É noite no Além. A fogueira crepita lançando faíscas e uma leve fumaça. Uma dúzia de viajantes encontra-se reunida em uma leve depressão. Ao seu redor uma pequena parede forma a primeira linha de defesa entre eles e os perigos que espreitam na escuridão que agora cobre a Quinta Marca da Caminhada Errante. A composição da mureta, de cerca de um metro de altura, poderia ser considerada macabra para um habitante do distante Baluarte, à leste, mas não para aqueles habituados a esta estrada: as mandíbulas de peregrinos mortos, vítimas dos inúmeros riscos da jornada a qual se lançaram ou, em alguns casos mais raros, apenas do próprio tempo. Pois as Bocas Moledros, locais de repouso para andarilhos e caravanas, espalhadas pela Caminhada Errante, são bem conhecidas das pessoas que por ela transitam. Na maioria dos casos, é o único lugar seguro em quilômetros de distância.A CAMINHADA ERRANTE
A Caminhada Errante é uma rota de peregrinação através do Nono Mundo. Ninguém sabe o tamanho exato da Caminhada, nem ninguém pode apontar exatamente onde fica o seu início ou seu fim. Muitas pessoas especulam que a Caminhada é realmente um círculo fechado que envolve todo o Nono Mundo e que alguns viajantes, especialmente aqueles com aprimoramentos ou atributos sobrenaturais, vêm trilhando eternamente por suas voltas desde épocas mais antigas que os registros.
Para a maioria, a Caminhada é muito desgastante fisicamente para ser usada como um comércio ou rota de viagem. Ela desliza através de desfiladeiros cheios de líquido, de curvas dentro de túneis apertados e de ventos em meio a matas, florestas e grande parte do Além. As recompensas parecem poucas e os perigos são muitos. No entanto, em qualquer época do ano e em qualquer ponto ao longo das seções conhecidas da rota, a Caminhada está repleta de peregrinos, exploradores e aqueles tolos o suficiente para achar que ela oferece uma passagem segura. Aqueles que seguem a Caminhada por motivos religiosos, espirituais ou outras razões, são chamados Peregrinos ou apenas Pássaros (embora este último termo seja geralmente pejorativo). Embora suas vestimentas variem,verdadeiros Peregrinos carregam alguma marca da Caminhada. Normalmente, a marca é uma elaborada e continuamente crescente cicatriz de sangue circular ao longo de sua palma; há pouca coisa para fazer ao longo da Caminhada quando não se está vagando e a natureza complexa da cicatriz dá direito de se gabar ao mostrar quanto tempo um viajante tem sobrevivido ao longo do caminho. Peregrinos experientes carregam cicatriz que chegam até o comprimento do seu braço ou em ambas as palmas das mãos.
Claro, há também muitos que trilham a Caminhada para outro tipo de crescimento, ou seja, o crescimento de seus bolsos. Estes covardes que se aproveitam dos corpos dos peregrinos caídos muitas vezes se tornam eles próprios peregrinos inadvertidos, ou se perdem ao longo da rota ou a percorrem para encontrar um lar onde eles possam se contentar com os seus despojos recém-obtidos. Eles geralmente não vão muito longe antes de caírem sob os efeitos dos elementos ou pela mão de outro covarde.
E assim, a Caminhada capta a todos em seu eterno comprimento.
É claro que a simplória parede não poderia deter um verdadeiro ataque. A se acreditar nas histórias, o que detém qualquer ameaça é a Língua que Dizima, as almas dos peregrinos mortos que não aceitarão serem desrespeitados em seu lugar de descanso e punirão severamente qualquer um, inteligente ou não, que ousar abalar sua paz. Claro, muitos adultos dizem que não acreditam na maldição, mas eles ainda honram as Bocas Maledros com a devida reverência. Para aquietar os mais desrespeitosos e ousados, uma espada, besta ou emissor de raios pode ser uma excelente alternativa.
Quatro dos presentes acabam sentando-se próximos. Aldor Maelys era um sacerdote dos éons e todos o olhavam com deferência e respeito. Ofereceram-lhe lugar privilegiado próximo a uma das fogueiras e alguns insistiram em dividir sua comida e bebida com ele. Também há aqueles que lhe pedem uma benção.
Sua colega era Alkaçuz, uma mulher vestida em seda adamantina. As pessoas pareciam considera-la guarda-costas do religioso e a tratavam com consideração e algum receio.
Ao lado da linda mulher negra um rapaz também chama a atenção. Sua face é bela, atraente, e algumas moças no local o olham com interesse evidente. Kenree Dixlan é seu nome.
Fantástico o contraste com o sujeito ao lado dele. Mal vestido e mal cuidado, Taurkus Khan parece ser um legítimo habitante dos ermos mais selvagens do Além. As pessoas preferem ignorá-lo – talvez com medo, talvez com asco.
A conversa prossegue ao redor das chamas crepitantes.
Jovem
- Sabe, bem que poderia aparecer um enxame luminescente. Nunca vi um...
Mesmo que ninguém ali já tivesse visto, o enxame luminescente era de conhecimento comum por histórias populares. Em um momento o céu noturno está escuro e então, no instante seguinte, está cheio de orbes azuis-esverdeados que movem-se em uma dança aparentemente coreografadas.Ancião
- Haha, lamento rapaz, mas não creio que alguém vivo já tenha visto um desses. Lembro que meu tio viu um e ele se tornou parte de uma das Bocas há muito tempo!
A conversa segue por histórias do deserto, com alguns contos aterrorizantes sobre a Ventania de Ferro. A discussão geral é entremeada por conversas paralelas em cochichos. Em determinado momento alguém diz, talvez em um tom mais alto do que planejava, sobre mortes que têm ocorrido nas Bocas recentemente – caravanas inteiras sendo encontradas violentamente aniquiladas, sem sobreviventes. O silêncio cai sobre o acampamento.
O velho volta a falar. Claramente o mais experiente e idoso ali presente, mostra nos braços as longas marcas sanguíneas que caracterizam os Peregrinos que surgem como pontos nas palmas das mãos e espalham-se ao longo do tempo em que o devoto permanece na Caminhada Errante.
Ancião
- Rumores. Isso nunca ocorreu antes!
O menino indica uma mulher adormecida, virada de costas para a fogueira.Menino
- Minha mãe viu com seus próprios olhos. Ela tem olhos mecânicos e, acredite em mim, ela vê tudo.
O Peregrino ancião (assim como outros mais velhos) balançam a cabeça em negativa, mas alguns parecem aceitar a palavra do garoto.
Jovem
- Mas o que sua mãe viu?
Menino
- Um bando de salteadores! Ela os viu saírem de uma das Bocas, há alguns dias a oeste daqui. Quando chegou mais perto, só havia cadáveres destroçados – inclusive com partes faltando. Eles os comeram!
Segundo as histórias contadas no Quinto Trecho, Bandos Covardes são grupos de bandidos humanos ou abhumanos que vagam pelo Trecho atacando caravanas ou viajantes solitários. Tais grupos de bandidos são sussurrados entre as pessoas como lendas, dado que ninguém parece ter enfrentado um desses grupos e sobrevivido para contar aos outros.Ancião
- Hm? Não me lembro de Bandos Covardes atacarem as Bocas. Seja por algum tipo deturpado de devoção ou reverência pelos mortos, ou simples superstição, eles não fazem isso.
Off:
Sintam-se convidados a participar da discussão e emitir opinião.