O clérigo inimigo mais uma vez falava um monte de bobagens sem pé nem cabeça, fruto de uma mente doentia.
Chegava a dar vergonha alheia em Hoenheinn ouvir aquele tipo de coisa, se arrepiava de tão torpe eram os pensamentos. Em um lapso de pensamento que não faz sentido e que acabam surgindo em momentos de tensão imaginou que o homem nunca deveria ter sentido o amor de outra pessoa. Imaginava o quão triste ele deveria ser o quanto essa tristeza o impulsionava a ser quem era transformando aquilo que sentia em frustração.
O que poderia ser confundido com ambição na cabeça afetada pelas magoas.
Apesar disso não sentia menos asco por alguém que deturpava as palavras de seus dogmas, confundido as benção de Keenn que canalizava com as bençãos de Valkaria.
Foi quando em um impulso para responde-lo abriu a boca.
-Humano inferior? Vou te mostrar seu celib...
Foi quando a maldição se manifestou em forma de névoa no ar. De boca aberta a névoa entrou por sua garganta e narinas. Sentiu queimando o exófago e então a dor no estomago e os olhos lacrimejando.
Caiu de joelho vomitando sangue e encarando com ódio o clérigo.
Com mais ódio sentia de si mesmo. Havia caído na provocação do inimigo e por isso falharia com seus companheiros. Precisava segurar só mais um pouco.
Tentou levantar, mas ao fazer força para levantar sentiu a pontada dentro de si como uma adaga.
Caiu no chão perdendo a consciência... e uma profunda tristeza tomou conta de seu coração.
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Fazia quanto tempo que isso não ocorria? Talvez dois anos atrás quando havia ficado para trás para segurar os Kobolds e permitir que os aventureiros fugissem.
Naquele estado de torpor se sentiu flutuando no meio do nada e do vazio. Havia feito o possível naquele momento final para juntar os aventureiros e mesmo assim estava triste. Havia chego no limite de suas capacidades e tinha sido derrotado por um truque torpe de seu oponente.
Sua inocência o fizera falhar mais uma vez.
Tentava mover seu corpo, mas ele não respondia.
Tentava procurar uma ultima partícula de força que lhe permitisse continuar lutando. Sem chance.
Que bosta de devoto da ambição ele era, incapaz de superar um limitezinho como aquele para continuar fornecendo sua força para seus companheiros.
Ainda não havia feito o bastante e aquilo o feria.
Ainda não tinha recuperado o artefato mais importante de sua fé e aquilo era um talho em seu coração.
Ainda não havia reencontrado o seu amor, e aquilo... bem... aquilo era confuso...
- Isso não esta funcionando Hoen, talvez devamos dar um tempo. Eu não sei lidar quando você começa a ficar desse jeito. No meio de nossas viagens, em um momento de tensão, você fica grosso. Quando fica parado muito tempo você fica ansioso... eu não sei. Melhor darmos um tempo.
- Você é muito impulsivo e inocente Hoenheinn. A compaixão que você sente por seus oponentes um dia poderá ser sua ruína. Não basta ter o coração no lugar certo, você tem que ter sua mente também.
As palavras daquelas conversas ainda ecoavam em sua cabeça. Porque pensava naquilo nesse exato momento? Sua cabeça voltava para o passado, voltava a Arkam e a sua mestra naquele momento?
Lembrava do momento em que havia visto Hendd Kalamar a primeira vez andando nos pátios da catedral de Valkaria e de seu rosto molhado de lágrimas sorrindo enquanto olhava para algo nos céus e a sensação em seu peito de alegria. Seguido dos olhares de todos ao seu redor sobre ele.
Lembrou de quando era criança e havia se escondido na mochila sem fundo de um dos aventureiros. Lembrava de antes, antes e muito antes.
Lembrou de quando ainda estava deitado no colo de sua mãe e viu o homem em mantos púrpuras derramar vinho por sobre sua cabeça.
Se lembrou da primeira pulsão de vida em seu corpo e de como lutara sua primeira batalha pela a própria vida.
Via agora o rosto de todos aqueles que um dia tinham cruzado seu caminho e aventurado com eles. Viu um paladina de Khalmyr que conseguia ser mais impulsiva e pensava bem menos nas consequencia de seus atos. Viu um goblin cavalgando uma aranha. Viu uma nobre de Ahlen devota a Kallyadranoch e um pirata que cavalgava em alto mar. Viu uma dupla de sórdidos nobres que atraiam aventureiros incautos para uma tumba cheia de terrores apenas por diversão. Viu Vectora que voava por cima de toda Arton e a taberneira com dupla personalidade e um espelho poderoso.
Viu calabouços e dragões, uma ilha no meio do mar do dragão-rei. Viu uma pequena devota de Tenebra e um pistoleiro que atirava magia junto de uma cavaleira de Porthsmouth e uma estranha criatura do subsolo.
Viu Zidane, Jihad, John e Konrad.
Finalmente notou que alguém parecia estar ao seu lado aquele tempo todo, olhou para o seu lado e viu Valkaria.
A expressão da deusa era confusa para ele. Não entendia nada do que estava acontecendo. Mesmo lutando contra alguém que claramente não entendia os dogmas da deusa ainda tinha alguma dúvida se por trás daquilo ainda não existia algum pingo de verdade.
Abriu a boca e sua voz não saia. Claro que não saia. Não tinha forças, estava desfalecido. No chão. Esperando talvez um companheiro o ajudar. Suas reservas de esforço estavam esgotadas.
A deusa apenas parecia o encarar com uma expressão enigmática.
Talvez apenas estivesse alucinando tudo aquilo.
O aperto no peito aumentou.
Estava caído. Imóvel.
Não podia ajudar.
Se sentia uma vergonha diante de Valkaria.