A velha ouviu com atenção as palavras de Anahera. Respirou fundo, uma expressão triste e distante em seu rosto encarquilhado.
A Fúria Negra é uma doença antiga, quase esquecida e mágica. Apenas um clérigo poderoso é capaz de lidar com ela somente operando milagres. Você diz que a magia de Kurur Lianth é capaz de trazer uma pessoa que está às portas da morte, mas o milagre capaz de lidar com ela tem que ser ainda maior. Em minha infância, há incontáveis décadas, quando vi esta doença, muitos de minha vila enlouqueceram e morreram antes que algo pudesse ter sido feito. Apenas quando uma velha anciã, uma clériga de Lena, intercedeu por nós, é que fomos salvos.
Anahera escutava com atenção, tentando assimilar tudo o que a velha dizia. O chá fervia, borbulhava e fedia cada vez mais forte.
— Você é curandeira como eu, mas ainda é jovem e tem muito o que aprender. Essa não é uma doença que surge do desequilíbrio do corpo ou da alma, como quase todas as outras, minha filha. Essa é uma doença que precisa ser conjurada. Uma doença com intenção. Ela foi trazida por magia negra forte... e, para ser sincera, tenho medo de pensar no tamanho do poder do maldito que conjura algo assim.
A frase foi pontuada com uma cuspida sobre a menção de quem quer que tenha conjurado a doença. Anahera perguntou sobre o destino dos feridos e a velha olhou para o corte amarelado na testa da curandeira com uma expressão de dó, antes de responder.
— Sim, os feridos vão morrer, se nada for feito. Mas antes disso suas peles ficarão amarelas, seus músculos vão inchar, veneno infectado sairá de seus orifícios e eles irão enlouquecer. Eles ficarão iguais aqueles bárbaros. Depois de alguns dias naquele estado maldito, seus corações não vão aguentar e cairão mortos. Aqui, me ajude a tirar o caldeirão do fogo.
Anahera ajudou a velha em silêncio, digerindo a última revelação. A velha prosseguiu, enquanto servia um pouco do chá fedorento.
— Beba. Isso vai retardar o efeito da doença por um tempo, apesar de ainda manter o tom amarelado e este leve cheiro ocre que você está exalando.
De fato, só então Anahera se deu conta de tinha um pouco do cheiro que os bárbaros tinham, ainda que em escala muito mais suportável. A velha se aproximou, tocando o ombro da sacerdotisa.
— Se mantenha firme, garota. Há uma lenda antiga sobre essa doença. Se ela estiver certa, milagres divinos não são a única forma de tratá-la. Pode existir uma poção, mas falo mais disso quando estivermos com os demais. Agora venha, vamos levar o chá até os feridos.
* * *
Borys estava em uma situação em que não via nada que podia fazer e detestava aquilo. Mas a sensação durou apenas alguns instantes, pois logo se lembrou de uma importante lição que aprendeu quando morou em Vectora:
Fique com a cabeça no lugar que tudo se resolve. E assim, ele pensou melhor sobre o que poderia fazer para melhorar a situação do local. Não era curandeiro, nem um líder guerreiro, mas sabia entreter as pessoas. E, por Marah, já presenciou muitas situações de desespero em que simplesmente rir e desligar a cabeça de uma situação de estresse foi o necessário para encontrar uma solução.
Arranjou um traje engraçado e começou a falar com uma garotinha que estava ao lado. Ela lhe respondeu algo desanimado e ele emendou uma piada tão boa que a pequena não resisitiu e caiu na gargalhada. Logo, ele começou a mexer com os goblins também e, de infelizes desesperançosos, passaram para ajudantes alegres em alguns minutos, ajudando a contagiar as demais crianças com suas próprias palhaçadas.
Nightmare viu o efeito que a animação de Borys proporcionava nos filhotes humanos e decidiu ajudar. Em instantes conjurou uma pequena tropa de servos feéricos, de todas as formas e cores. Eles voavam, caminhavam de um jeito engraçado, emitiam gritinhos agudos; se desfaziam e reconstruíam em pura energia mágica. Eram parte da corte pessoal da princesa dos pesadelos. E ali estavam, desfazendo a desesperança.
Aos poucos a alegria das crianças contagiou os adultos e, por fim, os enfermos que estavam despertos. De alguma forma, aqueles "curandeiros da alegria" fizeram com que o mundo ficasse um pouco mais leve, quente e aconchegante. Quando a velha Sovnya e Anahera chegaram, com um enorme caldeirão com um chá fedido, mas que tinha o poder de ajudar contra a doença, a felicidade se elevou. As várias fadinhas de Nightmare ajudavam as curandeiras a distribuir o conteúdo precioso a todos os infectados enquanto Borys e Dillianna se entreolhavam, sorrindo.
* * *
O pequeno Enzo dormia no colo da mãe quando Goretzka beijou Simone no rosto. Gotze não conseguiu formular nenhuma resposta, ante a confiança que seu pai havia lhe depositado, apenas afirmando com a cabeça, de lábios comprimidos. Marta também repousava.
O conde se aproximou do círculo com as lideranças do vilarejo em seguida a Caelynn, que acabava de perguntar sobre os bárbaros. O conde fez suas perguntas também. Aldir olhou mais uma vez para a própria filha, que repousava há alguns metros, antes de falar.
— Um instante, meu conde. Vamos abrir uma discussão com todos, na sala ao lado.
Então se dirigiu até lá, seguido pelos demais. Alguns aldeões já estavam reunidos no local e muitos outros chegaram. Quando a velha curandeira terminou de administrar a beberragem aos enfermos, se uniu aos demais, trazendo Anahera consigo. Borys, vendo a movimentação, também seguiu para lá, deixando Dillianna e os goblins cuidando de Otker. Nightmare sentou-se nos ombros do bardo para também se juntar à assembléia.
Em pouco tempo, a reunião foi aberta. Senhor Aldir pigarreou e então começou a falar.
— Meus conterrâneos. Vamos dar início a esta reunião para discutirmos como proteger Campodouro de mais ataques. Vocês devem estar cheios de dúvidas, e vamos falar tudo o que conseguimos descobrir. Perdemos quinze pessoas entre viajantes e habitantes do vilarejo e vinte e oito pessoas foram feridas e estão sendo tratadas no salão ao lado. Os bárbaros que nos atacaram são de uma das várias tribos que vêm das colinas e da Floresta dos Basiliscos. Eles sempre atacam nas estradas e trilhas, nunca chegam tão perto do vilarejo. Mas dessa vez foi diferente.
— Tenho certeza de que eles só vieram até aqui por estarem tomados pela loucura da doença.
Em seguida, a velha explicou o que havia dito à Anahera mais cedo, sobre a natureza mágica da Fúria Negra e seus sintomas. Anahera pôde notar um burburinho e muitos olhares direcionados ao seu corte amarelado na testa enquanto a velha detalhava os estágios e o avanço da doença.
— O estrago que eles causaram foi terrível. Dos meus soldados que estavam aqui, só me sobraram dois vivos. Há poucos homens e mulheres no forte, mas eles estarão à disposição para a defesa. Há mais reforços vindo da capital, mas eles devem chegar em alguns dias ainda. Dito isso, qualquer aldeão não-infectado é bem-vindo para passar a noite dentro dos muros do forte.
Goretzka tristemente constatava que também havia perdido quase todos os seus soldados. Apenas Alan, o capitão de sua guarda, havia restado.
— Além disso — prosseguiu o cavaleiro — precisamos decidir o que faremos com os infectados — Neste instante, a voz de Loric assumiu um tom sério e grave — Se a doença é tão poderosa quanto a velha diz, minha sugestão é que cortemos o mal pela raiz e executemos todos os infectados, queimando os corpos em seguida.
Um instante de silêncio. Alguns aldeões estavam nitidamente chocados com a declaração. Outros, balançavam a cabeça positivamente.
— Não é bem assim, cavaleiro — declarou Sovnya. — Eu não terminei de falar. Há uma chance de cura em nosso alcance. Existe uma poção que pode ser fabricada.
— Existe? — era mestre Brakto, o ferreiro. — E de onde você tem tanta informação sobre essa poção?
Os olhos de todos se voltaram para a pequena figura da velha.
— Eu aprendi. Há muitos anos que curo. Eu ouvi histórias e conheço as lendas. Tenho quase todos os ingredientes para preparar a poção, só me falta a erva Skuggi. Não preciso provar para você o que sei, Brakto. Quantas vezes curei seus filhos de Tosse Amarga? E outros tantos filhos de vocês de Bucho Bravo?
Mais burburinho. As pessoas pareciam indecisas. Brakto retomou.
— Mas nenhuma dessas doenças é mágica, velha. Você cura com as mãos e ervas, mas não acredito em suas arengas. Vai curar as pessoas com uma lenda? Tem certeza que isso funciona?
— Eu não posso garantir que a poção funciona... a receita pode não funcionar — admitiu a velha, com a voz fraquejada. — Mas a alternativa é muito bruta para não tentarmos.
Senhor Aldir estava com os olhos arregalados.
— Eu concordo com a velha Sovnya, Brakto. Não podemos... Não podemos matar todos assim, sem tentarmos fazer algo.
— E o que podemos fazer? Mesmo que a poção funcione, como vamos conseguir essa erva que a velha disse?
— A skuggi cresce em uma gruta nos ermos da Floresta dos Basiliscos. Fica a um dia de caminhada do Rio Sarand. O chá que acabei de dar aos enfermos pode segurar o avanço da doença por não mais que três dias. Então teríamos este tempo para buscar a erva.
— "Não mais que três dias"? E corrermos o risco de que o efeito acabe antes e os trinta infectados se transformem em bárbaros como os que acabaram de nos atacar? Eu digo a você e a todos os presentes: é uma decisão dura, mas precisamos acabar com essa ameaça
agora!
Novamente, todos os presentes se entreolharam e o burburinho ganhou volume. Todos discutiam sobre o que deveria ser feito com os infectados.
OFF
• As ações de Borys e Nightmare combinadas melhoraram muito a moral de todos do vilarejo. Por conta disso, todos que descansarem esta noite em Campodouro vão recuperar mais 10 PVs e 5 PMs, além do que normalmente recuperariam por descanso.
• Como viram, há uma discussão importante em andamento, com um lado defendendo a execução dos infectados e outro defendendo que vale a pena tentar buscar uma cura, mesmo sem certeza de que funcione. Os aldeões estão divididos e indecisos, frente aos argumentos apresentados por Aldir, Loric, Brakto e Sovnya. Cabe a vocês tomar um partido na discussão e influenciar as pessoas sobre como proceder.
Isso será resolvido com um teste estendido, em que
todos vocês precisam fazer algo no sentido de defender seu ponto de vista. Não precisa ser necessariamente um teste de perícia — pode ser algum poder de kit, vantagem, magia ou outra coisa. Mas todos precisam postar uma manifestação interpretativa (seu argumento, perguntas aos presentes, etc) e uma manifestação mecânica (algum poder ou teste de perícia) para tentar influenciar as pessoas.
Quaisquer dúvidas, vemos por Telegram.
• Vocês têm até
28/05 para postarem suas respostas sem perda de PFs. A próxima atualização será em
29/05.