O mundo explodiu em sua volta numa luz branca cegante. Gabriel perdeu a sensação das mãos, que seguravam a velha arma de sua mãe, e do seu corpo completamente. Por um breve momento, pensou que esta era sua morte. Morreria lutando, como um guerreiro honrado, o que era esperado. Mas havia frustração amargurando seu coração. Tamanha angústia poderia roubá-lo do caminho natural até os mundos dos deuses, poderia fazê-lo renascer como um morto-vivo. Um esqueleto, já que sua carne provavelmente havia derretido ante o fogo da dragoa.
Gabriel abriu os olhos como se acordasse de um pesadelo. Seu corpo dolorido, entretanto, provava a veracidade de sua batalha contra aquela que admirava quando criança. O mundo era o mesmo, mas diferente. Era novo, havia prédios, casas, passarelas altas, carroças, caixotes, lojas, oficinas, árvores, bazares, tavernas, pessoas, pessoas demais! Gabriel tomou um grande susto. Viu a estátua de Valkaria no centro da cidade e soube onde estava... mas tudo estava fora do lugar.
O jovem arrastou-se pelas ruas, desorientado, esbarrando em pessoas. Uma chegou derrubá-la, provocando a reação instintiva de guerreiro, sacar sua espada para a luta. Não demorou muito para ser preso e encarcerado na masmorra.
Miliciano de Valkaria
Então, você se chama Gabriel, não é?
Não podia dizer seu sobrenome. Era muito perigoso.
Gabriel
Sim.
O homem o olhou de esgueira, através das barras de ferro de sua cela. Gabriel tinha suspeitas.
Miliciano de Valkaria
Essas armas tamuranianas... Roubou de quem?
Ele analisava a chuan e a adaga com mola. Não havia descoberto a lâmina em sua bota direita.
Gabriel
Não sou ladrão, são minhas armas. E somente a espada é tamuraniana, que foi a primeira arma de minha mãe.
O elmo não escondia a expressão de deboche do miliciano.
Miliciano de Valkaria
É mesmo? Você não tem cara de tamuraniano, rapaz.
Gabriel
Meus pais não são tamuranianos, senhor. Por favor, há quanto tempo as Guerras Táuricas acabaram?
Uma pergunta direta que ajudaria situá-lo melhor. Valkaria não era a mesma que conhecera, não era a mesma que ele estava há poucas horas. Um lugar cinza, com muitas ruínas de prédios antigos, grandes galpões com chaminés produzindo fumaça negra, casebres de pedra resistente, chão coberto de lama e fuligem eterna.
Miliciano de Valkaria
Os minotauros foram contidos há quatro anos, rapaz. Você realmente parece doido de pedra. Como não fez nada demais, vamos deixá-lo ir embora amanhã pela manhã. Boa sorte.
E saiu. "
Contidos... então é assim que ensinam nesses dias. Deheon conteve os minotauros e não foram humilhantemente derrotados... entendo."
Gabriel recostou suas costas nas duras e frias pedras que compunham sua cela. Estava em 1410, era certo. Pelo frio, era outono ou inverno. Aquela explosão branca não para matá-lo, mas para mandá-lo para outro tempo. Não era o sopro da sua prima, da menina doce e orgulhosa que aprendera a admirar, da Rainha Eterna, sua maior inimiga.
***
A viagem até o norte não foi tão tranquila como imaginava. Tinha enormes vontades de voltar, de procurar seu tio, sua mãe, seu pai, até mesmo seus avós estavam vivos e bem. Mas não podia. Não sabia muito sobre linhas temporais, mas sabia o básico, que poderia causar o "fim do mundo". Afinal, era isso que a Rainha Eterna estudava, era isso que ela queria mais do que tudo em sua vida. Gabriel teve que entender algumas coisas para poder enfrentá-la.
E como fora tolo. Devia ter ouvido sua mãe... mas pelo menos seu destino não fora igual de seu pai, morto por ela. Gabriel agora estava em um tempo anterior ao seu nascimento, ao nascimento de sua prima e, portanto, podia impedir que ela nascesse.
Como? Matando seus pais? Matando seu tio? Gabriel viu Aldred de longe, andando com cavalos garbosos ao lado de um grupo de aventureiros. Teve vontade de ir até ele e pedir para não se casar com Fenyra Hagar e não gerar filhos com ela. Mas até quando isso poderia realmente impedir o nascimento de Cecília, a reencarnação da Rainha Eterna, que condenou seu mundo à destruição?
Seu mundo era outro, recuperando os cacos de uma grande guerra que devastou e dividiu os povos artonianos, não havia mais heróis, aventureiros eram raros. As oportunidades de desenvolver o seu poder dracônico eram poucas. Agora estava em uma outra Arton, cheia de possibilidades e aventura. Cheia de promessas. Gabriel decidira ser um herói daquele tempo, evitando seus parentes, evitando seu sobrenome, Maedoc, a todo custo.
***
Ele não costumava ficar muito tempo em nenhum grupo. Participara de dois, não conversava com ninguém e se afastava quando cumpriam uma missão. Agora estava em Namalkah, indo para Palthar em busca de um navio que o levasse para a Liga Independente, atrás dos cientistas que estudam cronomancia, a arte mágica da viagem no tempo. Não queria voltar ainda para seu mundo, mas queria saber se havia a possibilidade naquela época.
Foi pensando em como seria Salistick que Gabriel bebeu o último gole de seu odre naquelas vastas pradarias de Namalkah. Por sorte, encontrou um lago e ali, outras quatro pessoas. Eram estranhos entre si. O humano loiro tinha um arco a tira colo que o sulfure logo identificou como um sinal de defesa relaxada. O humano apostava, o sulfure cobria o blefe. A mulher humana que estava com o sulfure era a mais estranha, falava coisas estranhas sussurrando ou falando alto, dependia. Enquanto o sulfure tentava uma abordagem pacífica e até mesmo cômica, Gabriel mirou a outra humana.
Uma mulher linda, com um tapa olho, armadura, rosto anguloso, cabelos lindamente vermelhos. Gabriel perdeu alguns instantes olhando para seu rosto bonito. Ela tinha a mesma intenção de paz do sulfure, mas foi mais formal e acolhedora. Enquanto ele queria apenas ficar na dele com a humana estranha ao seu lado, a ruiva oferecia a própria comida, apresentando-se aos demais.
Gabriel
Obrigado, Angra dos Cabelos de Fogo, mas minha mãe sempre disse para não aceitar nada de estranhos. Eu me chamo Gabriel... só Gabriel. Estou de viagem para Palthar e sou aventureiro, como vocês. Estão em busca de alguma coisa?
Gabriel falava de maneira estranha, tentou um arremedo de piada, mas depois se arrependeu. Ele não sabia como aventureiros se comunicavam naquela época. Tentou ser claro e o mais simples possível, como fora nas outras duas vezes que sentara na mesa de um grupo oferecendo sua espada para missões.