- Bem, não há muito mais o que saber além do que já contamos para vocês - respondeu Albano coçando os olhos com as costas da mão engorduradas, a faca de caça indo e voltando na direção de Décio, que a evitava com facilidade.
- É, ele já disse mais do que podia. Juro que sim. - confirmou o grandalhão.
- Quando a vi, ela estava aprisionada em uma espécie de ritual no segundo pavimento da prefeitura - lembrou Selene, espiando pela janela. Porém, isso foi ontem. Duvido que esteja lá até agora.
- A Milena estava presa na mina de prata - lembrou Alyssa - E também vimos aquelas celas. Com todos aqueles...
- Melhor não falar mais nisso, pequena - cortou Nick sentindo o quanto a lembrança da terrível visão dos corpos queimados no subsolo afetava a garota - Há de fato uma chance dela ter sido levada até lá depois de terem feito sabe lá o que fazem com essa gente.
- Não, ela não pode estar na mina - explicou Petúnia - Se levassem pessoas assim lá pra baixo com frequência, eu saberia, porque os goblins saberiam também e eles viviam me contando tudo de tudo.
- Então deve haver algum outro lugar - pensou Selene, os cotovelos apoiados na janelinha de madeira.
- Será que vocês não poderiam sondar o lugar por nós? - tentou Nick.
- Isso está totalmente fora de cogitação - cortou Albano, encerrando o assunto - Não temos nada a ver com essa tal Paola, mas temos tudo com Folha Prata.
- Ele está falando a verdade aqui. Não podemos nos queimar em Folha Prata.
- Eh awondi isse thial deh Dejuan mowha? - perguntou Gard.
- Ele não é daqui não, juro. Ele é de Follen - respondeu Décio, que entendia o idioma de Gard.
- Pode ser inclusive que já tenha voltado pra lá - sugeriu Albano com um dar de ombros, enquanto cortava outra tira de toicinho.
Do lado de fora da cabana, enquanto falavam, Kenlee havia experimentado uma das sensações mais estranhas e fantásticas de sua curta e atribulada vida. Após conjurar uma magia para definir que tipo de encantamentos estavam ocultos naquela caixinha de madeira, confirmou a sua suposição inicial de que tudo nela era mágico, desde a madeira até os pregos, passando pelos entalhes e também por aquilo que ela ocultava. Ao ter certeza de que não era capaz de abrir o objeto com magia, tentou em vez disso mergulhar um pouco mais nele para definir o que ele guardava. Foi então que algo de fato começou.
Sentiu como se sua consciência houvesse caído para dentro da caixa, e continuasse avançando cada vez mais para o interior dela em uma espiral aparentemente infinita.
Conforme descia, com uma velocidade cada vez maior, podia assistir vislumbres da busca por invasores nas imediações, da noite mal dormida, ainda que estranhamente reconfortante, os corpos queimados na mina de prata, e também da batalha contra Peritus.
Mais ainda, viu os preparativos de Peritus para emboscar o grupo, e antes disso uma longa e tensa reunião entre o minotauro e um elfo de aspecto selvagem, que trazia uma senhora idosa amarrada pelos pulsos consigo. Não estava sozinho, haviam outros homens e mulheres próximos, e tinha certeza de que eram druidas, ainda que não soubesse exatamente como.
Assistiu uma batalha durante a noite, em que o druida emboscou uma lobisomem, e era fácil compreender de que se tratava na verdade da tal senhora. Por um instante, ínfimo, notou Selene e Alyssa dormindo protegidas em uma casinha oculta na floresta, porém, a sua mente se apegou na mulher, que agora sabia, era Paola.
E então as coisas ficaram
realmente rápidas. As Guerras Táuricas ainda não haviam acontecido e Tollon era um lugar diferente, assim como todo o Reinado. Paola era jovem e forte, e em algum momento matou alguém. Um sujeito inocente e apaixonado, que descobriu a maldição dela tarde demais.
E antes havia uma irmã, que havia fugido de casa para a floresta porque o pai bebia e se tornava de fato ruim. E então o pai dela era jovem, e havia perdido tudo numa mesa de wirth em Ahlen, e agora precisava voltar para casa e contar a família que havia gasto todo o dinheiro que tinham juntado. Agora não tinham mais como pagar ao clérigo para curar o patriarca gravemente ferido em um acidente com uma árvore.
E a árvore também retrocedia, se transformava em uma semente que caiu do bolso de um sujeito qualquer, e quando deu por si, Kenlee estava gritando, com Selene sacudindo seus ombros.
- Kenlee! - implorou ela. Todos já estavam do lado de fora, reunidos no entorno do mago, em estado catatônico. No chão, jazia a pequena caixa de madeira imóvel.
Segue o barco. Kenlee pode 'despertar' já a partir da próxima ação do D'zilla. =)