistaram uns seres robóticos como que usando uma espécie de Power Armor diferente dos Plasma Keepers. Marie se adiantou saindo de seu pânico para um olhar que brilhava em profunda admiração.

- M-mas são Vertibirds!

A ruiva olhou para Marie com espanto diante daquela admiração toda. Nada nos ermos parecia menos do que árido e agressivo, levando em conta que havia um transporte de metal gigante não poderia ser um bom agouro. Em relance pôde ver que nos flancos aquilo trazia um símbolo de uma espada com asas sobreposta a três engrenagens.

- Aquilo parecia pilotado por pessoas em armaduras reforçadas. Quem são?

Caleb deu de ombros e pediu um cigarro a Cassandra que acendeu para o mesmo.

- Hah! Faço a menor idéia. Mas eles têm surgido cada vez mais na região e patrulham o sul com seus vertibirds! – Caleb deu um trago segurando seu carrinho de quinquilharias e voltando a empurrar – Dizem que eles ocuparam uma área vasta bem ao norte de minha Vault 115!



Árvores decrépitas, ruínas de antigas casas reduzidas a destroços, carros quebrados há muito saqueados com ossos de seus antigos donos imortalizados com sorriso dirigindo para um destino em que nunca vão chegar, alguns corpos mais recentes caídos e ressecados pela estrada de asfalto em cascalhos, sons de rugidos em meio ao assovio do vento, sombras distantes do que restou de cidades próximas e um calor escaldante faziam o grande tour pela superfície ter se mostrado como a pior ideia que poderiam ter aceitado. Marie cuidava de Cassandra justamente pela ruiva ter se disposto a ajuda-la, não tendo durado uma única noite sozinha naquele mundo. Bebia junto com a mesma um pouco da água de seu cantil rezando em nome do Supervisor Eden que pudessem terminar a missão e retornar antes de derramarem a última gota pura em suas gargantas e não terem que depender da lama radioativa que aquele mundo lhes deixara. Caleb quando já parecia também bastante cansado puxando o colarinho do terno batido, suado e empoeirado para se refrescar, soltou uma exclamação e apontou para uma estrutura vermelha construída solitária próximo a estrada. As habitantes do abrigo 42 pareceram aliviadas em ter novamente conforto, ou ao menos um teto que as resguardassem daquele mundo horrendo, ainda mais que o céu estava só se encobrindo mais com nuvens cinzentas e trovões eram escutados ao longe.

- Chegamos meninas! Hahah! Vamos, vamos! O velho Larry nos aguarda!! E não queremos ser pegos por essa tempestade, não é mesmo?

O local era um antigo posto de combustível para carros da civilização pré-guerra, onde braços robóticos alimentavam os carros, trocavam pneus, óleo e outros recursos dos automóveis que traziam. Dentro havia uma garagem antiga com diversas ferramentas mecânicas e a carcaça de um antigo carro já todo desmontado pelo tempo e raiders. Os Postos Red Rocket eram muito comuns no passado ficando nas estradas para os viajantes também pararem e comprarem em suas lojinhas de conveniência, que hoje não passava de restos da glória que um dia fora. Quadros pendurados tortos na parede mostravam cenas do antigo cotidiano com pessoas bem arrumadas no balcão comprando souvenires e café com seus filhos, onde funcionários de macacão atendiam a um grande público ao lado de alguns robôs auxiliares, todos muito felizes nos retratos preto e branco deixados às traças e ao tempo, um esqueleto de um cliente inclusive ainda estava ali sentado com sua caneca na mão e a cabeça apoiada no braço esquerdo olhando uma paisagem eterna de devastação.

- Este é o Carl! Velho amigo, cuida desse lugar há mais tempo que temos de vida. Como vai, Carl? Hahah! – Caleb terminou o trago no cigarro o apagando e colocando dentro da caneca do esqueleto antes de ir até uma máquina em que após alguns chutes conseguiu abrir e retirar um outro maço. Este vermelho, o qual entregou a Cassandra antes de pegar outro mais amassado – Vi que a senhorita tem um apreço por Grey Tortoise, experimente um da marca Big Boss! Nessa região temos das mais variadas marcas e sabores!

A ruiva estava incrédula, sempre achou que a antiga civilização fumava apenas aquela marca e por isso era a única que havia dentro do abrigo. Sentada em um dos poucos bancos ainda resistentes do bar no posto olhou a cartela carcomida pelo tempo e os cigarros meio amassados, sentindo uma espécie de curiosidade com hesitação. Pegou um, amaciou, era todo negro e tinha um aroma de tabaco como novo. Pôs na boca e percebeu estar bem maltratado. Procurou pela jaqueta velha e surrada seu isqueiro, até que Raul, o mercenário Ghoul, se aproximou e acendeu para a mesma com o seu próprio antes de se afastar até a porta sem nada falar.

- Hmm, nada mal, senhor Caleb!

O mercador riu e logo começou a bradar o nome do cliente enquanto seguia abrindo as portas a procura dele.

- Larry! Larry! Onde está você seu velho drogado?

Ninguém estava no banheiro, ninguém estava na cozinha, nem dentro da geladeira, nem atrás dela, nem dentro do quart…

- Ah, droga, Larry! E agora vou vender para quem meus jets?

Larry estava caído dentro do quarto em meio a camas de colchão velho. Era um homem muito velho em trajes comuns, com uma barba por fazer e um boné vermelho da Red Rocket… morto. Seu corpo estava caído com uma expressão de asfixia enquanto segurava o que parecia uma bombinha, e seus intestinos de fora soltavam um cheiro horrendo enquanto baratas carniceiras do tamanho de cães se amontoavam sobre ele devorando sua carcaça.

Marie imediatamente foi ao chão em desespero com aquelas coisas horríveis, já Cassandra tentou sacar a arma só para sentir um repuxão no musculo e mal conseguir ficar de pé. Keith, o mercenário com a grande cicatriz, Robb e Mayor, como descobriu o nome na hora em que foi chamado, sacaram pistolas e rapidamente deram fim às criaturas enquanto Caleb se afastava resmungando.

- Meu melhor comprador de Jet nos ermos virou comida de barata! Sabia que não devia ter vendido para ele aquela bombinha concentrada antes de irmos para o Rancho! Mas que cara é essa, Raul… Está com medo dos trovões, seu ghoul de merda!

O sniper de chapéu preto negou com a cabeça e espetou uma seringa no próprio braço esquerdo sob a pele seca queimada. O vendedor ficou imediatamente pálido, por instantes respirou fundo e colocou os dentes para fora respirando forte como que tentando encontrar algo no ar, os outros mercenários ficaram atentos. Cassandra e Marie se entreolharam e fizeram o mesmo. Podiam sentir um incômodo nos dentes como quando provavam algo com radiação, inclusive era a mesma sensação de ar quente rascante de quando saíram do abrigo, só que como se tivesse piorando.

- Raul, você não pode ficar aqui! Leve esses corpos para fora! Vocês três, tranquem tudo! Só pode ter sido a Mão que nos trouxe até aqui ou estaríamos ferrados… Raul, você sabe se eles estão vindo tamb…

O Ghoul afirmou antes de acender um próprio cigarro, virar as costas, abrir a porta e sair. Quando revelou o lado de fora puderam ver um clarão verde e quente que entrou enquanto nos céus estalava eletricidade estática intensa e raios caíam ao longe. Os mercenários correram atrás dele com os corpos peçonhentos das baratas e o do velho que se desfazia arremessando-os fora. A correria deixou partes dos órgãos do velho Larry se espalhar pelo chão, que Caleb logo deu um jeito chutando para debaixo do armário.

- Corram corram! Eles não podem nem sentir nosso cheiro aqui…

As duas sentiam seus olhos arderem em contato com o ar e o oxigênio se tornar muito escasso diante do calor abafado que repentinamente tomou o lugar. O mercador pegou as duas e as arrastou com força até o quarto de cheiro horroroso as jogando sobre uma das camas que rangeu em protesto pelo peso abrupto.

- Ai! – Cassandra reclamou pela dor do ombro que foi baleado no dia anterior – O que está acontecendo? Que desespero é esse, senhor Caleb?

O homem parecia bem irritado com a ignorância da ruiva, assim como estava com tanto medo que ofegava incessantemente olhando diversas vezes para o banheiro onde pensara em entrar sem falar nada.

- Olha, escutem aqui… Existe muita coisa pior nesses ermos do que os Dragões de Mao… Coisas que rastejam, e nunca morrem! São o Flagelo do Senhor do Prejuízo que caçam tudo que vive e reúnem tudo que morre! Nem todos os Ghouls são racionais e pacíficos como nosso querido Raul… A maioria inclusive são corpos decrépitos que vagam pelo mundo devorando tudo que respira sem ter qualquer razão. E quando o céu se torna uma noite verde de trovões eles se levantam e retornam independente de quantas vezes atirem neles!

Cassandra parecia confusa com essas informações sem sentido ou ordem. Pensou um pouco sobre o som da tal tempestade que ouviram e a quantidade de radiação que sentiam em seus corpos. Até lembrava de ter ouvido histórias de uma tempestade radioativa que por vezes se deslocava do mar reluzente ao sul, como chamavam a massa de verde brilhante que cobria toda a extensão do Lago Burden, e passava pelo resto dos ermos criando um fenômeno muito temido.

- Senhor Caleb, nós temos remédios para radiação para enfrentar a tempestade e munição para derrubar qualquer coisa que rasteje aqui para dentro! Só não quero me trancar com esse cheir…

Caleb se afastou instantaneamente até a porta em que os mercenários não voltaram após deixar os corpos. Sons de urros, gemidos lamuriantes e tiros foram escutados. Seu pavor lhe deixou tão pálido como quase transparente, derrubando uma estante velha na frente da porta.

- Você não entendeu… Essas coisas sempre voltam! SEMPRE!

Cassandra tentou se levantar abrupta demais para ir na direção dele.

- Não os deixe… Arghh! Não os deixe sozinhos lá fora! Eu os ajud…

Caleb a empurrou de volta aflito e apontou uma pistola para ela antes de entrar no banheiro.

- Olhe aqui, garota! Não ouse se aproximar daquela porta! Eles são mercenários do meu povo! A Blackfriday é bem treinada e eles foram pagos para isso! Sente seu rabo aí e se aquiete!

Diversos tiros foram dados e alguns batidos foram escutados contra a porta com pedidos de socorro. Marie trocou olhares pasmos com Cassandra sem saber o que fazer. A ruiva tentou se levantar e pegar a pistola, mas a colega segurou seu braço, afinal ainda estava em recuperação do dia anterior. Caleb puxou a porta do banheiro e antes de fechar trancando sussurrou quase como um ganido.

- Não brinquem com isso! Eu já fiquei perdido em uma tempestade dessas! Eles trazem os mortos com eles… Ninguém se mete com o exército do Necromante!


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