Caelynn estava Satisfeita. Sua vida de aventureira lhe trazia as mais diversas missões, mas fazia tempo que não aceitava um trabalho tão distante. Mas pagavam bem, e adiantaram o valor das despesas com a viagem, então não foi realmente um grande problema. Se quisesse gastar um pouco mais, poderia até mesmo ter comprado um pergaminho de teleporte, mas como o serviço não precisava ser realizado antes de algumas semanas, preferiu economizar e fazer o caminho a cavalo. No fundo, a elfa sempre preferia fazer seus trajetos pelos ermos, onde se sentia em seu ambiente e quase nunca tinha que lidar com pessoas indesejadas.
A missão que pegou era um trabalho de escolta. Caelynn deveria ir à cidadela de Pedrassal, no extremo leste de Bielefeld. Lá, ela se encontraria com Mallister, o burgomestre local, que lhe daria maiores detalhes sobre a pessoa que seria protegida e o caminho a seguir.
Quase tudo corria conforme o plano enquanto a elfa atravessava o extenso reino dos cavaleiros rumo à cidadela — nada além de alguns monstros ocasionais, facilmente abatidos com seu arco — pelo menos até o dia em que um encontro incomum aconteceu.
* * *
A clériga do vulcão se ergueu na praia. Ela ainda não sabia, mas aquela orla já foi um dia parte da capital da terra em que se encontrava — Lendilkar, a antiga e imensa cidade costeira de Bielefeld que, em tempos antigos, tentou lançar domínio sobre Khubar, mas foi afundada por Benthos, o Dragão-Rei dos Mares.
Anahera passou muito tempo olhando para as ondas, sentindo o afagar do vento e o cheiro de cinzas. Sua balsa resistiu bravamente à travessia. Ela estava esgotada, mas as descobertas dos últimos dias, a fuga repentina e a culpa não deixavam sua cabeça. Sentia-se suja. Impura. Enganada.
Por muito tempo ela simplesmente existiu ali — jamais seria capaz de precisar os dias e noites que se passaram. Seu corpo sentia fome e sede, mas sua alma despedaçada a impedia de fazer qualquer coisa que não olhar para o mar, na direção da ilha que era todo o seu mundo até então. Na direção do vulcão.
Ela tombou. A consciência escorregava para o escuro. O vulcão enfim tomava para si a aquela alma, que sempre fora dele. Com sorte, o sofrimento e a culpa também acabariam, assim como sua vida.
Mas não foi o que aconteceu. Graças a um encontro incomum.
* * *
Quando Anahera acordou, estava recostada em uma árvore. Não sentia mais a maresia. Seus olhos se abriram e ela viu uma mulher esguia e exageradamente branca, com um par de orelhas pontudas e um arco a tiracolo.
— Este é o local em que os mortos acordam? — Ela perguntou, no sotaque carregado do povo das ilhas.
A elfa fungou.
— Está mais para o lugar de onde os mortos partem para onde quer que vão — a voz era dura, mas de alguma forma acolhedora, em um sotaque que Anahera jamais havia ouvido, diferente até mesmo dos que ouvira das pessoas do continente com que já tivera contato.
— Sou Caelynn. Encontrei você desacordada na beira do mar. Você estava quase morta. Desidratada. Dormiu por quase dois dias. Fiz o que pude para cuidar de você.
A razão voltava à Anahera. Olhou para o próprio corpo e notou o quanto estava magra, subnutrida e cansada, pela dura travessia do oceano. Engoliu em seco e a garganta doeu. Caelynn lhe ofereceu água e ela aceitou. Um pensamento lhe atingiu. Teve medo do que imaginou, mas era preciso tentar. Fechou os olhos e procurou em meio à escuridão. Lutava contra o receio de que seu abandono o fizesse tê-la também abandonado. Ele. O vulcão, que cuidava e consumia. Kurur Lianth.
Seu pensamento se tornou uma invocação. E no escuro surgiu uma chama, que crescia à medida em que Anahera se dava conta de que a divindade ainda estava lá e a preenchia. O calor cresceu de repente e seu corpo foi completamente tomado pelo fogo. A elfa puxou o arco com presteza, imaginando se tratar de um ataque repentino da figura que entrava em combustão espontânea à sua frente. Quando as chamas apaziguaram, Anahera estava de pé mais uma vez. Renovada pelo fogo. Ainda uma sacerdotisa de Kurur-Lianth, o Deus-Vulcão.
— Obrigada pelo que fez por mim, Caelynn. Mas agora consigo andar com meus próprios pés.
— Sei que não é da minha conta, mas para onde você vai?
Silêncio. Anahera ainda não havia pensado naquilo.
— Um bardo me disse certa vez que para quem não sabe onde ir, qualquer caminho serve — prosseguiu a elfa. — Você parece perdida. Se quiser, pode me acompanhar, até se encontrar.
E foi assim que um encontro muito improvável, porém fortuito, se deu. Há acontecimentos tão casuais sob os céus de Arton, que talvez nem mesmo os deuses saibam explicar.
OFF
John e Marlon, este é o reboot do Romaria. Como conversamos por Telegram, com a saída de Magnus, achei melhor recomeçarmos este prólogo, substituindo o cavaleiro pela elfa. Vou encerrar este post aqui, para que vocês possam fazer alguma interação, antes de chegarem em Pedrassal.
O encontro relatado acima aconteceu alguns dias depois da chegada de Anahera ao continente. Ela ficou desacordada por esse tempo, até ser encontrada por Caelynn.
Se acharem melhor, a interação de vocês pode ser a partir de alguns dias depois deste encontro — aí vocês já sabem um pouco mais uma sobre a outra.
O que vocês fazem?