Contos

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DrLecter
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Contos

Mensagem por DrLecter » 28 Jul 2015, 19:17

Olá, pessoal, tudo certo?

O tempo livre anda me dando umas ideias que eu não recuso por nada. Gosto bastante de escrever e de uns tempos pra cá, resolvi escrever uns contos de Tormenta pra me divertir. O tópico vai ser usado pra postar contos que eu for escrevendo conforme as ideias forem vindo. Aqui, por enquanto, vai ser só o índice. Espero que vocês curtam. Dicas, sugestões e críticas construtivas são bem-vindos. o/

Lista de Contos

O Canino e o Chifre

A Viagem de Meredith

Lua de Mel

Um olhar para trás

O Cabaré

Fichas de Personagens

Ulf Morgstein

Meredith Morgstein
Editado pela última vez por DrLecter em 15 Mai 2017, 21:02, em um total de 7 vezes.

DrLecter
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O Canino e o Chifre

Mensagem por DrLecter » 28 Jul 2015, 19:27

O mundo se desfazia em água. O vento soprava forte, fazendo curvar as plantas mais fracas, agitando copas de árvores, levantando poeira, assustando crianças. Vez ou outra, um trovão ecoava nos céus, seguido por um relâmpago que clareava tudo por alguns segundos. A Natureza estava furiosa e descarregava sobre o mundo toda a sua força e majestade.

Ulf corria, sob a mira de uma flecha que nunca chegava ao seu alvo. Já era a terceira vez que atiravam de longe, sempre acertando o chão molhado ou alguma árvore. Dessa vez, a flecha chegou perto, passando perto de sua cabeça e se perdendo na escuridão adiante, deixando o fugitivo intacto. Atrás dele, havia o barulho do grupo que o perseguia, que há muito deixara de tentar ser discreto. Pensou ter ouvido uma ordem gritada, mas não quis comprovar a veracidade disso.

Não era a primeira vez que se encontrava numa situação daquelas. No entanto, em nenhuma outra vez teve de passar por aquilo sozinho ou mesmo sem ter noção do que fazer. Talvez outra pessoa naquela situação não tivesse tanta sorte, mas Ulf era diferente. Era endurecido o suficiente para pensar com clareza em todos os momentos — até mesmo quando um grupo de mercenários a serviço de Tapista estava em seu encalço.

O trabalho da resistência não era fácil. Envolvia infiltração em terreno hostil, sabotagem de comboios de suprimentos, sequestros de autoridades e execução daqueles que se mostravam opressores em excesso. Tudo isso custava caro, e não apenas em Tibares. Os ganhos eram óbvios: vingança sobre aqueles que marcharam sobre a liberdade do povo, prejuízos ao Império, desordem total entre os escravagistas. Entretanto, nem tudo eram flores: no caso de derrota, tortura, cativeiro, execução e escravidão os esperavam logo ali, na tênue linha que separava um fracasso de um sucesso.

O fugitivo se pôs a descer um declive cheio de lama. As botas de viagem se afundaram, atrapalhando a corrida enquanto ele tentava se equilibrar da melhor maneira possível. Examinou o ambiente por alguns segundos, até encontrar ali perto uma rocha grande o suficiente para escondê-lo. Naquele escuro, dificilmente seria encontrado.

***

Mais atrás, um grupo de três minotauros e dois elfos procurava por Ulf. À frente do grupo, ia Dannara, uma elfa sinuosa com um arco longo. Os olhos verdes olharam para a floresta escura, tentando penetrar a noite. O chão lamacento não mostrava nenhum sinal de passagem recente, e ela sabia que, de alguma forma, aquele maldito sabia se esconder tão bem quanto qualquer ladrão. A memória do primeiro encontro ainda estava bem vívida em sua mente.

— Onde ele está? — perguntou Borus, o minotauro que liderava o grupo. Sob a chuva torrencial, sua voz grave e autoritária parecia mais baixa aos seus ouvidos.

— Não sei. — a resposta era quase óbvia, enquanto a arqueira analisava os vestígios na lama. — É quase impossível rastrear alguém como ele nessas condições.

O centurião respirou fundo, irritado. Dannara conhecia aquela reação: era bastante comum quando alguma coisa contrariava Borus. E aquele sujeito era uma das coisas que mais contrariava seu senhor. Borus era um minotauro bem-sucedido na luta contra a resistência, com pelo menos três vitórias sobre diferentes focos de guerrilha nos territórios conquistados do Império de Tauron. Recentemente, haviam descoberto que não se tratavam de rebeldes isolados, mas uma extensa rede de grupos que agiam coordenados por uma organização maior. A arqueira pouco sabia das descobertas do centurião, mas era esperta o suficiente para deduzir que o homem que caçavam agora era um alvo valioso. Ninguém sabia seu nome. Chamavam-no apenas por Canino.

— Dannara, precisamos dessa informação logo. — pressionou Borus. Dannara respirou fundo.

— Você não é um rastreador, Borus. Entendo isso. Mas saiba que nosso alvo é furtivo e que esse clima não é nada propício para o rastreio.

Não quero saber. — vociferou o minotauro. Fez menção de erguer a mão, mas Horatio, seu companheiro, o conteve. — Quero a cabeça daquele maldito.

Borus se livrou da mão do companheiro num gesto brusco. Horatio, assim como ele, também era um guerreiro. Porém, diferente do centurião, não usava o tradicional escudo de corpo e gládio. Trocara ambos por um machado grande e pesado que carregava com as duas mãos. Dannara sabia que aqueles dois conheciam-se desde os tempos das legiões, antes de se tornarem aventureiros a serviço do Império. Ela também sabia que, longe de Borus, Horatio lhe lançava olhares cobiçosos. Sentiu repulsa.

— Soren, faça alguma magia. Qualquer coisa que nos ajude a ver para onde foi aquele desgraçado. — ordenou Borus para o outro elfo do grupo. Soren era mais velho que a arqueira, o primeiro escravo comprado pelo centurião. Enquanto ela usava arcos, ele preferia seu cajado e suas magias que já tinham salvado aquele grupo várias vezes.

O mago fez um gesto e sussurrou algumas palavras na língua arcana. Os olhos dourados se fixaram no líder, numa expressão impassível.

— Senhor, o fugitivo não se encontra aqui perto. Lamento não poder ajudar. — disse, fazendo uma mesura de desculpas. Borus o ignorou e olhou para Maximus, um clérigo de Tauron.

— Tem algum augúrio? — perguntou. — Qualquer coisa.

— Não sou particularmente dotado de milagres como este. — falou o sacerdote. — Vou orar a Tauron.

Maximus apenas abaixou a cabeça. Um segundo depois, apontou com o machado para dentro da floresta.

— Ele foi por ali. Não sei para onde.

Pela primeira vez em horas, Borus parecia satisfeito.

— Muito bem, pessoal. Vamos retomar a busca. Dannara, você na frente.

***

Ulf viu quando o grupo passou pela pedra sem se dar conta de que ele estava ali. Primeiro, uma elfa esbelta com arco. Depois, três minotauros: um com escudo, outro com um machado enorme e outro com um machado comum. Por último, um elfo sem armas, apenas com um cajado. Ele os conhecia de relatos e alguns encontros nos últimos meses, mas nunca estivera tão perto. Sabia que aquele era um esconderijo muito fácil de ser encontrado, mas a chuva e o escuro tornavam-no quase invisível. Apertou o cabo da espada. Não podia colocar tudo a perder agora.

Qualquer outro teria atacado o grupo naquele momento. No entanto, ele não o fez. Sabia que poderia derrota-los. Neutralizaria o mago primeiro, depois o clérigo. Os dois guerreiros seriam mais difíceis, mas não impossível. Talvez, em vez de matar, devesse incapacitar. Uma perna arrancada ou um olho cego seriam muito mais prejudiciais que uma morte. Mas não podia fazer aquilo. A missão não era aquela.

O grupo não ficou ali por muito tempo. Logo foi para outro lugar, seguindo pistas que não existiam. Não repararam quando Soren ficou para trás, atordoado com um golpe na nuca.

***

— Ele sumiu de novo. — dessa vez, a observação foi feita por Maximus. — Talvez devêssemos parar por hoje.

— Não. — o centurião, irredutível.

— É isso que ele quer, Borus. — contestou o clérigo. — Tenho pouco poder. Estamos todos cansados. Dannara não consegue rastreá-lo. Ele está nos desestabilizando.

Borus virou-se para ele, olhos injetados de ódio. Segurou o clérigo pela armadura.

— Quer me desafiar pela liderança, Maximus? — indagou. — Quer medir sua força com a minha?

O clérigo arrancou a mão do outro de si com um tapa. Não tirou os olhos dele.

— Não. — disse. — Quero apenas que pense. Você está cego.

— Esse maldito matou uma decúria inteira. — ralhou, entre dentes. — Você está cego?

Estiveram a ponto de se engalfinhar. Borus já tinha a mão no gládio e Maximus não parecia disposto a recusar aquele desafio. No entanto, Horatio entrou no meio dos dois, as mãos separando-os de um duelo. Não era assim que devia ser. A elfa encarava aquilo de longe, como uma criança vendo os pais brigando. Tirou uma mecha de cabelo grudado no rosto. Deu pela falta de Soren pela primeira vez em algum tempo.

— Pessoal.

— Agora não, Dannara.

— Mas...

— Agora não, Dannara.

— É que...

CALE-SE, ESCRAVA!

Um silêncio tenso sobrevoou sobre o grupo. Todos os olhos estavam em Dannara, que sustentava o olhar de Borus com um atrevimento perigoso demais para uma escrava.

— Não queria interromper a importante conversa entre vocês. — começou ela. — Mas Soren não está entre nós.

Os três se entreolharam por um segundo, e procuraram pelo mago. O silêncio voltou, dessa vez carregado do medo do desconhecido. Os quatro olharam por todos os cantos, esperando por algum ataque. Dannara retesou a corda do arco, girou em torno de si mesma, pronta para disparar ao primeiro sinal do fugitivo.

Foi tudo muito rápido. De repente, um vulto passou por eles estocando, cortando, empurrando. Dannara ouviu Maximus reclamar de dor, depois sentiu um baque na cabeça. A visão escureceu, e a elfa apagou.

***

Ulf se abaixou a tempo de evitar ser atingido pelo machado do clérigo. Estocou a espada no joelho do inimigo, forçando a lâmina contra a carne e o osso. O minotauro gritou de dor e caiu, incapaz de sustentar seu peso sob uma única perna. Chutou a cabeça de seu oponente e rolou para a escuridão, longe do golpe do machado de Horatio.

Borus correu atrás dele, a mão segurando o gládio com toda a força que tinha. Desferiu um, dois, três golpes contra seu oponente. O primeiro encontrou o vazio, os outros dois foram bloqueados pela lâmina. Sentiu o aço entrar-lhe na carne por uma abertura na armadura. O sangue escorreu. Sentia-se cego de raiva e vontade de matar. Desferia golpes a esmo, sem saber se estava na direção certa. Ulf rolou mais uma vez no chão, acertou seu braço com um golpe da espada.

— Eu vou te matar! — gritou o centurião.

Avançou golpeando o rebelde com o escudo. Ulf sentiu o sangue escorrer pelo nariz, segurou a espada com força para não deixa-la cair. Borus desferiu um novo golpe, acertou-lhe o flanco. Girou a lâmina do gládio, fazendo seu oponente gemer de dor. O outro segurou-lhe a mão com força e com a outra, deu-lhe um golpe com o cabo da espada na cabeça. O centurião sentiu-se zonzo, deixou que ele escapasse.

Horatio apareceu logo depois, o machado levantado. Embora a arma fosse potente, seu peso o tornava lento e previsível. Ulf, que usava uma armadura de couro mais leve, tinha muito mais liberdade para se mover naquela luta. Quando o minotauro ergueu o machado, o outro acertou-lhe um golpe com a espada. Um corte fundo e extenso que rasgou sua carne e fez o sangue escorrer farto. Horatio tentou reunir forças para um último golpe, mas não conseguiu. Caiu.

Maximus estava incapacitado. Horatio estava morto. A elfa, completamente fora de combate. Avaliando as perdas, parecia estar em prejuízo. Mas tinha diante de si a possibilidade de liquidar com o Canino. Vingar a morte de Horatio e de tantos outros que morreram pelas mãos daqueles rebeldes malditos. Tauron triunfaria de novo.

Na floresta, sob a chuva, os dois se encaravam. Armas em punho.

— Você é bom, Canino. — disse — Eu reconheço isso. Estou te caçando há meses. Mas acabou. Você vai morrer.

Canino nada disse. Continuou com os olhos de predador em cima de seu oponente, levemente curvado para frente, como se preparasse para o bote. A espada repousava na mão, pronta para o combate. O sangue de Horatio ainda manchava sua lâmina.

— Vamos acabar com isso logo. — Borus quase espumava, ávido por colocar um fim naquilo.

Ulf assentiu. O tempo parou entre um relâmpago e outro. A chuva ficou suspensa no ar enquanto ambos avançavam de encontro ao desfecho daquela luta. Borus golpeou o ar, enquanto Ulf acertava seu escudo. As pesadas se chocaram várias vezes, então o humano saltou para o lado quando o minotauro investiu contra ele como uma parede de escudos. Quase atingiu-o com os chifres. No entanto, o outro acertou-lhe com um chute no flanco, fazendo-o bater contra uma árvore.

Borus sentiu a cabeça doer. O corpo implorava por descanso, a mente parecia à beira de um colapso. Percebeu Canino se aproximando dele, mas o gládio parecia pesado demais para ser usado. O rebelde segurou em seus chifres, fê-lo olhar em seus olhos.

— Não vou te matar, centurião. — falou. — Não é conveniente no momento. Você vai levar uma mensagem ao Império.

O centurião tentou responder, mas não tinha forças para falar. Queria saber que mensagem era aquela. Não conseguiu perguntar, mas teve medo da resposta. Ulf segurou a espada e se pôs a trabalhar. Quando a patrulha de Borus fosse encontrada, o centurião estaria sem um de seus chifres.

***

A luta custou caro para Ulf. O ferimento ainda escorria sangue, a chuva gelava até os ossos. Dor em todos os cantos. Cambaleou por entre as árvores, procurando por algum lugar onde pudesse ficar até o amanhecer. Os pés se atrapalharam na caminhada, fazendo-o cair. Rolou uma, duas, três vezes. Quando parou de rolar, o céu escuro da noite olhava para ele. Por um segundo, pensou estar se diluindo naquela chuva. Apagou.

Ainda segurava o chifre que tirara de Borus.

***

Acordou num quarto simples e iluminado. A luz do Sol entrava pela janela, junto com uma brisa agradável. Sentiu os olhos se ofuscarem e a cabeça doer. Notou que vestia roupas que não eram suas. Tentou se lembrar da noite passada. Não conseguiu.

A porta se abriu, chamando sua atenção. Era uma jovem bonita de cabelo e olhos escuros. Tinha uma expressão suave no rosto. Ao seu lado, uma pequena criatura com a cabeça de caveira o olhava com os olhos vazados.

— Olá. — disse.

— Quem é você? — perguntou. A moça pareceu achar graça naquilo.

— Sou Petra. Encontrei você na estrada quando vinha para cá. E você?

— Ulf. — a resposta veio instintivamente.

— Ulf. — Petra disse, testando a sonoridade. — Que nome engraçado.

Ficaram alguns segundos em silêncio. Ulf ficou olhando para ela, num misto de curiosidade e apreensão.

— Petra, que lugar é esse?

— Estalagem do Macaco Empalhado. Em Malpetrin. — a resposta veio como se fosse óbvia, mas ele não sabia o que era aquilo. — Você não se lembra de onde veio?

Ele sacudiu a cabeça. Esfregou os olhos. Petra estendeu para ele um chifre comprido e afiado.

— Você segurava isso quando o encontramos ontem. — contou ela. — Acho que é seu.

Ulf segurou o chifre. Tentou pensar em alguma coisa, mas o estômago reclamou de fome.

— Acho que está com fome. — riu ela. — Venha, eu vou te levar para comer alguma coisa. Você gosta de mingau?

Não houve tempo para responder. Petra levou-o pela mão para fora dali. Antes de sair, Ulf deteve-se no quarto. Olhou novamente para o chifre que fora encontrado com ele. Fez mais um esforço para trazer alguma lembrança à tona.

Não se lembrou de nada.

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Rick
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Re: Contos

Mensagem por Rick » 29 Jul 2015, 11:17

Massa. Curti muito a sequência de combate.
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DrLecter
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A viagem de Meredith

Mensagem por DrLecter » 29 Jul 2015, 22:28

Meredith sabia que aquela era a última vez que se deitaria com aquele minotauro repulsivo. Antes de sair de seu quarto, olhou-se no espelho mais uma vez para se certificar que estava em sua melhor forma para a ocasião. O cabelo cacheado e castanho estava limpo e perfumado, a túnica branca e folgada insinuando as partes corretas, o sorriso forjado de quem está acostumado a fingir e o olhar misterioso que levava os homens à loucura. Não era alta e cheia de curvas como as garotas da casa, mas sabia que o corpo esbelto e a pouca altura lhe davam um ar de inocência que Titus tanto gostava. Na verdade, ela começava a suspeitar que ele a requisitava justamente por se parecer uma criança. Ao considerar esta possibilidade, a moça sentiu um bolo no estômago. Não gostava daquilo.

— Olá, querido. — ensaiou, testando o tom de voz certo para criar um clima excitante. — Espero não tê-lo feito esperar. Saiba que vou recompensar cada segundo...

Engoliu em seco. Estava pronta. Pelo menos, devia estar.

Não poderia demorar mais que o necessário para fazer Titus ficar ansioso, mas sabia que aquele dia seria uma ocasião muito importante. Importante demais para ser encarada como algo corriqueiro. Olhou para a adaga deixada sobre a penteadeira e lembrou-se de que sua liberdade estava em jogo. Pegou a arma e a prendeu na perna. Ali, escondida sob a túnica, o minotauro dificilmente a perceberia antes que fosse tarde demais.

Sorriu para o espelho. Agora sim estava pronta.

***

Antes de ser uma prostituta, Meredith fora aventureira. Uma vida que agora lhe parecia tão longe quanto sua casa, num tempo em que fora tão diferente que se a Meredith de antes encontrasse a Meredith de agora, não seria capaz de reconhecer a si mesma. Ficaria indignada, certamente. E lamentaria muito o fim que lhe esperava.

Tudo começou quando ela tinha apenas dezenove anos. A mãe cuidava de uma pequena plantação, o irmão a ajudava como podia. O pai quase nunca aparecia, porque era um aventureiro. Da infância, ela tinha pouco a reclamar: o irmão estava sempre a protegendo dos garotos mais velho, disposto a arrumar briga com quem quer que fosse para protegê-la. O pai lhe trazia presentes sempre que vinha, embora não viesse muito. A mãe, contudo, era alguém que lhe dizia para usar vestidos, comportar-se como uma boa menina e pensar em um bom casamento, porque assim nunca teria que se preocupar em trabalhar. E aventureiros. A mãe os detestava, porque, segundo ela mesma, eles nunca davam bons maridos.

— Olhe seu pai — dizia a mãe, com amargura. — Está sempre metido em missões com aqueles amigos. Nunca volta para casa, a não ser quando está machucado demais. Duvido que ele não gaste seu ouro com putas pelo Reinado inteiro.

No entanto, Meredith não se importava com aquilo. Na verdade, ela até gostava quando o pai vinha e lhe contava histórias fantásticas sobre o mundo que existia além daquela pequena vila onde viviam. Ela, em seu encanto de criança, sonhava em sair dali e viver aventuras como o pai. Mas deixava seus devaneios para quando estivesse longe da mãe, porque esta nunca acreditava em nada — como todo cidadão de Petrynia, seu pai sabia contar histórias como ninguém.

Entre uma ausência e outra, seu pai ficou estranho. Antes era expansivo, agora era reservado. Não falava de suas missões e estava sempre fechado em si mesmo, distante de tudo e de todos. Em uma de suas visitas, Meredith percebeu que ele tinha uma espécie de tatuagem no braço esquerdo. Num momento de distração, ela pôde ver melhor o que era: um corvo sentado sobre uma caveira com um lema escrito embaixo. Assim que seu pai percebeu que ela reparava, tratou de esconder. Não conseguiu ler o que as palavras diziam.

— O que é isso, pai? — perguntou ela.

Ele ficou alguns segundos quieto. Então:

— É uma marca que me indica como um igual aos meus irmãos.

— Você tem irmãos? — indagou.

— Mais ou menos. É um modo de dizer.

A conversa se encerrou ali. Mas Meredith não se deu por convencida.

Seu pai partiu para uma missão dias depois. Ficou quatro meses sem aparecer. Até que um dia, apareceram em sua pequena casa cinco homens. Eram todos fortes e sólidos como soldados. Postura marcial quase a todo instante, olhos gelados como os de seu pai. Ela estava prendendo as roupas no varal quando eles vieram, perguntando sobre sua mãe. Depois, falaram com ela por alguns segundos, longe dos olhos da garota. Sua mãe começou a chorar.
Eles foram embora logo depois. Meredith correu para consolar sua mãe, porque já entendia que seu pai não voltaria mais.

***

— Então, como estou? — ela parou diante do qareen com as mãos na cintura.

— Magnífica. — Sahyd bateu palmas com as pontas dos dedos, num sorriso afetado. — Você vai levar aquele minotauro à loucura.

Meredith deu um sorriso malicioso e aproximou-se de seu amigo, segurando-o pelos braços. Não pela primeira vez, reparou nas marcas que ele tinha na altura dos cotovelos, denunciando sua descendência mágica. Ela nunca entendia daquilo, mas Sahyd sempre lhe dizia que aquelas marcas eram a prova viva de que ele era um filho da noite.

— Depois de hoje, seremos livres. — sussurrou ela.

O qareen assumiu um ar mais grave. A afetação costumeira pareceu desaparecer; até mesmo sua voz mudava. Ela nunca entendia como ele era capaz de abandonar seu disfarce de bardo efeminado tão facilmente.

— Mantenha-se calma. — disse. — Você não precisa fazer isso, se não se sentir pronta.

A moça arqueou a sobrancelha, com um sorriso zombeteiro.

— Sei disso, Sahyd. Mas, como se diz, uma mulher não pode se desfazer de seus caprichos assim, tão facilmente.

Sahyd deu um sorriso. De repente, voltava a ser o artista efeminado de sempre.

— Então vá. Queixo para cima, bunda empinada. E não se esqueça de caprichar no seu tom de ninfeta assustada. Ele vai adorar.

Ela deu-lhe um beijo na bochecha e desfilou para fora. Pensou na adaga presa na perna e sentiu o coração palpitar. Sim, ele iria adorar.

***

Depois da morte do pai, sua mãe definhou aos poucos. Embora fosse uma mulher amarga que criticava o marido sempre que tinha chances, Meredith sabia que ela ainda o amava. A perda a atingiu com uma força imensa, tornando-a cada vez menos disposta a fazer coisas que antes eram parte da rotina. A garota e o irmão mais velho a ajudavam da melhor forma possível, mas nunca tinham grandes sucessos.

Até que um dia, a mãe nunca mais acordou. Os dois jovens a enterraram com um misto de alívio e pesar. Naquela pequena casa, naquela pequena vila, a vida parecia ficar cada vez mais fechada para aqueles dois. Então seu irmão encontrou uma velha armadura de seu pai deixada de lado no quarto, depois uma velha espada que precisava de uns reparos. Primeiro, levou a armadura para alguns ajustes. Depois, mandou que afiassem a espada. Passou horas inteiras tentando vestir aquela armadura e dando golpes num inimigo invisível com a espada recém-reparada.

Enquanto seu irmão trabalhava e se ocupava de fazer tudo aquilo, Meredith tentava cuidar da casa e repetia para si mesma que nunca seria uma boa esposa. Às vezes, o dinheiro faltava para comprar alguma coisa. Quando isso acontecia, ela sempre dava um jeito, o que sempre envolvia pegar alguma coisa quando o taverneiro não estava vendo ou simplesmente sorrir do jeito certo e usar as palavras certas para que um de seus filhos lhe desse algo de graça. Seu irmão nunca ficava sabendo de nada, porque ele detestava quando ela fazia esse tipo de coisa. Ele tinha certo estoicismo orgulhoso de alguém que não queria ganhar a vida daquela forma. Então, Meredith sempre escondia as moedas dele e lhe dizia que era sempre o suficiente, mesmo que não fosse. Assim, tudo ficava bem e ela não levava broncas.

Um dia, apareceu diante dela com armadura e espada, parecendo pronto para viajar.

— Meredith — disse ele, com ar grave. — Vou virar aventureiro.

Ela sorriu de volta, já sabendo o que ia responder.

— Também vou.

***

O tempo de aventureira foi bom. Seu irmão era um guerreiro, e dos bons. Na estrada, conheceram Gerard, um clérigo de Khalmyr, o deus da justiça. Depois de um tempo, conheceram Chloe, uma maga que estudara na Academia Arcana e que estava sempre criticando os costumes da nobreza a respeito de casamentos e de permitir que mulheres se aventurassem. Meredith não sabia rezar aos deuses nem decorava magias. Porém, sabia enredar qualquer um em mentiras e era pequena o suficiente para poder entrar em lugares onde seu irmão e o clérigo, sempre metidos em armaduras, não conseguiam.

Passaram um tempo espantando monstros, se enfiando em masmorras e lutando com capangas ou orcs. Aos poucos, nascia neles uma amizade sincera, forjada nas dificuldades da vida de aventureiro, nas noites passadas ao relento e nas cicatrizes ganhadas em batalhas. Meredith achou que esse tempo nunca passaria.

Mas então, vieram os minotauros.

Chegaram do nada, marchando sobre as cidades, atropelando os exércitos inimigos e escravizando quem se opusesse a eles. Diziam que Tauron agora comandava o Panteão, e por isso o mundo deveria se curvar perante Tapista. Chloe foi a primeira a dizer que iria integrar a resistência, porque era inaceitável se omitir ao que os minotauros faziam com as mulheres. Gerard decidiu lutar porque era um clérigo de Khalmyr, o verdadeiro líder do Panteão. Ulf, seu irmão, lutaria porque não queria servir minotauro algum. Meredith os acompanhou apenas porque não queria perde-los.

Por um tempo, ela pensou que seria como enfrentar orcs ou bandoleiros. Mas na primeira missão, eles foram encurralados por um grupo de legionários. Gerard morreu na luta, depois de manchar seu mangual com o sangue dos minotauros. No calor da batalha, ela não soube o que aconteceu com seu irmão e Chloe. Estava em cima de uma árvore fazendo chover virotes sobre seus inimigos, mas de alguma forma fora derrubada. Quando acordou, já não era mais aventureira.

Era escrava.

***

Naquela casa, no centro de Calacala, Sahyd foi a primeira pessoa que ela conheceu, depois das outras garotas que chegaram com ela. Ela se lembrava perfeitamente do dia em que se conheceram, quando ela ainda não sabia o que faria naquele lugar. Sahyd vestia um colete que deixava seu peito à mostra e uma calça larga. Os sapatos eram engraçados, com as pontas erguidas de um jeito que ela nunca tinha visto antes. O qareen tinha um ar exótico, com a cabeça quase toda raspada, exceto pelo rabo de cavalo preto no alto da cabeça. Os olhos eram emoldurados por uma maquiagem escura.

— Já terminou de me admirar, querida? — perguntou ele, com sarcasmo. — Não precisa dizer que me achou belo. Tenho um espelho no quarto que me diz isso todos os dias.

Ela torceu o nariz e fez uma careta. O qareen deu um risinho afetado e a avaliou-a atentamente.

— É, você é bonitinha. Só precisa de umas roupas melhores e mudar esse jeito bronco de camponesa. Com a minha orientação, vai longe. — comentou, depois bateu palmas. — Meninas, vamos levar a novata para o banho.

Naquele mesmo dia, Meredith ficou sabendo que estavam na casa de Lorde Tashtios, um minotauro que fora mercador de escravos, mas agora estava no ramo das casas de relaxamento. Suas moças eram sempre muito bem requisitadas entre os ricos de Tapista, que sempre o visitavam em busca de prazeres. Enquanto se aprontava para a noite, percebeu que tentar fugir dali seria quase inútil: Tashtios tinha muitos guardas. Aos poucos, a aventureira dentro dela morria.

O primeiro cliente foi um minotauro grande e bruto. Depois de passar a noite com ele, a garota foi jogada em seu quarto para descansar e ficar pronta para a próxima noite. Enquanto ela se revirava na cama com dores, alguém entrou em seu quarto. Era uma elfa de olhos mortiços e hálito de tabaco.

— Tome isso, querida. Vai ajudar. — disse, colocando algo em sua mão. Ela apertou o pequeno ramo de folhas e colocou-o na boca.
Aquela foi sua primeira viagem.

***

Os dias ruins foram bem mais longos que os dias bons. Conforme o tempo passava, Meredith parecia cada vez mais disposta a querer achbuld. No começo, era apenas para suportar a vida. Depois, era fundamental. Passava o dia todo pensando no momento em que teria sua dose, fazendo o que fosse preciso para tê-la. Clientes que batiam, lhe maltratavam, nada era ruim o bastante que não pudesse ser suportado. Com achbuld, é claro.

Até que um dia, Sahyd apareceu em seu quarto, olhando-a sério. Sério demais.

— O que foi? — perguntou ela, escondendo seu achbuld.

— Eu sei o que você está escondendo. — falou, num tom de voz nada parecido com sua voz macia e efeminada. — Me dê isso.

— Não.

— Não vou pedir de novo, Meredith. — ele se aproximou um passo, a mão estendida. — Entregue essa porcaria, ou eu tiro de você.

Meredith não entregou. Sahyd respirou fundo e avançou para ela, prendendo-a pelos braços e tirando as folhas de sua mão. Jogou tudo pela janela. Ela sentiu-se arrasada, como se parte de si estivesse indo embora. Sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto. O qareen continuava olhando para ela, muito sério. Parte do rosto estava escondida nas sombras.

— Olha só a que ponto você chegou, garota. — disse, com acidez. — E pensar que era aventureira.

— Vocês me tiraram de lá, — chorou. — Me tiraram dos meus amigos. Do meu irmão. Mataram Gerard.

De repente, sentia-se no fundo do poço. Chorou como nunca antes, talvez mais do que na morte de seus pais. Entretanto, chorar fê-la sentir-se viva como não se sentia desde que chegara àquela casa. Via-se capaz de sentir novamente.

Os olhos de Sahyd transpareceram compaixão. Ele se abaixou e passou os braços em torno da garota.

— Não fique assim. — falou. — Vai passar.

— Não vai, Sahyd. Sou escrava.

Ele segurou seu queixo e olhou-a nos olhos. Estava sério outra vez.

— Não é, Meredith. Não é.

— Claro que sou.

— Não é. As outras garotas podem ser, mas você não. Conheço uma aventureira quando vejo uma.

— E isso faz diferença?

— Claro que faz. — ele olhou para os lados, procurando possíveis intrusos. — Se quer saber, eu posso dar um jeito de tirar você daqui.

Meredith arregalou os olhos. Sentiu o coração bater mais forte.

— Como?

— Posso te ensinar. Mas você vai ter que fazer tudo que eu disser. E principalmente, vai ter que parar de usar essa porcaria.

Ela engoliu em seco. Pensou na vida que tinha. Lembrou-se de Ulf. Então:

— Eu vou parar.

— Promete?

— Sim.

— Temos um trato, então. Eu vou te ensinar o que sei. No devido tempo, vamos sair daqui.

Do nada, ele desapareceu. Meredith olhou para os lados, procurando vestígios do qareen, mas não havia nada além do quarto vazio à sua volta. Pensou ser um sonho, mas lembrou-se de que ele tinha levado todo o seu achbuld.

Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se viva.

***

Isso fora há quase um ano. Sempre que podia, Sahyd a ensinava pequenos truques que Meredith não tivera tempo de aprender. Ela sabia se esconder e andar sem fazer barulho, mas o qareen levava isso para um nível que ela nunca tinha visto. Ele podia sumir diante dos olhos de qualquer um, misturar-se às sombras a ponto de desaparecer e andar tão silenciosamente que seria impossível ser detectado. Com muito esforço, ela aprendeu cada lição, lembrando-se dos conselhos sobre como ganhar a confiança dos minotauros e conseguir clientes cada vez mais ricos.

Fazia dois meses que Titus aparecera por ali. Era um jovem minotauro, filho de um lanista rico com aspirações políticas. Embora minotauros fossem uma raça guerreira, Titus era pouco inclinado a combates. Usara a posição de seu pai para escapar do serviço militar nas legiões, acabava-se em festas, bebidas e mulheres. Adorava ver combates de gladiadores, e sonhava com o dia em que treinaria os gladiadores que serviam sua família. Adorou Meredith desde o exato momento em que a vira, e desde então suas visitas eram cada vez mais frequentes. Primeiro, deu-lhe algumas moedas para que comprasse roupas novas. Depois, levou-lhe para assistir um campeonato na arena. Depois, trouxe-lhe um colar de pérolas que tinha comprado.

— Ele vai te pedir em casamento. — comentou Sahyd, perto das outras garotas da casa.

Meredit engoliu em seco. Então deu um sorriso malicioso.

Porque naquele dia, descobriu que minotauros possuíam uma fraqueza.

***

Titus estava esperando-a no quarto quando ela chegou. Ele era um minotauro forte e bem-educado, sempre vestindo togas de boa qualidade e ostentando os braceletes que ganhara de seu pai quando atingira a maioridade. A convivência forçada com minotauros a ensinara saber quando eles sorriam.

— Boa noite, minha ninfa. — disse, tentando um gracejo de mal gosto.

— Boa noite, querido. — fingiu, com a voz aveludada. — Espero que não tenha esperado muito.

— Ah, eu esperei. Estava quase indo te buscar em seu quarto.

O sorriso de Meredith derretia até bronze.

— Não se preocupe. Vou te recompensar pela espera.

Ela avançou sobre ele, empurrando-o para a cama com as mãos pequenas em seu peitoral. Titus deixou-se levar, passeando as mãos por suas costas e tentando erguer a túnica. Ela sorriu e o deitou na cama, sentando em sua barriga. Sentiu a ereção do minotauro atrás de si e quase pegou a adaga. Preferiu se conter.

— Hoje vou fazer diferente. — disse ela.

Com agilidade, ela rasgou duas tiras de sua túnica e usou-as para amarrar os pulsos de seu cliente em duas argolas que haviam na parede próxima — alguns minotauros gostavam de algemar suas escravas para tornar a diversão maior. Titus olhou surpreso enquanto ela terminava um nó complexo e difícil de desfazer.

— O que você vai fazer? — ele indagou, a voz embargada de prazer.

Como resposta, apenas um sorriso. Rasgou mais uma tira e usou-a de mordaça. Titus continuava com uma interrogação no olhar.

— Vou fazer algo que nunca vai esquecer, querido.

Então, surgiu a adaga.

***

Horas depois, os dois perdidos na noite, longe da casa de Tashtios. A noite fora marcada por um incêndio repentino que queimara boa parte da casa. No calor do momento, Meredith e Sahyd tinham sumido. Foram dados como mortos.

Sahyd respirou fundo. Tinha um sorriso discreto.

— Podemos ir? Não aguento mais fazer essa voz efeminada.

Ela se ajeitou nas novas roupas escuras e práticas de aventureira. Há muito só usava aquelas túnicas de prostituta.

— Sim. Já terminei o que queria fazer aqui.

O qareen franziu a testa.

— Posso saber o que foi que você fez?

Meredith sorriu novamente. O sorriso era fatal.

— Eu o castrei, Sahyd. Assim, tenho certeza de que ele vai pensar duas vezes antes de fazer com qualquer uma o que fez comigo, se é que saiu vivo desse incêndio.

Sahyd deixou o queixo cair. Ela deu risada, fechou a boca do amigo por ele.

— Vamos logo. — disse. — Temos um longo caminho pela frente, e eu preciso saber se meu irmão está vivo.

— Como é o nome dele?

— Ulf. Tenho certeza que ele está vivo. Só não sei por onde começar a procurar.

O qareen pensou por alguns segundos.

— Isso é fácil. Basta começar por Malpetrin.

A garota respirou fundo.

— É uma boa caminhada até lá. Vamos encontrar muitos minotauros.

— Você está esquecendo de uma coisa. — disse ele, em tom de sugestão.

— Do que?

— Experimenta me pedir. Sou um qareen, lembra?

Meredith se lembrou. Qareens eram conhecidos por terem magia no sangue. Como os gênios de quem descendiam, sua magia era ainda melhor quando usada a pedido de alguém. Dessa forma, um qareen poderia conceder um desejo a qualquer pessoa que o pedisse.

Ela sorriu.

— Sahyd, leve-nos para Malpetrin.

Ele assentiu e estalou os dedos. Quando os dois sumiram na noite, Meredith não era mais uma escrava.

Era aventureira.

DrLecter
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Lua de Mel

Mensagem por DrLecter » 17 Ago 2015, 18:53

A Academia Arcana estava em movimento. Alunos iam e vinham carregando seus livros e aparatos de magia. Alguns clérigos de Wynna, a deusa da magia, faziam suas orações no templo ao mesmo tempo em que abençoavam todos os praticantes de magia que ali se encontravam. O Sol brilhava, trazendo uma manhã fresca e alegre para todos.

Chloe não sabia como estava o dia lá fora. Na verdade, há dias que não tinha ideia de como estavam as coisas do lado de fora, porque estivera confinada naquela pequena sala cheia de livros e pergaminhos, estudando compulsivamente para sua tese de graduação, que a tornaria apta para ser assistente de algum professor da Academia. O prazo estava terminando, e ela ainda não se considerava exatamente pronta — tinha escrito dois extensos rolos de pergaminho sobre sua tese, mas ainda achava que era pouco.

Ela se encostou no encosto da cadeira, espreguiçando-se. Tirou os óculos e os jogou na mesa, sentindo-se mais cansada do que nunca. Estalou os dedos e esfregou os olhos, com dor no pescoço e nos dedos. A cabeça parecia ferver com o esforço de pesquisar, rascunhar, revisar, editar e finalizar cada parte de sua tese. Há meses que se dedicava a isso, depois de deixar a vida de aventureira de lado — ou, como costumava observar, ser forçada a deixar tudo aquilo para trás.

Decidiu que era hora de parar. Tinha trazido algumas poções que a mantiveram acordada por todo aquele tempo, escrevendo e escrevendo. No entanto, quando o efeito da poção passava, o cansaço acumulado vinha com toda força, obrigando o usuário a se deitar e recuperar o sono perdido. Chloe estava no terceiro frasco, e sabia que dali a pouco teria que dormir ou entraria em colapso.

Subitamente, ouviu o piado de Phoebe, sua coruja de estimação. Era um pássaro grande e carrancudo de penas cinzentas e olhos grandes e amarelos. Estava sentada num poleiro ali perto junto com ela, saindo apenas quando lhe era pedido, geralmente para buscar poções e comida, já que aquela sala tinha pergaminhos, penas e tintas em abundância. Chloe sabia que ela tinha vontade de sair e voar, e isso a faz se sentir um tanto culpada.

— Logo vamos passear pelo campus, querida. — disse. — E sim, eu sei que estou horrível. Não precisa me lembrar disso.

Phoebe deu mais um piado, como se estivesse rindo. Voltou a fechar os olhos, completamente imóvel. A maga deu um leve sorriso.

Não precisava de espelho nenhum para saber que talvez estivesse com uma aparência assustadora. O cabelo loiro e liso estava bagunçado e manchado de tinta em alguns cantos. Os olhos azuis tinham olheiras da falta de sono e estavam vermelhos por causa do efeito da poção, agora terminando. Havia manchas de tinta em suas roupas, dedos e rosto, assim como muita poeira vinda dos livros deixados ali durante tanto tempo. Quase riu ao lembrar-se de que faria sua mãe ter um ataque de nervos se fosse vista naquele estado.

Pensar na família lhe causou certa melancolia. Há muito Chloe não via seus pais, num esforço para manter uma distância que considerasse segura. Embora sentisse saudades, não conseguia esquecer do que fizeram com ela quando ainda era pouco mais que uma aprendiz de mago que acabara de começar a vida adulta. Tinha planos, mas nada disso fora levado em consideração quando decidiram fazer o que fizeram.

Um bater na porta a tirou dos pensamentos ruins. Ela trocou um olhar curioso com a coruja, de testa franzida, e se dirigiu para a porta, sem saber quem poderia encontra-la naquela sala isolada àquela hora. Talvez Rashid, o gênio que servia de zelador da Academia, estivesse patrulhando por ali. Ou então algum colega particularmente preocupado estivesse procurando-a para algumas notas antes da prova. Precisava avisar que não podia se ocupar com aquilo no momento.

Abriu a porta.

— Não posso... — a frase morreu ainda na boca, suspensa no ar, sem se completar. Chloe ficou alguns segundos parada, olhando para fora com a boca ainda aberta, sem palavra alguma.

— Há quanto tempo, Chloe. — disse o visitante.

Era um homem alto e forte. Cabelo loiro na altura dos ombros um tanto despenteado, ombros largos e roupas surradas de quem vive na estrada. O rosto, marcado pelo mundo, exibia um cavanhaque. Os olhos azuis pareciam felizes em vê-la. Na cintura, uma espada repousava tranquilamente na bainha. Ela piscou algumas vezes, então lembrou-se de fechar a boca. Estava completamente estupefata.

Porque diante dela, estava Tristan Hagen, seu marido.

***

Há um tempo atrás, numa época em que nossa pretendente à professora de magia preferia não lembrar, sua família a obrigara a passar por um casamento sem que ela fosse consultada a respeito do assunto.

Os Gardner não eram uma família antiga. Na verdade, eram mercadores que se beneficiaram do comércio para fazer riqueza e integrar a nobreza de Bielefeld, o reino onde tudo parecia mais certo e ordenado que no resto de Arton. Em outros lugares, era comum que comerciantes enriquecessem e passassem a circular pelos círculos mais restritos da sociedade, mas não ali. Ali, em Bielefeld, a nobreza era um direito de nascimento, não algo conquistado por ouro. Para ser nobre, era preciso muito mais do que algumas lojas de tecido espalhadas pelo reino e moedas tilintando nos cofres.

Porém, os Gardner não se contentavam com a riqueza. Harald, o pai de Chloe sempre fora um homem esperto e voluntarioso em agradar Úrsula, sua esposa, que desde cedo pensava em figurar entre os ricos e sofisticados da sociedade, ainda que fosse filha de um simples taverneiro. Harald sempre fora um marido devotado, e trabalhara dia e noite para conseguir o sucesso que sua esposa tanto queria. Quando a riqueza chegou, ambos pensaram que seriam bem recebidos pela nobreza. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Para algumas pessoas bem-nascidas, era quase uma ofensa comparecer ao mesmo baile que o vendedor de tecidos.

Chloe não tinha lembrança de ver os pais num estado que não fosse a completa agitação com algum baile, algum torneio ou alguma visita de um nobre qualquer. Dia após dia, eles tentavam, de todas as maneiras, conseguir a atenção e a aceitação dos nobres. Dia após dia, recebiam risinhos desdenhosos, olhares de desprezo e piadinhas maldosas pelas costas. Eram ricos, mas estavam sempre prostrados. Tinham muitos empregados em suas lojas, mas eram escravos dos caprichos de uma corja de fidalgos elitistas. A jovem cresceu neste meio, sempre vendo os pais sendo desprezados e constantemente instruída a aprender ser a dama que sua mãe não fora. A garota, contudo, não manifestava interesse algum pela corte. Desde cedo se afeiçoara aos livros e ao estudo. Na adolescência, decidiu ser maga.

Quando se viu crescida o suficiente para ser considerada mulher, os pais começaram a falar sobre casamento. Apenas dinheiro não os fazia nobres. Era preciso terras e parentesco com alguma das famílias mais antigas do reino. Se não havia nenhum elo de sangue, tal elo deveria ser forjado numa aliança que beneficiaria os nobres com dinheiro e ao ambicioso casal com um título. Em suma, falavam de casamento.

Vários pretendentes apareceram. Filhos de outros comerciantes ricos, nobres menores, gente que também queria enriquecer. Chloe não se interessava por nenhum. Ficava sempre com seus livros e seus feitiços, fazendo experimentos e pensando em aventuras. Nenhum de seus pretendentes se interessava por aquilo — vivendo num reino devotado a Khalmyr, a maioria desconfiava de magia arcana ou a achava desinteressante. Aquele não era um reino para chapéus pontudos, palavras arcanas e livros: era um lugar de justas, cavaleiros, cavalos e armaduras pesadas.

Os pais fizeram de tudo. Apresentaram-lhe rapazes, levaram-na para bailes, forçaram o convívio com moças de sua idade, mandaram-na ter aulas de dança. Chloe parecia completamente alheia a tudo aquilo. Estava sempre pensando em livros, fórmulas e magia.

Até que apareceram os Hagen.

Os Hagen eram uma família antiga e nobre, que um dia fora rica; mas agora nem tanto. Eram, basicamente, aquilo que sua família procurava: alguém que tivesse um título de nobreza para oferecer e que poderia usufruir do suado dinheiro que os Gardner conseguiam. Em outros tempos, um casamento com uma moça de tão baixo nascimento seria quase impossível, mas tempos urgentes requeriam medidas urgentes. Uma manobra militar de anos atrás havia tirado todo o ouro da família — e, como notou Chloe mais tarde, todo o seu orgulho e escrúpulos. Assim, casar seu filho mais novo com uma filha de comerciantes não parecia uma ideia tão ruim.

Tudo foi arranjado com a maior pressa e entusiasmo de ambos os lados. Ninguém queria saber o que os jovens pensavam daquilo tudo. O que importava eram os nomes, os cofres e os títulos. Ela tentou protestar, dizer que queria ser maga, estudar e viajar pelo mundo. Recebeu reprimendas em troca. A família em primeiro lugar, dissera seu pai, num tom moralista. A mãe apenas concordava, e depois dizia que ela ganharia joias lindas de presente.

Chloe ainda era capaz de se lembrar do dia em que conhecera Tristan Hagen, o homem que seria seu marido dali a algum tempo. Era uma tarde ensolarada, e todos estavam nas terras da família do noivo. Tristan estava bem arrumado, num gibão de couro vermelho exibindo o leão dourado da família no peito. Diziam por aí que aquela era uma visão rara, uma vez que o rapaz estava sempre metido em sua armadura organizando patrulhas e caçando monstros nas fronteiras do feudo. Por um momento, os dois se encararam. Ela com seus livros, ele com suas espadas. Tão diferentes, mas igualmente deslocados naquele ambiente cheio de afetações, risadas fingidas e conversas sobre ouro, terras e títulos.

A cerimônia aconteceu o mais rápido possível, com toda opulência que a ocasião exigia. A família de Tristan fornecia convidados ilustres e influentes enquanto a família de Chloe fornecia o dinheiro que comprara o banquete farto, o vinho doce e os bardos que se apresentaram. O jovem casal só teve um momento a sós bem depois, já no quarto, quando a mãe de Chloe já estava bêbada e dizendo que queria netos o mais rápido possível. Agora, a maga era a futura baronesa. Sentiu um bolo no estômago.

O quarto do casal parecia ter sido decorado para a ocasião. No entanto, nenhum deles parecia realmente entusiasmado. Tristan passara a cerimônia toda carrancudo e ela não fora muito melhor. Nenhum deles parecia feliz com aquilo, exceto pelos pais.

Ela o encarou por alguns segundos, sem saber o que dizer. Sabia o que viria depois da cerimônia. Ouvira histórias, e isso não a animara nem um pouco.

— Não se preocupe. — Tristan falou, parecendo constrangido. Por algum motivo, Chloe achou que ele não fazia o tipo que gaguejava para falar com mulheres. — Eu não vou te forçar a nada.

Ela se sentiu aliviada. Encolheu os ombros.

— Obrigada. — respondeu, envergonhada. De repente, percebeu quanta sorte tivera. Sentiu as mãos ficarem frias.

Tristan a ajudou se sentar, depois lhe estendeu um pequeno cálice com água.

— Fique calma. — disse. — Beba isso, vai melhorar.

Ficaram em silêncio. Depois de um tempo, Chloe achou por bem retirar os óculos da manga do vestido e os colocar no rosto de novo. Com a visão melhor, percebia que ele tinha preocupação estampada no rosto.

— Desculpe. — a voz saiu fraca, quase um fio. — Eu ouvi histórias. Não queria isso.

— Eu também não. — a resposta não a surpreendeu. Talvez ele preferisse moças sorridentes e fúteis da corte.

— Queria estudar magia. — contou. — Tenho uma coleção enorme de livros.

Tristan deu um pequeno sorriso de lado.

— Queria ser aventureiro. Tenho uma armadura e sei manejar espadas. Tenho que colocar isso em prática.

Ela pensou por alguns segundos.

— Poderia lutar em torneios.

Ele torceu o nariz.

— Odeio torneios. Coisa chata, feita para cavaleiros que querem se mostrar e mulheres fúteis. E bajuladores, os piores de todos. Nada se compara a uma masmorra.

Chloe franziu a testa. Talvez não fosse exatamente um rapaz que gostasse de moças fúteis da corte.

Tristan levantou-se. Pela primeira vez, notou que ele era muito mais alto que ela.

— Nenhum de nós está feliz com essa situação. Acredite, estou tão desconfortável quanto você. — ele apontou a cama com o queixo. — Você pode ficar com a cama. Eu fico com o divã.

***

Depois de um tempo, ambos começaram a planejar uma brecha no plano dos pais. Embora tivessem uma boa convivência, não eram marido e mulher. Tristan continuava patrulhando as fronteiras do feudo e Chloe continuava reclusa com seus livros. Os dois queriam algo além daquilo, e estudavam a situação para conseguir uma brecha no acordo entre suas famílias. Até que um dia Tristan teve a brilhante ideia de uma separação amigável entre eles. Se o que queriam eram títulos e dinheiro, que ficassem com as vantagens do casamento. Os dois jovens não eram obrigados a manter as aparências.

— Podemos viajar, cada um para um canto. — disse ele. — Eu vou explorar masmorras. Você vai estudar magia. O que nossos pais queriam de nós já foi conseguido.

Ela achou uma boa ideia. Semanas depois, cada um seguia seu rumo. Ela nunca disse, nem mesmo em seus mais profundos devaneios, mas sentiu uma pontada de dor na despedida. Tristan tinha se tornado um bom amigo, disse a si mesma. A explicação pareceu cair bem, e assim ficou.

Isso fora há cinco anos. Chloe tinha vinte e um anos e ainda não se considerava maga. Foi para a Academia Arcana, estudou magia, conheceu outros rapazes. Novamente, não se interessou por nenhum deles. Uma clériga de Wynna lhe sugeriu que talvez precisasse ter outras experiências naquele campo, mas a ideia não lhe agradou. De alguma forma, parecia incapaz de ter alguém como outras mulheres conseguiam. Decidiu esquecer o assunto e se focar nos estudos. Conseguiu.

Quando os minotauros chegaram, ela foi uma das primeiras a se engajar na resistência. Juntou-se a um grupo de aventureiros e assaltou comboios de suprimento, pequenos acampamentos de minotauros, algumas instalações. No entanto, aqueles dias passaram logo, quando uma centúria matou um de seus amigos e levou a garota para longe, como escrava. Chloe se lembrava dela. Era ainda menor que ela, com um jeito de garota do campo e algumas piadas que faziam todo o grupo rir. Transformada em escrava.

A dor fora maior do que julgava ser capaz de suportar. Novamente, ela se viu de volta à Academia Arcana, pedindo para estudar para a Graduação. Depois de receber autorização, focara-se nos estudos mais uma vez. Agora sim, tinha o que sempre quisera: sossego, livros e fórmulas de magia para estudar.

Mas por algum motivo, não parecia o suficiente.

***

Agora, com a porta aberta, ainda não conseguia falar.

— O-o-olá, Tristan. — gaguejou. — Faz tanto tempo.

— Não tanto assim. — ele sorriu. — Não somos velhos. Posso entrar?

Ela lhe deu espaço, sentindo-se perdida. O que poderia fazer? Oferecer alguma coisa? Dizer que parecia ótimo? Perguntar o que acontecera nos últimos anos?

— Então — começou ele. — Você tem uma coruja agora?

— Ah, sim. — ela chegou perto e acariciou o bico de Phoebe. — Esta aqui é Phoebe. Ela me ajuda em algumas coisas. Phoebe, diga olá ao Tristan.

Phoebe deu um piado fraco, com olhos entreabertos. Tristan olhou-a com curiosidade, perguntando-se se era sensato chegar mais perto. Detrás dele, a maga lançou ao pássaro um olhar de censura — o piado era uma forma velada de dizer Ele é bonitão, hein, sua danadinha.

— Ela fala? — perguntou. Chloe sacudiu a cabeça.

— Não exatamente. Eu consigo entender o que ela fala, mas é uma questão de vínculo. Phoebe é minha familiar.

— Ah.

Ele estendeu a mão e tocou a cabeça de Phoebe. Como eu adoro o toque de mãos calejadas, piou a coruja. Chloe franziu a testa.

— O que ela disse agora? — Tristan perguntou.

— Nada importante. — a resposta causou um piado de protesto, mas ela não deu atenção. — Acho que agora é o momento em que eu pergunto como foi que você me achou.

— Era o lugar mais óbvio.

— Faz cinco anos que vim para cá. Poderia não estar mais aqui.

— Nesse caso, encontraria algum ex-professor que poderia me dar uma indicação de um antigo colega de turma, que talvez poderia me indicar seu paradeiro. — respondeu, simplesmente. — Felizmente, a busca não se estendeu tanto assim.

Chloe balançou a cabeça. Os anos na estrada tinham lhe ensinado uma coisa ou duas além de lutar.

— Um bom plano. — reconheceu. Não basta ser gostoso, tem que ser esperto, a coruja se manifestou do poleiro. Chloe decidiu que não queria escutar aquele tipo de comentário. — Phoebe, vá buscar alguma bebida para nós, por favor.

Phoebe abriu as asas, e voou para fora da sala, saindo pela porta que fora deixada aberta. Ele não é só seu, piou, lá do corredor.

— Obrigada — cantarolou, com uma pontada de satisfação. Então, voltou-se para o visitante. — Como tem passado os últimos anos?

Tristan gesticulou com as mãos, como se falasse de algo muito simples.

— Entrando e saindo de masmorras. Alguns tesouros, monstros, bandoleiros, cultistas. O de sempre. E você?

— Estudos. — contou. — Fiz parte de um grupo de aventureiros.

Tristan não parecia acreditar.

— Agora sim estou surpreso.

— Pois é. Um lampejo de idealismo e rebeldia. — disse, evitando a melancolia da lembrança. — Já passou.

Novamente, o silêncio. Tristan parecia escolher as palavras para falar com ela. Algo lhe dizia que ele estava tentando propor alguma coisa. Apesar de ser um bom guerreiro capaz de inspirar companheiros em batalha, ela sabia que em particular as palavras não eram seu forte.

— Acho que agora é a hora em que eu pergunto porque você me procurou. — ela tentou ajudar.

Respirou fundo.

— Eu quero algo diferente, Chloe. — contou. — Passei cinco anos entrando e saindo de masmorras, matando monstros e bandoleiros. Conheci um lado da vida que não é lá muito agradável. Achava que eu tinha motivos para estar na estrada, mas depois desses anos, descobri que o único motivo que me fez buscar aventuras foi tédio.

— Você sempre quis se aventurar, Tristan. — ela respondeu. — Não era por tédio.

— Eu queria me aventurar porque ouvi canções de bardos e as histórias do meu tio. Ele lutou com Orion Drake. Não poderia ser diferente. — ele olhou para algum ponto acima dela, depois continuou. — Acabei descobrindo que eu era apenas mais um bem-nascido entediado que queria ter histórias para contar quando me aposentasse. E isso é um tanto ridículo.

Toda aquela conversa tinha levantado algumas suspeitas. Talvez ele quisesse voltar para casa, para a vida tranquila de casado que deveria ter tido e arrasta-la junto. Eles eram casados, afinal de contas.

— Você está me dizendo que quer voltar para casa? — perguntou ela. — E... retomar o nosso casamento?

Tristan franziu a testa. Encarou-a por alguns segundos.

E riu.

— Mil kobols, não. — disse. — Quero dizer que quero fazer algo maior do que simplesmente saquear masmorras. Quero integrar a resistência ao Império. E quero te convidar para ir comigo.

Chloe sentiu o chão lhe faltar. Agradeceu estar sentada, assim evitava o tombo. Sim, lutara contra o Império de Tauron. Sabia quais eram seus pontos fracos, pelo menos na teoria. Porém, aquilo tinha acabado quando Gherard fora morto. Ulf foi o último integrante do grupo que restara e desde então ela não tivera notícias dele.

— Tristan, isso é loucura. — disse. — Eu lutei contra eles. Foi uma chacina.

— Eles estão escravizando gente, Chloe. — ele falou. — Olha o que eles fazem com as mulheres.

— Eu sei. — ela retrucou, a voz se elevando. — Eles mataram meu amigo. Ele era um clérigo de Khalmyr que poderia ter te conhecido em algum torneio da Ordem da Luz. Eles levaram minha amiga como escrava. Ela era pouco mais que uma garota na época. O único amigo que me restou se transformou num alcoólatra. Eu quase me tornei escrava, Tristan.

Falar daquilo a fez chorar o que não tinha chorado nos últimos tempos. Tristan a alcançou o ombro com a mão grande e calejada. O toque caloroso a acalmou aos poucos, enquanto tentava limpar os olhos.

— Eu não sabia que tinha sido assim. — falou, com cuidado para não dizer alguma besteira. — E é por isso que eu quero lutar. O que aconteceu com você só me faz ter ainda mais vontade de dar o troco naquela manada de chifrudos.

Por algum motivo, Chloe achou graça na forma como ele falou.

— Estou estudando para a minha graduação. — disse. — As provas são daqui a duas semanas, eu ainda preciso terminar minha tese.

Tristan ergueu a sobrancelha.

— Eu tenho que comprar equipamentos e um meio de transporte. Posso fazer isso enquanto você termina seus estudos.

— Você não vai desistir, não?

Ele sacudiu a cabeça, resoluto.

— Ninguém pode me culpar por querer passar um tempo com a minha própria esposa. — falou, num tom irônico. — Além disso, nossa lua de mel está cinco anos atrasada.

Ela deu um sorriso torto.

— Vamos passar a lua de mel matando minotauros. Que romântico.

— Nunca fomos um casal ligado às convenções, de qualquer forma. — ele se levantou e foi para a porta. — Vou te esperar em Valkaria, enquanto faço os últimos ajustes para a viagem. Você sabe onde seu antigo amigo se encontra no momento?

— Da última vez que soube dele, estava em Malpetrin.

— Ótimo. Pretendia ir para lá mesmo. Agora vou te deixar estudar em paz. Boa sorte com a tese.

Ele já estava saindo. Chloe decidiu que não iria esperar duas semanas para lhe dizer aquilo. Chamou-o de volta.

— Acho que essa é a hora em que eu digo que senti saudades.

Tristan sorriu.

— Também senti saudades. — e foi embora.

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Re: Contos

Mensagem por Galahad » 18 Ago 2015, 21:37

Curti esses contos, quero ver esse grupo se reunindo *-*

DrLecter
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Re: Contos

Mensagem por DrLecter » 19 Ago 2015, 10:58

Obrigado por ler e curtir, Galahad. Olha, ainda tem coisa pra rolar, mas espero que logo o grupo se reúna. Estou planejando a história aos poucos, na medida que as ideias aparecem. Pra você ter uma ideia, a maioria dos personagens que aparecem nos contos tem ficha pronta, já. hahahahah

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Re: Contos

Mensagem por Galahad » 19 Ago 2015, 23:04

Achei legais os personagens, ainda mais o Ulf.

DrLecter
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Re: Contos

Mensagem por DrLecter » 19 Ago 2015, 23:22

Ele foi o primeiro que eu criei. Ainda não quero soltar muitas informações, mas não é muito difícil adivinhar qual é a classe dele. No próximo conto, temos mais algumas pistas sobre seu passado antes de O Canino e o Chifre. Se quiser arriscar palpite, pode ficar à vontade. XD

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Re: Contos

Mensagem por Galahad » 24 Ago 2015, 21:08

Hmmm, pelo visto Ulf acabou caindo na bebida depois do grupo ser desfeito, e talvez tenha se tornado escravo, lutando em arenas pera o minotauro lá.

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