Província de Nigata - Verão de 1103
Fou
Você está na Câmara dos Elementos do Castelo Matsudara.
É o início da manhã e o sol desponta lentamente sobre as colinas verdejantes que cercam de Vale de Nigata, transformando as águas calmas da Baía de Seto em um mosaico de espelhos rubro, laranja e violeta. Porém, dentro da pequena sala de estudos, a fumaça do incenso permeia o ar como a neblina do Mar de Prata, envolvendo seus sentidos até o ponto em que suas convicções se confundem com suas dúvidas mais profundas.
Concentrado, você ignora o som das ondas do mar se chocando contra as pedras escuras da enseada, muito abaixo do castelo, ou raspar suave do giz sobre o piso de madeira, enquanto repete incansavelmente o mantra do jutsu que queima em sua mente. Aos poucos sua vontade começa a dar forma a energia, mas, no fim, a dúvida o abala e a essência elemental que tanto se esforçou para cumular se dissipa como a chama de uma vela soprada pelo vento.
O ar entra em seus pulmões como um grito quando você cai de joelhos sobre o círculo místico, extenuado. Mais uma falha. “Por quê?” As formas e gestos arcanos pareciam tão simples de serem executados quando você os viu pela primeira vez nos pergaminhos de Nishio, mas agora suas tentativas se esvaem como fumaça ao vento... “O sonho”. A lembrança do sonho corroí sua mente como as águas de um rio de fogo, o mesmo sonho que o assombra desde que era um garoto: a lembrança e o legado de uma disputa tão antiga quanto eterna, mas cujo significado se tornou ainda mais insondável desde a partida de Nishio.
A partida de seu mestre ainda o afeta, apesar de terem se passado meses desde que ele abandonou a vila subitamente para iniciar uma jornada misteriosa, deixando-o preso a um dever que mais parece uma prisão. Por um tempo você não se preocupou com seu mestre, pois apesar da idade avançada o espírito de Nishio ainda era forte, mas a poucas semanas o sonho começou a perturbar sua mente, despertando-o quase todos os dias como um pesadelo cujo sentido se perde na luz da consciência.
Seus pensamentos são interrompidos pelo movimento de uma sombra na penumbra, no outro lado do véu de raios de sol que entra pelas janelas altas da câmara, deixando seus sentido em alerta, mas basta um instante para você sentir o perfume de sua mestra, a única pessoa que poderia ter se aproximado tanto de você sem que percebesse.
- Sabia que o encontraria aqui - a voz da mahotsukai soa espectral em meio a névoa perfumada.
Marin, a conselheira arcana de Lorde Matsudara surge das sombras da sala, bela e misteriosa como uma personificação de Yumeno Hime. Seus cabelos escuros, como o manto de penas de corvo que usa, emolduram um rosto belo e insondável, cuja idade é medida apenas pelo seu passado misterioso. Marin, que assumiu o lugar de Nishio como sua mentora.
- Foi o sonho, outra vez? - ela diz, a voz suave. - Sabe que não pode esconder sua angustia de mim, Fou, mas não posso ajudá-lo se não me contar o que o aflige.
Você já havia contado para a feiticeira sobre o sonho, mas nunca contou nenhum detalhe, apesar da confiança que Nishio tinha por ela. Ela, por outro lado, nunca o pressionou, ajudando-o sempre que você acordava no meio da noite. “Perdeu o sono? Se é assim, podemos começar os exercícios agora”, ela sempre dizia, colocando-o para meditar até seus olhos se perderem na escuridão. A feiticeira se aproxima e se abaixa ao seu lado, observando os símbolos inscritos no piso e o pergaminho diante de você, a herança de seu mestre.
- O legado de Nishio? - ela diz, sorrindo de modo cansado. - Sabe que ainda não está pronto para seus segredos, Fou. Sei o quanto ele significava para você, mas não adianta se esforçar dessa forma. Tudo que vai conseguir assim é se machucar e se frustrar. - Ela toca em seu ombro, com gentileza. - Eu... tenho pensado muito sobre isso, sobre como ajudá-lo a alcançar seu verdadeiro potencial, e concluí que não posso mais ensiná-lo. O seu caminho parece ser o mesmo de Nishio, então a melhor forma, talvez a única forma de despertar seus dons é desafiando os perigos do mundo, por isso sugeri seu nome para Lorde Matsudara, para formar o sentai...
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Wei Zhang
O som do sino do templo de Lin Wu ressoa pela Baía de Nigata, anunciando a chegada de um novo dia.
Você está na câmara principal do templo, supervisionando as orações e as oferendas trazidas pelos camponeses, enquanto observa os primeiros raios de sol entrarem pelo portal do templo e banhar a estátua de Lin Wu com uma luz rubra como uma chama. Por um instante, parece que a estátua de madeira entalhada vai ganhar vida diante de seus olhos, oscilando como se despertasse de um longo sono, rugindo, mas logo as sombras se dispersam e tudo que resta é o eco do sino sobre as preces dos fiéis. Ao redor da estátua, os camponeses se prostram para louvar o Deus Dragão, acendendo velas, incensos e depositando suas oferendas nos jarros e bandejas, pedindo por proteção e iluminação.
O som do sino ecoa pelo templo como um mantra celestial, um sino simples, você lembra, muito aquém do que merece o Senhor dos Céus, e por um momento você volta no tempo, imaginando-se na pequeno espaço no alto do pavilhão, tocando as notas como fez centenas de vezes desde que chegou a vila. Mas agora você sabe que são os acólitos que cumprem a tarefa, bem como outras tarefas mundanas que se tornaram uma rotina para você, pois o seu trabalho se tornou outro: proteger o guiar os espírito dos homens.
Assim que os aldeões terminam suas orações, eles passam diante de você e pedem sua benção, antes de partirem para os campos e aldeias próximas, a fim de cumprirem suas tarefas - e muitos deles são gaijin. Muitos sulistas acompanharam Lorde Matsudara quando ele retornou para Tamu-ra, impulsionados tanto pela cobiça quanto pelo desejo de uma vida melhor, e no início parecia que nenhum deles se adaptaria ao novo mundo. Houve muitas dificuldades, mas aos poucos a vila foi crescendo, e a cada dia a diferença entre os povos diminui, até que finalmente desapareceu.
Muito da cultura dos reinos do sul ainda está presente na vida dos habitantes de Nigata, como o estilo das armas, as formas de algumas casas, o gosto por pratos e bebidas exóticas, mas agora parece que finalmente o estilo de vida tamuraniano foi renovado, bem como a fé no Deus Dragão. Os gaijin ainda veneram seus deuses em suas casas ou em pequenos altares, espalhados pela vila, não é segredo, mas a cada dia o respeito e adoração à Lin Wu ganha mais espaço em seus corações.
Mas, apesar disso, o seu próprio coração não está tranquilo.
Faz poucos meses que você completou seu treinamento e ascendeu como sacerdote do Deus Dragão, e no entanto tudo que fez até agora foi “aconselhar os necessitados e conduzir cerimônias”, enquanto sua mãe cumpre a tarefa de defender o povo e purificar a mácula de Oni-Ame. Sim, a habilidade e o poder de sua mãe são impressionantes, você sabe disso, mas ainda assim você sente que “você” está fazendo muito pouco para ajudar. Demora um momento até você perceber que o sino parou de tocar e os fiéis já deixaram o templo, deixando-o sozinho com seus pensamentos...
- Wei?
A voz acende uma chama em seu peito, acelerando seu coração. Você se vira e vê sua mãe parada na entrada do templo, emoldurada pela luz do sol nascente. Por um longo momento apenas o vento quebra o silêncio da distância que surgiu entre vocês.
“Você não aceita que sua mãe seguiu em frente”, Rei lhe disse uma vez, quando você deixou escapar sua frustração - a jovem sacerdotisa era a única pessoa que lhe dizia tudo que sentia - e talvez ela tivesse razão, mas as coisas não eram tão simples. Talvez o fato de sua mãe não ter mantido o luto por muitos anos e ter se apaixonando por um gaijin, um dos antigos companheiros de aventura do velho Lorde Matsudara, tenha realmente deixado uma marca profunda em seu coração, mas a dor maior pode ter vindo do fato dela tê-lo deixado para trás enquanto se arriscava no ermo selvagem da terra renascida.
- Podemos conversar, meu filho? - diz Midori, quebrando o silêncio. - Eu... queria ter vindo antes, para podermos conversar, mas... na verdade eu não sabia como. De uma hora para outra nos tornamos estranhos um para o outro, e eu não sabia o que fazer, então tentei dar tempo ao tempo, esperando que a distância que nos afastou se curasse como um ferida qualquer, mas a cada dia eu sentia que a dor apenas aumentava, até que chegou ao ponto que não consegui mais suportar.
- Me perdoe meu filho, me perdoe por ser tão egoísta, pois meu medo me deixou cega, medo de perdê-lo como perdi seu pai. Fui tola em achar que poderia trilhar o seu caminho por você, e isso quase me custou tudo, por isso o indiquei para o sentai.
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Shirato Sakuya
A garota se esquiva de seus golpes com um salto rápido para trás, depois de mais uma tentativa frustrada de ultrapassar sua guarda com uma sequência de ataques fortes. Bastaria um passo para você interceptar o movimento dela e atacá-la em pelo menos três pontos diferentes, mas você permite que ela se afaste para recuperar o fôlego... por um segundo.
Quando percebe seu movimento de investida, ela tenta assumir uma postura defensiva (ou melhor, uma ousada postura defensiva-ofensiva), mas tudo que consegue é aparar seus golpes com desespero. As espadas de madeira se chocam com uma velocidade impressionante, se transformando em um borrão, até que finalmente você atinge seu rosto com um toque, o suficiente apenas para quebrar sua concentração, para então desarmá-la com um golpe descendente violento e finalmente terminar a luta com sua espada voltada para o seu pescoço.
Os guardas se agitam ao redor da arena de treino quando Matsudara Sasame sente o sangue escorrer pelo rosto.
- Droga - ela diz, furiosa, quando sente o sangue escorrer pelos lábios, usando o idioma do sul, como se isso bastasse para evitar a quebra de etiqueta.
Duas servas correm para a ajudar a jovem senhora a limpar o sangue do nariz, mas ela as espanta como se fossem abelhas intrometidas.
- Eu estou bem - ela diz, pegando o pano molhado das mãos de uma serva para limpar o próprio rosto. - Eu estou bem. Foi apenas um acidente. Isso acontece quando se está lutando, e prefiro mil vezes que seja aqui, na arena de treino, do que numa luta real. Maldição, quase consegui atingi-la desta vez, não foi Sayaka-san?
Não, não conseguiria. A evolução da garota é surpreendente para alguém que iniciou seu treinamento a pouco mais de um ano, mas ainda faltam anos de estudo até ela se tornar páreo para você, e essa certeza a aterroriza.
Enquanto as servas tentam ajudar Sasame a limpar o rosto, você se afasta, sentindo as pétalas de cerejeira tocarem seu rosto, sopradas pela brisa salgada do mar, e sua mente mergulha em uma memória que parecia esquecida, uma lembrança da época em que treinava com seu pai.
Você tinha pouco menos de quatorze anos, a idade de Sasame, agora, quando o mesmo golpe a atingiu, ferindo não apenas seu nariz mas também sua boca. Sua mãe assistia a luta, e como as servas ela tentou intervir, mas Shirato Yoshio a impediu sem nem mesmo precisar olhar para ela, enquanto esperava você pegar novamente a espada, para então voltar a atacá-la. A diferença é que Yoshio era um mestre da espada, enquanto o golpe em Sasame foi claramente um ato de imperícia.
- Sayaka-san? Sayaka-san, está tudo bem? - o chamado de Sasame desfaz a memória como uma nuvem de fumaça levada pelo vento, mas o sorriso inocente da garota queima seu coração, pois em seu íntimo você sabe que poderia ter evitado o golpe se seu espírito estivesse em paz. - Não se preocupe, eu estou bem. Ainda vamos continuar treinando?
Mas antes que você responda, um emissário se aproxima, fazendo uma reverência.
- Sinto interromper seu treino, senhora, mas Lorde Matsudara mandou convocar Shirato-sama.
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Yamaguchi Kazuto
O vento da manhã balança suavemente os quatro alvos de madeira pendurados nos galhos das árvores, transformando-os em meros borrões de sombra contra a penumbra da floresta. Parado no centro dos alvos, equilibrado em toras de madeira largas o suficiente apenas para você pôr a ponta de seus pés, você se concentra no ranger das cordas e no movimento harmonioso das toras.
Você respira profundamente, tentando relaxar o corpo tenso, como a corda do arco em suas mãos, e então... dispara.
Em menos de um instante, você dispara as quatro flechas de sua aljava, girando o corpo sobre a escurão em busca dos alvos, sentindo a escuridão sobre seus pés.
Tum, Tum, Tum,…
O último alvo balança suavemente à sua frente, uma sombra diante da luz do amanhecer, o arremedo de um enforcado que gargalha com a voz da própria morte.
“Se fosse um inimigo, estaria morto...”
Você fica alguns minutos sobre as toras de madeira, equilibrando-se como faz desde que era um menino, observando a cor voltar lentamente ao mundo, até que percebe um movimento vindo da floresta. Por instinto, você leva a mão à aljava, lembrando tarde demais que disparou todas as flechas contra seus inimigos invisíveis.
- Imaginei que estaria aqui - diz uma voz vinda da floresta, uma voz que você não sabe mais a quem pertence.
Yamaguchi Oshu surge detrás de uma árvore, silencioso como apenas um discípulo de Kojiro poderia ser - mais um segredo que seu mestre não havia lhe contado... Na verdade, não é surpresa que seu tio lhe encontre na floresta, você pensa, pois desde que você chegou em Nigara, treino e trabalho duro parecem ser as únicas coisas que afastam sua mente dos segredos de seu passado.
Faz pouco mais de um mês que você chegou a Nigata a procura de Oshu, irmão mais velho de seu pai, para tentar descobrir um pouco mais sobre o passado de sua família, mas o que você encontrou foram apenas mais perguntas. Os Yamaguchi eram uma família yakuza, Kojiro lhe disse, quando vocês chegaram em Shinkyo, devotada à proteção do povo contra as injustiças da sociedade, mas essa visão não era compartilhada por todos os membros do clã. Os Yamagushi estavam a beira de uma guerra interna quando a Oni-Ame caiu sobre o império, transformando a disputa em menos que uma lembrança.
Infelizmente, ninguém no clã parecia saber o que realmente tinha acontecido com a sua família, exceto Kojiro, que simplesmente se negou a responder suas perguntas.
“Você é um Gintsuki, agora”, disse seu mestre, quando você o viu pela última vez. “As escolhas de seus pais não significam nada, tudo que importa agora são as suas próprias escolhas.”
No entanto, as palavras de Kojiro não conseguiram apagar a dúvida que surgiu em seu coração, então sua mente se voltou para a única pessoa poderia lhe dizer o que aconteceu, Oshu, irmão de seu pai, o último remanescente de seu ramo dos Yamaguchi. Assim, você partiu para Nigata, um feudo emergente a leste de Shinkyo, onde seu tio havia se estabelecido, entendendo as palavras de Kojiro como mais um desafio.
Oshu, você descobriu antes de partir, havia abandonado o clã antes de você nascer devido a uma disputa com seu pai. Aparentemente os dois irmãos sempre foram muitos próximos, tão amigos que se dizia que compartilhavam o mesmo espírito, e sua dedicação à família era tamanha que ambos estavam cotados para assumir como o próximo oyabun dos Yamaguchi. No entanto, uma divergência surgiu entre eles, pouco antes de você nascer, tornando-os inimigos. Um deles queria manter os princípios que a família defendia desde a sua origem, enquanto o outro estava decidido a seguir o outro caminho.
Kojiro não lhe disse qual deles pretendia seguir qual caminho, e seu tio, quando você o encontrou, foi ainda mais evasivo.
“Isso não importa mais”, Oshu lhe disse uma noite, quando você o questionou sobre o assunto. “Deixei aquela vida para trás. Agora tenho outro propósito.” Um propósito que logo se tornou claro quando você descobriu que ele havia sido discípulo de Kojiro.
“Nunca imaginou por que Kojiro estava próximo da mansão dos Yamagichi, naquela noite?”, ele lhe disse, aumentando o mistério. “Não foi coincidência Kojiro estar perto da mansão, embora apenas os deuses podem dizer porque ele o resgatou... Mas isso não importa. Serie grato à ele para sempre por tê-lo resgatado...” E essa foi a única vez que você viu o brilho da tristeza nos olhos de Oshu.
Oshu não estava em Yamadori no dia que a Tempestade caiu, mas ainda assim conseguiu escapar da tempestade pelo mar, indo parar no outro lado do Kaiju’Umi. Ali, junto a milhares de refugiados que haviam escapado da ilha, ele tentou recomeçar, mas os perigos da região logo se mostraram difícieis demais para os abalados refugiados superarem e eles se dividiram. Muitos, os mais fortes (o teimosos) permaneceram no lugar, decididos a não se afastar de sua terra natal, enquanto outros juntaram tudo que tinham e partiram para o sul. Oshu estava entre os últimos, mas quando finalmente chegou a costa de Samburdia, ele decidiu que não queria se afastar do mar, passando a viver como um marinheiro.
Quando a ilha foi libertada, Oshu foi um dos primeiros a pisar na Terra Renascida, deixando a vida no mar para trás.
Você não sabe como ele acabou em Nigata como um bushi, mas assim que você chegou ele também o colocou nessa posição, uma decisão que se mostrou adequada para ocultar suas habilidades.
Oshu é um dos principais rastreadores de Nigata, posto que lhe permite explorar a região sem que ninguém lhe faça muitas perguntas, e, como seu sobrinho, você o ajuda nessa tarefa, o que permite que você exercite suas habilidades.
-Chegou o momento, Kazuto. Lorde Matsudara finalmente decidiu montar o sentai, e o seu nome foi escolhido.
Sentai
- Fou (Hanyô Wu-Jen 1): CA:13; PV: 10; PM: 13; XP: 0.
- Wei Zhang (Ryuujin Shugenja 1): CA:9/10; PV: 18; PM: 6; XP: 0.
- Shirato Sakuya (Humana Samurai 1): CA:16; PV: 20; PM: 7; XP: 0.
- Yamaguchi Kazuto (Humano Ninja 1): CA:17; PV: 14; PM: 5; XP: 0.