Você seguia caminhando sem rumo definido. Sim, caminhando, pois ao contrário de seus pares, você tinha pés. Na verdade, tinha um corpo humanoide muito belo. Digno de ser elogiado pelo próprio senhor das areias vermelhas. Mas ele nem sempre fora seu.
Era uma época gloriosa. Mesmo antes do herói surgir, alguns humanos realmente acreditavam que poderiam vencer o lorde do deserto. Tolos! Jamais conseguiriam tal façanha. Mas entre os ousados, surgiu uma jovem de beleza singular que foi capturada e levada viva a presença do próprio governante. Ele a convidou para fazer parte de seu harém, uma honra dada a poucas.
(In)Felizmente (?), ela recusou a oferta teimosamente. Mesmo sob tortura ela não cedeu em nenhum momento. Foi então que você foi incubida de dar um fim a prisioneira. Porém, você fez mais que isso. Visto como seu senhor se deslumbrara com tamanha formosura, não poderia permitir que uma pérola dessas se perdesse.
Seu plano foi simplesmente genial, modéstia a parte. Decapitar e devorar o crânio daquela mulher que foi tola o suficiente para recusar a melhor proposta de sua vida ínfima era a punição mais adequada, mas longe de ser suficiente. Não. Através de um ritual profano, e com ajuda dos asseclas sob seu comando, você fundiu seu corpo ao da vítima. Um processo demorado e doloroso, e que lhe custaria sua capacidade de flutuação, mas se deixaria o seu mestre feliz, nenhum sacrifício era alto demais.
Fora um sucesso. As conexões nervosas se estabilizaram de tal forma que aquele corpo parecia sempre ter lhe pertencido. A magia havia tornado ambos os corpos proporcionais em uma união perfeita. Mesmo suas feições estavam diferentes. A simbiose chegou a tal ponto que até mesmo começou a lhe crescer cabelo. Você não era uma entidade possuindo um corpo cadavérico. Aquele corpo era você e você era aquele corpo. Tinha se tornado uma só entidade.
Entretanto, você não foi capaz de presentear o Lorde das areias. Não. No momento em que se preparava para se apresentar diante da presença de seu governante, o seu lar foi invadido pelo herói e seus companheiros. Claro que você os enfrentou, mas ainda não tinha se acostumado a seu novo estado. Estava lenta e cheia de aberturas. Fora derrotada. Seus pseudópodes, todos cortados. Porém, o fim não veio. A última coisa de que se lembra, antes de perder a consciência, foram aquelas palavras.
”Até mesmo o rosto é parecido.”
Quando acordou, estava no meio do deserto, coberta pelas areias que o vento carregava, oculta do sol quente e implacável que castigava a região. A tumba! Jihad-sama! Mas ao redor só havia areia. Claro que cavaria as areias! Claro que gritaria por seus companheiros! Claro que clamaria por seu senhor! Claro que persistiria até a esperança se transformar em medo, depois em desespero, certeza e aceitação.
Quantos dias se passaram até esse processo chegar ao fim? Será que isso importava a final? Nada mudaria os resultados. Nada traria seus companheiros de volta. Nada voltaria a ser como antes. Em sua fúria você vagou a esmo, destruindo a tudo e a todos que ousassem cruzar seu caminho.
E conforme o tempo passou, seus pseudópodes começaram a se regenerar. O primeiro levou uma dúzia de anos e, aparentemente, aquela seria a proporção padrão de sua recuperação. Ainda mais visto que todos os seus poderes estavam reduzidos.