Dimitrius nada ouvia do outro lado da porta, que podia reparar ser feita de algum tipo de madeira de lei. Era bem grossa e resistente, a fechadura era prateada e adornada com arabescos. A própria madeira também era delicadamente esculpida com esmero. Era possível notar que estava trancada.
Enquanto conversavam ouvem a porta ser destrancada e abrir rapidamente. Quatro homens entram no quarto. Guardas, é evidente. Altos, cerca de um metro e noventa, vestem armaduras prateadas em escamas sobre túnicas rubras e elmos arredondados levemente pontudos no topo, com um tipo de “crina” saindo da parte de cima. São loiros de olhos profundamente azuis. Além de espadas e facas à cintura e um escudo preso às costas, três deles portam um estranho objeto que parece uma arma: um tipo de bastão com um gatilho, mas ao invés de um cano para a saída do projétil, há um tipo de cristal. Tão parecidos são em altura, porte e equipamento que qualquer poderia acreditar que foram feitos de um mesmo molde. O quarto, que não portava aquele objeto, fala com firmeza:
Guarda
– Afastem-se!
Em seguida uma mulher de traços orientais entra. Baixa, com pouco mais de um metro e meio, parece uma anã em meio aos homens. Vestindo uma túnica branca e uma libré simples, ela carrega algumas roupas dobradas nas mãos. Curva-se profundamente, em um ângulo perfeito de noventa graus, seus olhos voltados para o chão. Após um instante assim, ela rapidamente move-se para por as roupas nas suas camas.
Guarda
– Vós sois convocados a comparecer à presença do Mahasainapati Andrarya Maysaraliputra! Fazei vossas perguntas ao ilustríssimo mahasainapati! Vistam-se e venham conosco, nós os escoltaremos!
A voz potente do soldado os distrai e a mulher rapidamente retorna à saída, curva-se para os guardas e retira-se. Sem alternativas, vocês vestem-se e seguem os guardas. Ladeados por eles, cruzam um longo corredor e saem no que seria um tipo de varanda – um lugar enorme. Podem finalmente vislumbrar a cidade onde estão e percebem claramente que não devem estar mais na Terra.
Do ponto de vista de onde estão, notam várias torres e passarelas. Além uma enorme ponte, tão larga quanto uma rodovia. Além uma vasta cidade com edifícios encimados por cúpulas circulares à moda das arquiteturas árabes e indianas. É possível notar que os bairros são cuidadosamente organizados e enfileirados com ruas em ângulos retos que formam a suástica repetida inúmeras vezes. Cada canto de uma suástica é composta por um bloco com uma cor predominante: um é branco, outro vermelho, um terceiro é amarelo e o último é verde. Este padrão repete-se diversas vezes sem cessar até onde a vista alcança – a cidade é completamente plana, embora cercada por altas montanhas além. Não há muralhas visíveis. É possível notar que algumas partes da cidade parecem estar “faltando”. Há ruínas aqui e ali, prédios enegrecidos. Esta cidade recupera-se de um incêndio de grandes proporções, mas há andaimes e guindastes por todo lado: a cidade está se reconstruindo.
Um som chama sua atenção. Em um campo mais abaixo, do lado de cá da ponte, um grupo de mulheres de armadura cavalga aceleradamente enquanto disparam com armas semelhantes às que os guardas com vocês carregam. Do cristal na ponta de cada bastão é emitida uma luz intensa que acerta manequins que são perfurados. Com gritos de batalha elas largam os bastões fora e sacam sabres, cortando os manequins com suas lâminas. Em instantes os alvos se recompõe e elas voltam a se posicionar para nova carga.
Mas não é lhes permitido permanecer apreciando a paisagem e devem seguir em frente. No caminho passam por um grupo de quatro pessoas vestidas como a oriental, três mulheres e um homem. O homem e uma das mulheres são completamente negros, seus cabelos totalmente raspados. As outras duas mulheres possuem traços asiáticos, mas uma pele mais escura como os indígenas brasileiros. Todos se encostam à parede e curvam-se em noventa graus diante dos guardas que seguem em frente sem lhes dirigir o menor olhar. É possível notar que eles permanecem curvados mesmo depois do grupo passar.
Vocês passam por outros corredores. Notam outros guardas aqui e ali: todos tão altos quanto os de sua escolta, usando as mesmas roupas, com o mesmo loiro dourado dos cabelos e os olhos azuis e frios como um céu de inverno.
Por fim chegam a uma sala bem decorada. Há uma mesa de escritório com uma cadeira refinada de espaldar alto atrás dela, claramente o lugar onde o dono desta sala deve se sentar. Em um canto há outra mesa, menor e menos vistosa – talvez o lugar de um secretário, embora agora esteja também vazia. E há um espaço com poltronas e uma pequena mesa de centro para reuniões mais informais. Em uma das duas poltronas individuais, a menos vistosa, senta-se um senhor de idade mais avançada, cabelos brancos e vestindo um manto também branco, com o capuz abaixado. Escreve algo em um pergaminho com uma pena molhada em tinta, mas para observá-los por um tempo. A forma como encara é um tanto... perturbadora. Mas ele nada diz.
Outro homem está à janela, observando algo lá fora enquanto mantém os braços atrás das costas. O guarda que falara antes adianta-se e bate os calcanhares enquanto assume posição de sentido, as mãos batendo com firmeza nas cochas. Ergue a mão direita riste em diagonal, a palma aberta como faziam os antigos romanos.
Padika Vysulia
– Hari! Padika Vysulia Padarkaliputra traz os Heróis Lendários à presença do Mahasainapati Andrarya!
Mahasainapati Andrarya
– Hari, padika! Obrigado. Senhores, por favor, sentem-se.
Ao se virar e responder ao subordinado, vocês percebem como o comandante em questão é semelhante fisicamente aos seus guardas: é como se fosse uma versão mais velha e terrível deles, com a mesma altura e porte e os cabelos grisalhos indicando um tom loiro semelhante. Em comparação a estes guerreiros o senhor sentado era tão alto quanto, mas bem mais magro e pálido, claramente alguém que não se exercita ou fica muito tempo exposto ao sol.
Andrarya indica um sofá largo, próprio para comportar três daqueles grandes guerreiros com certa folga. Ele mesmo se senta na poltrona individual mais vistosa de todas – claramente aquela dedicada ao de maior posto em um ambiente.
Mahasainapati Andrarya
– Sou Andrarya Maysaraliputra, mahasainapati... hã, perdão...
Neste momento o velho fala com voz limpa e firme.
Ancião
– “General” seria o termo usado pelos bár... digo, pelo povo dos Heróis.
Mahasainapati Andrarya
– Isto, sou o “general” responsável pela proteção da cidade de Manova, onde estão, capital do grandioso Império de Agarta. É um prazer conhece-los. Sei que possuem perguntas. Antes de começarmos poderiam nos dizer seus nomes e nos contar um pouco sobre vocês?