Caelynn, Borys e Dream
— Muito bem, peço a atenção e o silêncio de todos! Precisaremos de concentração agora! Meu bom príncipe feérico, pode dizer a todos aqui qual o seu nome?
— Mas com muito prazer, estimado artista! Me chamo Dream. Dream, de Pondsmania! — A dizer isso, Dream sorriu para o artista e o público, achando animadora a ideia de participar de uma apresentação artística humana.
— Pois bem! Preste atenção aqui! Quando eu contar até três, preste atenção, quando eu contar o três, você esquecerá o seu nome. Isso mesmo meu público, quando eu contar o três, nosso amigo Dream aqui não saberá seu nome, nem o que significa a palavra Dream. Na verdade, a palavra Dream nem fará sentido para ele. Preste atenção então, meu bom príncipe, Quando eu contar até três, você não saberá o próprio nome. Um... Dois... Três! — O último número foi acompanhado de um estalar de dedos.
Dream não sentiu absolutamente nada de diferente. Quando Otker estalou os dedos, ele ainda era o príncipe das fadas, filho da rainha Tantalla, atuando como diplomata dos reino das fadas, atualmente na pequena cidade de Campodouro, participando de um festival por conta da construção de um forte. O dia era chuvoso e barrento, mas havia arte e ele estava participando de uma apresentação.
— Está tudo bem, meu amigo? — Otker perguntou.
— Tudo esplêndido! — Respondeu o príncipe.
— Certo, maravilhoso! Pois então nos diga, de onde você vem?
— Tenho o orgulho de dizer-lhe que venho de Pondsmania, a terra abençoada por Wynna, Nimb e Alihanna. O lar das fadas de Arton.
— Muito bem. E pode nos relembrar... qual o seu nome?
— Mas é claro! Eu tenho a graça de chamar-me...
Com efeito, o príncipe das fadas não conseguia lembrar seu próprio nome. Não era como se tivesse de fato esquecido. O nome estava
ali. Só não conseguia acessá-lo. Quando forçou a cabeça, sabia que seu nome era uma palavra; e não era uma palavra grande. Tinha letras, quase podia escrevê-lo. Ah, sabia! Seu nome era... não. Não conseguia dizer seu nome.
— ... perdão... Eu... eu não consigo dizer meu nome...
Depois de enfim responder, o príncipe deu-se conta que o momento em que ficou procurando seu próprio nome levou mais do que imaginara. Boa parte da plateia ficou maravilhada com o efeito, rindo e aplaudindo, mas o príncipe não ficou constrangido. Olhou para Otker, procurando por ajuda.
— Não se preocupe, respondeu o artista. Quando eu contar novamente até três, você recuperará seu nome, então não há porque se preocupar. Eu vou contar até três e no três seu nome voltará à você e fará todo o sentido que sempre fez! Não se preocupe, um, seu nome vai voltar, dois, agora... três!
Um novo estalo com os dedos e Dream sabia novamente o próprio nome. Também tinha total consciência do que acabou de acontecer. Pode ver a si mesmo sendo hipnotizado e lembrar claramente dos instantes em que ficou procurando o próprio nome. Achou muita graça de tudo aquilo.
— Ha, ha, ha! Magnífico! Magnífico! — Respondeu, aplaudindo. — Meus parabéns! És realmente fabuloso, meu bom Otker!
— O que é isso — respondeu o artista, baixinho, apenas para Dream. — Sou apenas um saltimbanco andante. Não tenho qualquer mérito além dos pequenos truques que faço. — Dream conseguiu captar um tom melancólico em sua voz. Ou seria outra coisa? Não era tão afeito aos sentimentos dos humanos. Antes que o pequeno pudesse dizer qualquer coisa, Otker voltou, animado ao público.
— Meus amigos! Meus amados amigos! A dor do parto é grande, mas tenho que partir! Nhó, nhó, nhó!
O público caiu na risada, completamente envolto pelo artista. Então, quando se deram conta de que a frase significava o fim da apresentação, começaram um triste "ah", em conjunto.
— Não façam isso, meus amados. Parto, mas com o coração preenchido pelo amor e pelo calor de suas risadas, além da sensação de dever cumprido! E tenho também o prazer de anunciar, com muito gosto, que ficarão melhor sem mim! Porque ninguém menos do que a mais bela e habilidosa dançarina de toda Arton está aqui entre nós! Meus estimados! Eu, o Fabuloso Otker me despeço até a próxima oportunidade. Fiquem agora com a fabulosa, esplendorosa, magnânima, bela, feroz, sensual e talentosíssima...
Um instante de silêncio, antes da declaração final, aumentou a expectativa. A voz saiu baixa e alta ao mesmo tempo, como se fosse possível sussurrar a todos que estavam ali.
— ... Dilliana, a Encantadora!
O público ovacionou com estrondo de palmas, assobios e gritos, enquanto Otker saía do palco para trás das cortinas, levando Dream consigo.
***
Neste meio tempo, durante a hipnose de Dream, Caelynn e Borys procuravam avidamente por algum miliciano. Com efeito, não encontraram qualquer agente da lei naquela tenda. Na verdade, agora que pensavam nisso, mais ou menos ao mesmo tempo os dois chegaram à conclusão de que não haviam reparado em
nenhum miliciano, desde que chegaram à Campodouro.
Quando se deram conta dessa peculiaridade, uma nova música preencheu o ambiente. Os goblins, que a instantes vestiam-se como bufões, usavam agora roupas discretas, com cor de areia. Seus instrumentos também haviam mudado. Borys os reconheceria em qualquer lugar: uma cítara, um derbaque e uma flauta exótica. Instrumentos típicos de artistas vindos do norte, do Deserto da Perdição. A melodia que tocavam era lenta, mas ritmada. Despertava sentimentos profundos. Com efeito, o cheiro leve de incenso tomou o lugar. Mas, diferente do que Borys podia imaginar, aquele não era um aroma típico do Perdição.
Quem primeiro identificou a fragrância foi Caelynn, que, não fosse por anos assumindo uma postura impassível, teria fraquejado ante as memórias que aquele cheiro despertavam.
Antoyelle, o incenso mais comum produzido pelos elfos de Lenórienn. Usado para arejar os ambientes ou para aromatizar suas velas, aquele era o primeiro elemento não-natural que recebia quem adentrasse a cidade élfica. Por mais que não fraquejasse, era impossível a ela não olhar ao palco e ver o que acontecia.
Com efeito, a música mudava naquele momento para algo mais agitado. O público começou a acompanhar com palmas. De trás das cortinas, um braço feminino surgiu, sinuoso, acompanhando a melodia. As palmas se intensificaram. O braço não parou, e uma perna desnuda também surgiu. Os homens da audiência gritavam, à medida que aquele corpo feminino se descobria por trás das cortinas, revelando a meio-elfa mais bela que qualquer um naquela grande tenda jamais havia visto. As roupas da mulher eram leves e cheias de véus, que acompanhavam com graça seus movimentos. Caelynn tomou um novo susto quando a dançarina passou a acompanhar a música. Diferente do esperado sotaque do deserto, a moça cantava em um élfico perfeito. Nenhuma falha na pronúncia de cada palavra daquele idioma intrincado. Nenhum sinal de sotaque.
—
ɲʎ"ʍɲ' ɛɑːʎʎ'ɛ ʎɑːʎ"ʍɲɔŋʎ . ɲʎ''.'.ʍɲŋɔʎ
***
Quando foi para trás das cortinas, Dream pode ver o corre-corre de goblins e entendeu: não eram três, que trocavam de roupa rapidamente, mas sim seis, que iam e voltavam, à medida que Otker chamava a atenção do público para si. Nem eram muito parecidos entre si, mas ninguém parecia dar muita atenção aos goblins, de toda forma. Antes de descer ao nível do chão com Otker, ele ainda pode ver, do outro lado do palco, posicionando-se atrás das cortinas, uma meio-elfa quase tão linda quanto uma ninfa. Ela usava trajes incomuns aos humanos daquela região, e lhe atirou um beijinho, antes de começar a dançar e entrar no palco.
— São realmente artistas esplendorosos os que apresentam-se aqui, devo dizer, meu bom Otker — Dirigiu-se Dream a seu interlocutor.
— De fato. Dillianna é a verdadeira talentosa em nossa família. Tudo o que eu faço é para deixar o público no clima correto para recebê-la.
— Subestimas-te demais, Fabuloso Otker. És um artista com grandioso talento.
— É... Posso ser... — responde o meio-elfo, com um sorriso triste.
Então, volta-se para Dream, pondo-se sobre um joelho, ficando com o rosto à altura dos olhos do pequeno ser feérico. Ele põe a mão em um bolsinho que até então nem parecia estar ali, e tira algo minúsculo, mostrando enfim, uma das contas que estavam pregadas na roupa intrincada de Dream.
— Meu senhor. Pude ver que é um verdadeiro apreciador da arte. Eu não posso fazer isso com você. Lhe roubei enquanto você estava no palco comigo. Você certamente não percebeu ou não estaria com tanta paz de espírito quanto parece agora. Quero lhe devolver o fruto deste roubo e me desculpar. Eu, minha irmã e os goblins somos artistas errantes e nunca sabemos o dia de manhã, por isso pratico estes pequenos furtos. Mas o modo como reagiu, sem titubear, me tocou. Houve qualquer coisa de inocência quando fiz a hipnose em você, que nunca havia experimentado antes. Entendo e aceito se quiser me fazer responder pelo crime que cometi. Apenas não faça nada com Dillianna e os goblins. Eles não têm nada a ver com isso.
E ficou ali, de cabeça baixa, com as mãos lado a lado, oferecendo a conta roubada à Dream.